DNA pode ser a chave para a rápida produção de vacinas contra vírus zika
20/12/2016 - Valor Econômico
Keith Hamilton sentou-se na cadeira do paciente e se preparou para a picada de uma vacina experimental contra o vírus zika.
A injeção foi a parte mais fácil. Em seguida, uma enfermeira inseriu três agulhas minúsculas em seu braço com um dispositivo que deu dois choques elétricos fortes o suficiente para contrair o músculo. Hamilton, um médico de doenças infecciosas, fazia uma pausa no trabalho para se voluntariar no teste histórico de uma vacina de próxima geração na Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia.
A epidemia do vírus zika está acelerando o desenvolvimento de vacinas experimentais contra essa e outras doenças infecciosas com o uso de DNA. Elas podem se tornar a melhor defesa de vários países contra surtos dessas doenças que têm se espalhado pelo mundo com uma velocidade alarmante, impulsionados pelo crescimento da população e pelo aumento das viagens internacionais. Essas vacinas, feitas com DNA sintético, podem ser desenvolvidas e produzidas rapidamente.
Nos últimos meses, pesquisadores nos EUA e no Canadá já injetaram em dezenas de voluntários duas vacinas concorrentes feitas a partir de DNA com a meta de criar imunidade contra o vírus zika. Transmitido pelo mosquito aedes aegypti, ele já causou centenas de malformações congênitas, incluindo danos cerebrais e morte fetal, principalmente no Brasil.
A Inovio Pharmaceuticals Inc., farmacêutica que produz uma das vacinas que está sendo testada na Universidade da Pensilvânia, está numa corrida para lançar a droga acompanhada do "dispositivo de eletroporação", ferramenta do tamanho de uma escova de dentes elétrica que usa um choque elétrico para ajudar a vacina de DNA a entrar nas células humanas.
Embora apresente problemas significativos, alguns pesquisadores acreditam que as vacinas de DNA possam fornecer formas mais rápidas e efetivas para combater zika, ebola e outros vírus e bactérias mortais que já afetaram milhões de pessoas.
Os cientistas podem desenvolver vacinas de DNA em questão de semanas e começar os testes em humanos em meses. As vacinas de DNA também podem gerar imunidade mais duradoura que as convencionais e, em alguns casos, até curar a doença para a qual ela provê defesas.
As vacinas convencionais demoram anos para ser desenvolvidas e testadas. Elas frequentemente custam mais do que provavelmente as farmacêuticas conseguirão recuperar com as vendas, especialmente nos países tropicais pobres onde as doenças se originam. O baixo retorno financeiro desencoraja muitas empresas a produzir vacinas para novas doenças.
Mesmo assim, há muito em jogo, concluiu relatório de especialistas em saúde da Academia Nacional de Medicina dos EUA de 2016. "Uma pandemia pode matar tantas pessoas quanto uma guerra devastadora." Mais de 41 milhões de pessoas morreram em todo o mundo nos últimos dez anos de Aids, malária, tuberculose, ebola e outras doenças, segundo pesquisa do Instituto de Medidas e Avaliações de Saúde da Universidade de Washington.
O vírus zika infectou mais de 170 mil pessoas nas Américas, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde, com suspeitas de outras centenas de milhares de casos. O Brasil deve enfrentar o ressurgimento do vírus durante o verão. As vacinas tradicionais são desenvolvidas com a criação de vírus e bactérias em laboratório, o que leva anos. Já as vacinas de DNA são produzidas com a inserção de um gene específico de determinado vírus ou bactéria em fragmentos de DNA sintético chamados de plasmídeos, um hospedeiro multifuncional.
No ano passado, quando ficou claro que o vírus zika se espalhava rapidamente, pesquisadores do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID, na sigla em inglês) recuperaram uma vacina experimental de DNA que a agência havia desenvolvido cerca de dez anos antes para a febre do Nilo Ocidental.
Embora ela tenha se mostrado promissora em testes com humanos, nenhum parceiro comercial aceitou produzi-la.
A agência reformulou a vacina do Nilo Ocidental, substituindo um gene por um do zika na plataforma do DNA, diz Anthony Fauci, diretor da NIAID. "Esse é o caminho para onde está indo o estudo das vacinas - ter uma série de plataformas intercambiáveis prontas." A NIAID levou menos de quatro meses entre o momento em que estabeleceu o projeto da vacina até iniciar os testes em humanos, diz Barney Graham, diretor adjunto do Centro de Pesquisa de Vacinas do NIAID. Os testes para avaliar sua segurança em humanos, e ver a resposta imunológica, começaram em agosto.
