ESTABELECIMENTOS REGISTRADOS

PROFISSIONAIS INSCRITOS ATIVOS

Revista do Farmacêutico

PUBLICAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 124 - JAN - FEV / 2016

ORIENTAÇÃO JURÍDICA

    

Por que biólogos não podem atuar em análises clínicas

A Resolução 10/03 do Conselho Federal de Biologia foi impugnada em ação judicial proposta pelo Conselho Federal de Farmácia, cujo pedido foi julgado procedente por meio de sentença

 

ING 33594 120369Diuturnamente, o Poder Judiciário é instado a se manifestar sobre a eventual habilitação dos biólogos para atuar nos laboratórios de análises clínicas. A seu favor, para tanto, a classe apoia-se na Lei nº 6.684, de 3 de setembro de 1979, que regulamenta as profissões de biólogo e de biomédico, e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Biologia e Biomedicina; No Decreto nº 88.438, de 28 de junho de 1983, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da profi ssão de biólogo; e na Resolução nº 10, de 5 de julho de 2003, do Conselho Federal de Biologia, que dispõe sobre as atividades, áreas e subáreas do conhecimento do biólogo.
Porém, compartilhamos do entendimento de que a tese não comporta acolhimento, pois nem a Lei nº 6.684/1979 nem o Decreto nº 88.438/1982 possuem permissivo legal relacionado a essa atribuição.
Com efeito, a Constituição Federal, art. 5°, inciso XIII, tutela a liberdade profissional, e afirma que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Fato é que, conforme trecho supra sublinhado, esse direito pode ser restringido por lei caso o exercício de alguma atividade profissional requeira a observância de requisitos decorrentes de suas especificidades.
Portanto, um ato normativo pode balizar determinada atividade ao estipular, por exemplo, qual(is) profissional(is) pode(m) praticá-la.
Nesse caminho, o exercício das análises clínicas foi outorgado ao farmacêutico, em caráter não privativo, pelo Decreto nº 85.878 de 7/4/81, que regula a Lei nº 3.820/60 e traz o âmbito profissional da classe, in verbis:

Art. 2º São atribuições dos profissionais farmacêuticos, as seguintes atividades afins, respeitadas as modalidades profissionais, ainda que não privativas ou exclusivas:
I - A direção, o assessoramento, a responsabilidade técnica e o desempenho de funções especializadas exercidas em:
(...)
b) Órgãos ou laboratórios de análises clínicas ou de saúde pública ou seus departamentos especializados;

O biólogo, todavia, não possui idêntica autorização, consoante artigo 2º da Lei nº 6.684/79, cujo rol de atribuições é taxativo, ad litteram:

Art. 2º Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica, o Biólogo poderá:
I- Formular e elaborar estudo, projeto ou pesquisa científica básica e aplicada, nos vários setores da Biologia ou a ela ligados, bem como os que se relacionem à preservação, saneamento e melhoramento do meio ambiente, executando direta ou indiretamente as atividades resultantes desses trabalhos;
II- Orientar, dirigir, assessorar e prestar consultoria a empresas, fundações, sociedades e associações de classe, entidades autárquicas, privadas ou do poder público, no âmbito de sua especialidade;
III- Realizar perícias e emitir e assinar laudos técnicos e pareceres de acordo com o currículo efetivamente realizado.

Desta feita, em análise às leis que regulam o tema, verifica-se que os biólogos não estão legalmente autorizados a realizarem análises clínicas, a despeito da disposição contida na Resolução do Conselho Federal de Biologia nº 10/2003.
Somente lei ou decreto que a regulamente, como vimos, poderia limitar o direito à liberdade profissional, assim como estabelecer o âmbito de atuação de cada classe, não cabendo ao Conselho Federal de Biologia proceder com tal inovação por meio de resolução, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Insta salientar que tal resolução foi impugnada em ação judicial proposta pelo Conselho Federal de Farmácia em face do Conselho Federal de Biologia, cujo pedido foi julgado procedente através de sentença.
Em face da sentença, o Conselho Federal de Biologia interpôs recurso de apelação e o processo ainda está pendente de julgamento final. Contudo, os Egrégios Tribunais Regionais Federais da 2ª e 4ª Regiões já se manifestaram sobre o tema no mesmo sentido da decisão supramencionada, consoante exposto abaixo:

Ação civil pública. Conselho Regional de Biologia. Curso de especialização em Análises Clínicas. Restrição a participação de biólogos. Ausência de fumus boni juris.
De acordo com o entendimento desta Corte, assim como de outros Tribunais Regionais, o rol de profissionais habilitados ao exercício da atividade de análises clínicas, no condão da legislação pertinente, cinge-se aos médicos, biomédicos e farmacêuticos, de maneira que, diante da ausência de fumus boni juris, há que se julgar improcedente o pedido deduzido na presente medida cautelar.
Embora a liminar tenha sido deferida para o fim de permitir-se aos biólogos o ingresso no curso de especialização em análises clínicas, oferecido  pela Ré, há que se reconhecer, igualmente, a precariedade dessa participação, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do fato consumado.
(...)
Assim, a revogação da liminar neste momento lhes é evidentemente mais favorável do que em momento posterior, na medida em que o diploma a ser eventualmente obtido careceria de embasamento legal.
(TRF-4, Proc. nº 0071030-68.2008.4.04.0000, 4ª Turma, Relator Edgard Antonio Lippmann Jr., Julg. 03/08/2008)
Administrativo – Conselho de Fiscalização – Técnico responsável por laboratório de análises clínicas – biólogo especialidade medicina – indenização por danos morais e materiais – impossibilidade – não preenchimento dos requisitos de escolaridade exigida pela lei para a função – recurso desprovido.
(TRF-2, Apelação Cível nº 0000505-74.2013.4.02.5001, 5ª Turma Especializada, Rel. Marcus Abraham)

Por conseguinte, verifica-se que o exercício de qualquer labor por profissional indevidamente capacitado é rechaçado pela Constituição Federal do Brasil, pois seus atos fatalmente prejudicarão uma gama de usuários dos serviços prestados. No caso em exame, o risco seria deveras acentuado, pois golpearia um bem comum, qual seja, a saúde pública.
Isso posto, podemos inferir pela impossibilidade do exercício da atividade de análises clínicas pelo profissional graduado em biologia, por ausência de previsão, nos termos da legislação vigente.

 

Leandro adv 2Por dr. Leandro Funchal Pescuma

Departamento Jurídico do CRF-SP

   

 

 

 

 

 

     

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