Resultados iniciais são esperados para o fim do ano. As vacinas de DNA da Inovio e da NIAID foram as primeiras a serem testadas em humanos, entre quase 30 vacinas contra zika em desenvolvimento, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Mesmo se as vacinas da Inovio e da NIAID funcionarem em testes humanos, elas não devem ser lançadas comercialmente pelo menos por mais dois anos para atender a exigências regulatórias de eficácia e segurança.
De uma perspectiva comercial, o mercado pode ser pequeno se as autoridades de saúde pública determinarem que a vacina contra zika precisa apenas ser estocada para emergências em vez de administradas rotineiramente na população em geral.
As empresas que tentam desenvolver vacinas contra zika esperam que a demanda pública por uma imunização generalizada crie um mercado comercial similar à vacina para rubéola, outra doença que causa malformação fetal. Nenhuma vacina contra zika deve ter como alvo mulheres grávidas devido aos possíveis riscos, mas deve ser aplicada amplamente na população jovem.
Centenas de milhões de pessoas estão em risco, diz Thomas Monath, diretor de operações da divisão de doenças infecciosas da NewLink Genetics Corp., que está desenvolvendo duas vacinas contra zika. A doença "é a maior oportunidade [para o desenvolvimento] de uma nova vacina que surgiu em toda minha carreira, e estou neste setor há 40 anos", diz ele.
Cientistas têm trabalhado na criação de vacinas de DNA para todo tipo de doença há 25 anos. Mas o maior problema é que as células humanas não as absorvem facilmente. O dispositivo de eletroporação da Inovio pretende ser uma solução.
Depois que a vacina é aplicada no braço, o dispositivo gera uma corrente elétrica suave no mesmo local, abrindo temporariamente as membranas das células para permitir a entrada do DNA. "É o fogo que cozinha o alimento", diz J. Joseph Kim, diretor-presidente da Inovio.
Em meados de 2015, Kim leu sobre a propagação do vírus zika na América do Sul e começou a trabalhar em uma vacina de DNA para combatê-lo. Ele precisou apenas de duas semanas para criar as sequências de DNA no computador e produzir um pequeno volume. Em dezembro, a vacina era testada em ratos.
Em junho, a FDA, a agência que regula os alimentos e medicamentos nos EUA, aprovou o estudo em humanos, com base em testes em animais que mostraram que a vacina criou imunidade ao vírus zika.
Os testes da Inovio, iniciados em julho, devem ser concluídos este mês. A Inovio já tem um histórico de sucesso com vacinas de DNA. Ela obteve resultados positivos para sua vacina contra o ebola; 64 dos 69 receptores criaram uma forte resposta imunológica depois de três doses.
Terapia psicodélica
20/12/2016 - O Globo
Ao observar células-tronco humanas que originam neurônios proliferarem prodigiosamente em seu laboratório, o neurocientista carioca Stevens Rehen ficou surpreso. Menos pelas células-tronco, cujo estudo é um dos pioneiros no Brasil. E sim pela substância que fez com que elas se multiplicassem, com potencial terapêutico contra a depressão, o mal de Alzheimer e a síndrome de Down. A substância é a harmina, um dos compostos ativos da psicodélica ayahuasca. E o estudo do grupo de Rehen, publicado este mês na revista científica “PeerJ”, um dos mais recentes da nova ciência dos psicodélicos.
Ayahuasca, LSD e psilocibina (composto ativo do chá de cogumelo) são alvo de uma série de estudos médicos em Estados Unidos e Europa. No Brasil, as pesquisas se concentram na ayahuasca, cujo uso religioso é permitido e regulamentado desde 2010. Os psicodélicos acenam com a possibilidade de tratar o hoje incurável, sem causar dependência ou efeitos nocivos, segundo cientistas. Eles têm obtido sucesso no tratamento da depressão severa, do distúrbio de estresse pós-traumático e da dependência química em álcool, nicotina, cocaína e crack.
E, no início do mês, grupos das universidades americanas Johns Hopkins e de Nova York mostraram que uma única dose de psilocibina alivia uma das mais piores angústias que o ser humano pode sofrer, aquela causada pela aproximação inexorável da morte em pacientes com câncer. Oitenta pessoas foram tratadas e três quartos se livraram da depressão e da ansiedade intoleráveis por até seis meses — o tempo que o estudo durou. A pesquisa foi publicada no periódico “Journal of Psychopharmacology”.
— Uma só sessão com psilocibina devolveu a vontade de viver a pessoas muito doentes. Aliviar a angústia de pacientes terminais com a morte que se aproxima é comovente. Não há efeito colateral. Trata-se de um salto enorme na psiquiatria — afirma o neurocientista Eduardo Schenberg, estudioso de psicodélicos e um dos autores do primeiro estudo do mundo a mostrar imagens da atividade do cérebro sob efeito de LSD, como parte de suas pesquisas no Imperial College, em Londres.
DROGA NÃO CAUSA DEPENDÊNCIA
Diretor do Instituto Plantando Consciência, em São Paulo, Schenberg está otimista com os avanços na área:
— Em cerca de cinco anos veremos uma revolução na saúde mental. Há preconceito na comunidade científica, é baseado em mitos, como o de que os psicodélicos viciam. Eles não provocam dependência. E são substâncias tão poderosas que voltaram a ser investigadas em alguns dos maiores centros mundiais de ciência.
No Brasil, os psicodélicos atraem nomes como Rehen, cujo estudo com a harmina foi realizado no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (I’Dor) e no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Ele, a doutoranda Vanja Dakic e colegas decidiram estudar a harmina interessados no potencial da ayahuasca contra a depressão e a ansiedade revelado em estudos anteriores de outros pesquisadores brasileiros, com pequenos grupos de voluntários.
— Queríamos entender a bioquímica por trás das alterações na consciência experimentadas por pessoas que tomam a ayahuasca. Ela é usada há séculos pelos índios e consumida pelos seguidores das religiões ayahuasqueiras, como o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal — explica Rehen.
Ele e seu grupo viram que, como antidepressivos comerciais, a harmina leva à chamada neurogênese. Mas de forma mais expressiva. Estimuladas com harmina por quatro dias, as células-tronco neuronais aumentaram em 70% o número. A harmina atua sobre uma enzima chamada DYRK1A. Essa enzima inibe a proliferação de células nervosas e está ligada ao cromossomo 21, o mesmo cuja trissomia provoca a síndrome de Down.
— A descoberta abre muitas possibilidades. Sabemos que existe, por exemplo, uma ligação entre a depressão e o mal de Alzheimer. Deprimidos graves correm maior risco de Alzheimer. E a mesma enzima é defeituosa em pessoas com Down — salienta Rehen.
A harmina sequer é a principal substância ativa da ayahuasca, uma infusão de um cipó amazônico com outras plantas. O principal princípio ativo é a dimetiltriptamina (DMT), um psicodélico conhecido e que atrai interesse crescente na comunidade acadêmica. Os psicodélicos interessam, sobretudo, porque atuam sobre o sistema de serotonina, um neurotransmissor ligado ao controle do que somos e como nos comportamos. Está relacionado às emoções, ao humor, ao desejo sexual, à saciedade, à regulação do sono. Deficiências nas vias de serotonina levam à depressão e à ansiedade. Mas não existe um só fármaco eficiente e sem efeitos colaterais capaz de corrigir falhas nesse sistema.
De sobra, existem doenças. A depressão, por exemplo, afeta cerca de 350 milhões de pessoas no mundo. Destas, só 54% respondem ao primeiro tratamento e 30% não respondem a tratamento algum. Há 100 milhões de pessoas com depressão e sem chance de melhora, destaca Dráulio Barros de Araújo, professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ele lidera alguns dos principais grupos do Brasil no estudo das propriedades terapêuticas da ayahuasca.
— No caso da ayahuasca, o que fazemos é resgatar um conhecimento milenar de povos da Amazônia. No do LSD e da psilocibina, cientistas dão continuidade a linhas de pesquisa interrompidas nos anos 60 e 70, com a proibição dessas drogas na repressão à contracultura. Até 1965, cerca de 40 mil pessoas já tinham sido tratadas com psicodélicos — observa Araújo.
Ele integra um grupo que estuda o efeito da ayahuasca na depressão severa, sem resposta a tratamento. Em pacientes assim, a depressão traz risco de suicídio. Os primeiros resultados foram animadores. Os pesquisadores dividiram os pacientes em dois grupos de 15 pessoas cada. Um fez uma sessão com ayahuasca. O outro tomou placebo. Num primeiro momento, tanto o placebo quanto a ayahuasca surtiram efeito. Já após sete dias, apenas a ayahuasca mostrava resultado. O estudo prossegue com análises após 21 dias de tratamento com uma única dose.
— Nos interessamos pela ayahuasca porque é sabido que adeptos dos cultos ayahuasqueiros têm baixa incidência de depressão. Pesquisas confirmaram ação terapêutica. — diz Araújo.
PADRÕES SEMELHANTES AOS DA MEDITAÇÃO
A dependência química é um dos alvos principais da equipe de Dartiu Xavier da Silveira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O grupo investiga a ayahuasca e a ibogaína, um alucinógeno conhecido.
— Pesquisas mostram que a ayahuasca melhora a autoimagem em mulheres com anorexia, diminui transtornos de déficit de atenção. Estamos interessados principalmente em seu uso contra a dependência química. Ela parece ter um efeito consistente contra o alcoolismo. E queremos estudá-la para tratar dependentes de cocaína — diz Silveira, que integra o grupo de pesquisadores do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.
Segundo ele, há indícios de que os psicodélicos atuam sobre outros neurotransmissores, como a dopamina. — Fizemos o primeiro estudo do mundo a analisar os efeitos de uma sessão de ayahuasca com eletroencefalograma. E vimos padrões semelhantes aos da meditação profunda, um estado de consciência difícil de alcançar. Uma sessão de ayahuasca vale mais que cem de psicoterapia — diz Silveira.
O psiquiatra Luís Fernando Tófoli, professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está interessado na ayahuasca no tratamento do alcoolismo. Ele faz parte de uma equipe multidisciplinar que estuda aspectos farmacológicos, psiquiátricos, neurológicos, botânicos, químicos, toxicológicos dentre outros da ayahuasca. A pesquisa envolve Unicamp, USP, UFRN, Unifesp e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC, na Bahia). — Estamos interessados em aplicações terapêuticas na depressão, na ansiedade e no abuso de substâncias. Ainda estamos na fase de aprendizado. Há muito o que descobrir, mas os testes até agora são positivos — frisa.
A dose adequada de cada substância, por exemplo, está em aberto. Tófoli acredita que dificilmente a produção de medicamentos psicodélicos interessará à indústria.
— São substâncias de composição química conhecida. E quase sempre serão usadas em poucas doses, por vezes, uma só. Logo, não interessam à grande indústria. Mas podemos ter fitoterápicos padronizados. É fascinante pensar que passamos por uma mudança de paradigma no tratamento de doenças mentais — destaca.
Os cientistas advertem que o uso terapêutico de psicodélicos precisa ter critério e não é para qualquer pessoa. E lembram que, em alguns casos, pode vir acompanhada de vômitos, enjoo e náuseas. E causar reações psicológicas.
— O psicodélico só deve ser usado com um propósito específico e num contexto apropriado — adverte Araújo. E nem se adequa a todos os pacientes. — Não é para todo mundo. E é preciso acompanhamento de terapeutas — salienta Silveira.
Araújo acrescenta que só 10% das pessoas que bebem ayahuasca voltam a tomá-la. Trata-se do mesmo percentual das pessoas que saltam de paraquedas e repetem a prática.
— Muitos dos que experimentam um psicodélico consideram esta a experiência mais transformadora de suas vidas. Isso não significa que seja fácil ou que desejem repeti-la — diz.
Schenberg explica que nem sempre a expansão da consciência e a viagem interior promovida pelos psicodélicos são as esperadas.
— A experiência é transformadora. Altera a personalidade e a percepção de mundo. Mas não quer dizer que seja fácil. Os psicodélicos são uma ferramenta poderosa para estados de expansão da consciência. Mas devem ser usados com cuidado e respeito. Usar recreativamente psicodélicos é o mesmo que surfar com tubarões. O inconsciente emerge e nem sempre é agradável. Medos e ansiedades podem aparecer — adverte Schenberg.
Dráulio Araújo está otimista com as possibilidades terapêuticas dos psicodélicos:
— Não será uma luta como a travada para descriminalizar o uso medicinal da maconha. Os psicodélicos têm se mostrado seguros, não viciam. Têm um espaço a conquistar na psiquiatria e podem beneficiar muita gente.
Brasileira entre os destaques da ciência
20/12/2016 - O Globo
Celina Turchi foi uma das 10 eleitas da revista “Nature”. A revista “Nature”, uma das publicações científicas de maior prestígio do mundo, anunciou ontem sua lista dos dez nomes de maior destaque na ciência em 2016. E entre os escolhidos está a brasileira Celina Maria Turchi Martelli. Professora aposentada da Universidade Federal de Goiás e pesquisadora-visitante do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPQAM), da Fiocruz, em Pernambuco, Celina lidera o grupo que pela primeira vez associou cientificamente a infecção pelo vírus da zika em grávidas a casos de bebês com microcefalia.
Embora a relação entre o vírus da zika e a microcefalia já tivesse sido observada anteriormente, foi só a partir do trabalho de Celina e seus colegas do Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia (Merg, na sigla em inglês) que esta associação ganhou um caráter mais certeiro. Publicado em setembro no periódico “Lancet Infectious Diseases”, o estudo inclui crianças nascidas com microcefalia em oito hospitais públicos da Região Metropolitana de Recife entre 15 de janeiro e 2 de maio deste ano. Para cada caso de microcefalia registrado na pesquisa, com exceção de dois, os cientistas incluíram mais dois nascimentos chamados “controles”, definidos como os primeiros dois bebês que vieram à luz na manhã seguinte sem microcefalia em um dos hospitais. Ao todo, foram 62 controles e 32 vítimas de microcefalia, que também foram pareados de acordo com a região de residência da mãe e a data esperada para o parto.
Após o recrutamento dos casos e controles, os pesquisadores analisaram o líquido cefalorraquidiano (líquor) eo o sangue do cordão umbilical de todos bebês em busca de sinais de infecção congênita pelo zika, e em 13 deles (41%) os testes deram positivo em uma ou ambas amostras. Já entre os controles, nenhuma das crianças apresentou indícios de exposição ao vírus. Além disso, exames mostraram que ao menos 24 de 30 das mães que tiveram filhos com microcefalia (80%) foram atingidas pela doença, contra 39 de 61 das mães dos controles (64%). Estes testes, porém, não dizem se elas adoeceram antes ou depois do início da gestação, nem em qual fase.
TRABALHO E COLABORAÇÃO
Segundo os pesquisadores, a dificuldade para detectar a presença do vírus da zika ou de seus anticorpos no sangue e no líquor dos bebês com microcefalia, especialmente quando a infecção acontece logo nos primeiros meses da gravidez, pode explicar, pelo em parte, porque 19 (59%) dos 32 casos do estudo preliminar não deram positivo para zika.
— A escolha de meu nome é um reconhecimento do esforço feito por todo um grupo de pesquisadores que fazem parte do Merg, para estabelecer desde o início da epidemia de microcefalia qual a associação das diferentes hipóteses a estes casos — diz Celina em entrevista ao GLOBO. — É muito gratificante ver nossas pesquisas serem reconhecidas e repasso esta lembrança a todos os pesquisadores do grupo, que com muito trabalho e colaboração alcançou este resultado.
‘Ainda vai levar um bom tempo para termos todas respostas’
20/12/2016 - O Globo
O que já sabemos hoje sobre o zika na gravidez e o que falta descobrir?
Em pouco mais de um ano desde o alerta já percorremos um grande caminho de descobertas. Assim, a pergunta atual não é mais se o vírus causa má formação. Esta está respondida pelo nosso estudo e por outros. Agora precisamos saber, por exemplo, em que período da gestação os riscos são maiores e o efeito potencial da infecção, seja sintomática ou assintomática, pois o foco também não é mais só a microcefalia. Mesmo crianças com perímetro cefálico normal estão apresentando alterações oculares, auditivas e neurológicas e vamos precisar observar seu desenvolvimento. E para saber tudo isso serão necessários estudos de coorte, que acompanham um grande número de mulheres e crianças. Serão projetos de média e longa duração para escrever este novo capítulo da ciência.
Então ainda restam muitas perguntas...
Sim, mas houve uma mobilização muito importante da comunidade científica tanto nacional quanto internacional e agora as colaborações estão mais bem estabelecidas. Em ciência é normal que, ao responder uma pergunta, muitas surjam, e ainda levará um bom tempo para termos todas respostas sobre o zika.
Estamos chegando ao início do verão, no qual a transmissão de doenças como a zika e a dengue aumenta. O Brasil está preparado?
Numa perspectiva otimista, o fato de termos um conhecimento mais claro sobre a doença vai facilitar a tomada de ações tanto do ponto de vista coletivo quanto individual de proteção. Há um entendimento de que esta é uma epidemia com uma transcendência social das maiores, que mobiliza toda uma geração que pode ser afetada. A sociedade está mais alerta e os serviços de saúde pública mais preparados. Espero que a imunidade gerada pela primeira onda da epidemia tenha reduzido a população suscetível, mas por enquanto o grande foco deve continuar a ser o controle vetorial, a eliminação dos criadouros do mosquito.
Em todo o sistema, existe uma referência
20/12/2016 - Revista Saúde Business
O ciclo de perdas de receitas e do aumento constante dos custos, que se agrava nos últimos anos por causa da crise econômica, exige a busca de soluções para superar as adversidades no setor da saúde. Muitos fatores são considerados para que as mudanças garantam o equilíbrio econômico, financeiro e assistencial do sistema brasileiro. Porém, dificilmente a transformação necessária e esperada vai ocorrer se não houver maior transparência nas relações entre todos os elos dessa cadeia de valor.
Para nós da PwC, fortalecer a credibilidade e a transparência é de extrema relevância para o desenvolvimento empresarial. E, na saúde, tende a ser o alicerce da melhoria do setor, pois, no Brasil, essa atividade econômica ainda opera sob a lógica da desconfiança mútua entre os agentes.
Há grande desconhecimento sobre a estrutura de custos de cada elo, o que resulta na dificuldade para se obter a precificação dos serviços e insumos usados no sistema. A falta de transparência também compromete a competição, uma vez que é difícil aferir a qualidade dos prestadores de serviço, já que não há bases de comparação.
Sem essas compreensões claras, o setor acaba evoluindo pouco na eficiência e na produtividade.
Para dar um exemplo de como a falta de transparência pode afetar a cadeia de valor, vamos citar os recentes debates em torno da criação dos planos de saúde acessíveis, medida sugerida pelo Ministério da Saúde.
A criação do produto é compreensível, afinal pesquisas de opinião indicam que o plano de saúde é o terceiro principal desejo do brasileiro, depois de educação e casa própria. Porém, quase 80% dos entrevistados que não possuem o benefício alegam que não podem arcar com os altos custos. Além do desejo do cidadão, o governo parece mirar na expansão do atendimento privado como uma forma de dar algum fôlego ao SUS, muito atingido tanto pelo aumento de demanda provocado pela saída de beneficiários da saúde suplementar, fruto do aumento do desemprego - planos empresariais representam 65% dos vínculos dos planos de saúde -, quanto pela limitação financeira que os entes públicos sofrem em decorrência da queda de arrecadação. Portanto, partiu-se da lógica de "baratear" o produto para que mais pessoas possam adquirir o benefício e, assim, reduzir a procura pelo sistema público.
Porém, a falta de transparência tornou as discussões mais difíceis. Organizações de defesa dos consumidores não aceitam um produto com cobertura limitada em relação aos planos de referência, por acreditarem que as operadoras possuem boa margem de lucro. Esse pensamento ocorre pois as organizações não conseguem ter clareza de que a extensão de cobertura está intimamente ligada aos custos. Não há transparência nem dados disponíveis aos consumidores que indiquem onde o dinheiro dos prêmios está sendo aplicado.
As operadoras, por sua vez, também não demonstram ter total compreensão da estrutura de custos e da real qualidade dos prestadores, e, assim, possuem uma grande dificuldade para negociar e modelar um produto que cumpra com os requisitos assistenciais mínimos. Por outro lado, os prestadores, temerosos de sofrerem perdas de receitas, evitam o debate sobre os serviços e protocolos, que possam resultar em um padrão superior de eficiência, que reduziria os desperdícios e resultaria em um custo menor sem diminuir a qualidade assistencial.
E, por fim, o governo reluta em alterar a legislação setorial, temeroso de que possa abrir brechas que desequilibre todo o sistema e piore as relações entre os agentes. Na prática, há o temor de um aumento nas judi-cializações, o que pode potencializar um volume já gigantesco de ações no Poder Judiciário sob toda a sorte de demandas de cobertura.
O dado concreto é que 1,6 milhão de brasileiros perderam seus planos de saúde, entre junho de 2015 e junho de 2016, como consequência da crise financeira e do aumento do desemprego. Para piorar, o setor apresenta um elevado grau de desperdício, em todos os elos da cadeia produtiva, principalmente na parte operacional. O impacto dessa combinação de fatores repercute, assim, nos resultados financeiros, afinal as operadoras registraram em 2015 margem líquida de 0,32%. Nos hospitais, um drama parecido. De acordo com o "Observatório Anahp 2016", publicação da Associação Nacional de Hospitais Privados, o grupo de 42 hospitais de excelência que forneceu seus dados indica que, em 2015, as receitas deflacionadas registraram queda de 3,3%, enquanto as despesas, pelo mesmo critério, cresceram 2%.
Por serem interdependentes, fontes pagadoras e prestadores terão de abrir seus números e construírem, em conjunto, as soluções para obter o equilíbrio financeiro. Não será um caminho fácil, pois além da questão da confiança, a melhoria também passará pela análise de dados que estão em bancos quase sempre únicos e isolados, com baixo grau de integração e interoperabilidade.
Para a precificação justa, um hospital terá de mostrar sua estrutura de custos e os indicadores de qualidade e de performance dos desfechos clínicos. A escolha de fornecedores pelas operadoras privilegiará os fornecedores mais eficientes e com melhores resultados assistenciais.
Já a operadora terá de mostrar a seus contratantes que está disposta a garantir a melhoria da rede assistencial, podendo até ser uma parceira que apoia seus prestadores a buscar maior eficiência, prover ganhos de qualidade, auxiliar na gestão de insumos e, obviamente, remunerar melhor a performance mais eficiente e o melhor desfecho clínico. Na mesma linha, terá de redobrar esforços em um modelo assistencial que priorize a saúde do beneficiário, tendo na promoção da saúde um ingrediente estratégico da sua sustentabilidade e relacionamento com o beneficiário, o que significa uma nova abordagem sobre prevenção, diagnóstico, tratamento, monitoramento e auxílio ao paciente.
Um elemento-chave poderá conduzir as mudanças do setor: o beneficiário. Cada vez mais ele deixa de ser um "consumidor" para firmar-se como "paciente". Um paciente informado, com acesso a toda sorte de informações e dados a um simples clique, capaz de fazer escolhas e determinar os rumos da própria saúde, mas que vai precisar de colaboração profissional.
Operadoras, hospitais e médicos que entenderem o poder desse paciente e se dispuserem a fornecer informações e trocar conhecimento, apoiá-lo na gestão da saúde, terão vantagens competitivas. Novos entrantes do mercado tendem a seguir essa lógica, estabelecendo um padrão diferente de competitividade.
A transparência na cadeia também cria as condições para o aperfeiçoamento regulatório. Poucas atividades econômicas sofrem tanto controle normativo quanto o setor de saúde. Ao prover transparência, cria-se a credibilidade ao sistema e, por extensão, condições para ajustes regulatórios, provendo maior flexibilidade ao setor. Um princípio que, combinado à criatividade, viabilizará novas formas de ganhos de escala e de eficiência. Sem conferir transparência ao sistema de saúde e nas relações entre os agentes, continuaremos sem as respostas que o mercado tanto procura.
Novas tecnologias
20/12/2016 - Revista Saúde Business
As tecnologias de saúde vêm sofrendo notáveis avanços nas últimas décadas, os quais estão, muitas vezes associados à queda na mortalidade e à melhora na qualidade de vida da população em áreas como a oncologia e cardiovascular.
Há, em muitos casos, falta de evidências cientificas que justifiquem a incorporação e o uso das novas tecnologias ou a integração cumulativa delas. Como consequência, isso gera o aumento desnecessário de custos para o setor de saúde.
A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é um instrumento para a tomada de decisão e busca de eficiência na alocação de recursos, sendo fundamental paia a sustentabilidade do sistema. Especialistas apontam o desenvolvimento e a difusão da tecnologia médica como os principais fatores que explicam a diferença persistente entre o aumento das despesas com saúde e o crescimento global da economia. Alguns argumentam que as novas tecnologias médicas são responsáveis por 50% do crescimento real nos gastos de saúde.
Luiz Augusto Carneiro, Superintendente Executivo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementai), acredita que as tecnologias estão sofrendo notáveis avanços, com o objetivo de tornar o sistema mais eficiente. "Muitas vezes estão associadas à queda na mortalidade e à melhora na qualidade de vida da população. Também há os casos de aplicação de tecnologia em processos administrativos, controles internos e combate ao desperdício", comenta.
Para estimular a eficiência do setor, o especialista aponta a necessidade de melhorar a estrutura financeira e assistencial da saúde suplementai, visando equilíbrio entie receitas e despesas das operadoras, focando nas deficiências estruturais. Ele exemplifica: "A inserção de um modelo de pagamento prospectivo, a adoção de novas tecnologias, considerando se elas representam ganhos comparativos às já aplicadas e, principalmente, se a estrutura do sistema consegue absorver esses custos adicionais."
O superintendente acredita que, para alcançar a qualidade necessária no nosso sistema de saúde, adotar novas tecnologias não é suficiente. "A saúde precisa de uma reestruturação global e o foco precisa sei restabelecido, tendo o paciente como o centro das atenções, em busca do melhor desfecho clínico. Com certeza o atual modelo de pagamento, baseado no fee for service, e a inserção de novas tecnologias na saúde suplementar sem estar acompanhada de uma avaliação do custo benefício é um dos maiores entraves paia que o setor diminua os custos. O atual modelo de pagamento fee for service estimula o desperdício e a ineficiência, de modo a inflai a conta hospitalar. As melhores práticas mundiais são aquelas que premiam a eficiência, penalizam o desperdício e garantem a melhor assistência ao paciente."
Com o foco em reduzir custos, ele recomenda a implementação do modelo de pagamento prospectivo, além da inserção de indicadores de qualidade no hospital e a divulgação desses indicadores. "É primordial que o beneficiário e o paciente do SUS também tenham conhecimento dos indicadores hospitalares e de dados em relação a erros médicos. Isso é uma proteção ao consumidor e também visa que o hospital esteja sempre buscando a qualidade", conclui,
Mais gente, menos recursos
19/12/2016 - Revista São Paulo - Folha de S. Paulo
Diante de um cenário de crise econômica e de perda de postos de trabalho formais, um dos grandes desafios para o SUS (Sistema Único de Saúde) nos próximos anos serão seu financiamento e a sua sustentabilidade. Em 2016, quase 2 milhões de brasileiros perderam seus planos de saúde e passaram a utilizar a já abarrotada rede pública.
E há um temor adicional de que a Proposta de Emenda à Constituição que limita o aumento dos gastos federais por até 20 anos, aprovada na última terça (13), reduza ainda mais os recursos da saúde.
O texto restringe o crescimento das despesas do governo federal à inflação do ano anterior. Ocorre que a inflação do setor é, tradicionalmente, o dobro do índice oficial. Soma-se a Isso o fato de que o sistema público de saúde é cronicamente subfinanciado.
Apenas 48% das despesas totais com saúde no Brasil são públicas.O restante (52%) é gasto privado, das famílias e das empresas. Na Inglaterra, que também tem um sistema de saúde universal, 85% do total é público.
Entidades do setor alertam que em 2017 estarão em risco programas já implantados, como a estruturação das redes de atenção à saúde prioritárias (cegonha, saúde mental, atenção às urgências e emergências, às doenças crônicas e às pessoas com deficiência). O governo federal nega.
Com mais gente e menos recursos, estão previstas mais filas de espera para exames e consultas, mais superlotação nas emergências, mais escassez de recursos nas unidades de saúde, mais falta deleitas.
Fora a questão do financiamento, o SUS já sofre o impacto da mudança demográfica e, consequentemente, do aumento de doenças crônicas, que demandam mais gastos.
Em 20 anos, o número de idosos deve quase dobrar, passando dos atuais de 24,9 milhões para 48,9 milhões de habitante. A população com 80 anos ou mais aumentará em mais de 150%—para 8,8 milhões.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) projeta que, em 2030, as principais causas de mortalidade no mundo não serão mais as doenças cardiovasculares ou cardiovasculares, e sim o câncer, que tem um custo de tratamento altíssimo.
Além das doenças crônicas, o país vê aumentar sua carga de doenças infecciosas. Está em curso uma nova epidemia de sífilis, que parecia coisa do passado.
O Brasil também deve entrar em 2017 com um novo recorde de arboviroses. Até setembro, casos de dengue, zika e chikungunya somavam 1,86 milhão. Pelas projeções mais conservadoras, o ano será encerrado com mais de 2 milhões de casos.
Muita gente torce para que 2016 acabe logo. Mas, na saúde pública, não há sinal algum de que dias melhores virão em 2017.
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