
Inofensivos, só que não
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Eles estão no balcão da farmácia e na caixa de remédios que todo mundo tem em casa. São baratos e parecem inofensivos. Neosoro, Dorflex, Paracetamol: remédios famosos por proporcionar alívio quase imediato a sintomas comuns, do nariz entupido à dor de cabeça. Quando consumidos em excesso, porém, podem ter o efeito inverso e causar doenças difíceis de resolver.
Uma rinite que piora após sete dias de uso do descongestionante, uma dor de cabeça que se torna crônica com o consumo de dez comprimidos mensais e um tratamento para gripe que pode causar hepatite e, em alguns casos, até levar à morte.
Medicamento mais vendido no Brasil há cinco anos consecutivos, segundo a consultoria QuintilesIMS, o Neosoro Ad oferece uma sensação de bem estar instantâneo, sem parecer perigoso. Embora seja um tarja vermelha, que necessita de receita médica, este e outros descongestionantes podem ser comprados sem prescrição facilmente.
Além de causar rinite medicamentosa, eles estão frequentemente associados às intoxicações – ocupam o terceiro lugar na lista, de acordo com o Centro de Assistências Toxicológicas do Brasil (Ceatox).
Em sete dias de uso consecutivo, com três aplicações diárias, o remédio já pode oferecer riscos, diz o professor João Mello Júnior, chefe do grupo de Alergia em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da USP.
“O alívio é imediato porque o medicamento contém substâncias vasoconstritoras que reduzem o fluxo sanguíneo. Porém, o uso contínuo faz com que o resultado seja cada vez menor, o que causa o efeito rebote.” Além de machucar a mucosa, o especialista diz que o uso frequente pode causar perfuração de septo e perda do olfato. Arritmia, aumento da pressão arterial e retenção urinária também são reações adversas relatadas.
Em crianças, pode provocar convulsões e levar à morte.
O produtor gráfico Vitor Alcalde, de 27 anos, sofreu com as consequências mais graves do remédio: ficou três dias na UTI com pressão alta e mais duas semanas internado após usar descongestionante quase todos os dias por oito anos. “Nunca imaginei que estava passando mal por causa do Naridrin. Mas, enquanto não acontece uma coisa dessa, ninguém acredita que pode fazer tanto mal”, conta ele, há quatro meses sem o medicamento. Desde então, Vitor toma comprimidos diários para problemas de coração, pressão, ansiedade e estômago.
As empresas EMS, fabricante do Naridrin, e Neo Química, do Neosoro, informam que seus produtos devem ser usados sob prescrição médica e que os riscos e reações adversas constam nas bulas. Além disso, a Neo Química afirma que o Neosoro não cria dependência.
Para evitar complicações, Mello Júnior recomenda a higienização diária do nariz com soro fisiológico morno pela manhã e à noite. Outra opção é utilizar o lota, utensílio de origem indiana para a limpeza nasal.
Ele explica que, em situações pontuais, como uma gripe forte, o descongestionante é permitido, desde que não ultrapasse três dias.
CEFALEIA
Não tão rápido quanto o descongestionante, o efeito rebote dos analgésicos costuma aparecer após três meses de uso contínuo, com o consumo de 10 a 15 comprimidos por mês, segundo a Sociedade Internacional de Cefaleia. “Eles geram um fenômeno no cérebro chamado de hiperexcitabilidade, que deixa os neurônios mais sensíveis à dor e causa os mesmos sintomas de uma enxaqueca forte”, explica o neurologista Mario Peres, do Hospital Albert Einstein. A longo prazo, gastrite, úlcera e insuficiência renal também podem aparecer.
O gerente comercial Jorge Remaeh, de 30, fazia parte desse grupo e chegou a tomar mais de 15 comprimidos de analgésico por mês. Quando o remédio não surtia mais efeito, investiu em 60 gotas diárias de dipirona.
Após três anos de automedicação, procurou um neurologista.
“Não me preocupava com os problemas que poderia ter, mas o médico disse que o hábito tinha virado vício.” Com quatro sessões de massagem miofascial – técnica de relaxamento muscular feita por um fisioterapeuta –, as crises diminuíram.
HEPATITE
Analgésicos compostos por paracetamol também são os principais causadores de uma doença chamada hepatite medicamentosa, que não é contagiosa.
Usados para gripe e dor de cabeça, seu consumo excessivo pode levar a sérios problemas hepáticos, incluindo transplante e morte. Segundo o hepatologista Eduardo Cançado, do Hospital das Clínicas, o paracetamol é um dos remédios mais perigosos para o fígado. “A ingestão de três gramas em um dia pode desencadear hepatite.” Ervas da medicina alternativa também podem causar hepatite, alerta o hepatologista Aécio Flávio Meirelles. Ele cita as ervas de São Cristóvão, São João e cidreira, além dos chás de cavacava e cavalinha e algumas plantas asiáticas, como a consumida pela professora universitária Cássia Vanícola, de 51.
Ela contraiu a doença no fim de 2014, após consumir por dois meses cápsulas à base de ashtanga, receitadas por um homeopata.
Acabou internada por duas semanas. “Sempre gostei de tratamentos alternativos, mas agora pesquiso antes.”
Idosos sofrem com excesso de medicamentos
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Seis em cada dez idosos consomem mais de cinco remédios por dia, o que aumenta os riscos de interação entre as substâncias e leva a uma taxa maior de internação e morte. A prescrição de medicamentos inadequados para essa faixa etária e a dificuldade em seguir o tratamento só fazem a situação piorar. “É uma questão de saúde pública”, afirma José Elias Soares Pinheiro, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
O uso de nove remédios por dia levou o aposentado Fabio Valentini, de 89 anos, a uma tosse seca, queimação no peito e azia, provocados por refluxo. A médica da família reduziu a lista de medicamentos e, hoje, ele toma só dois diariamente.
“Com o uso de três substâncias, já fica difícil prever as reações”, diz a geriatra Silvia Pereira, do Fórum Internacional da Longevidade. “A partir de cinco, consideramos que o idoso está tomando remédio em excesso.” A mistura de medicamentos pode duplicar a chance de infarto, como é o caso do omeprazol, usado para o estômago, com o clopidogrel, indicado para quem sofreu ataque cardíaco. O problema seria resolvido com a troca do primeiro pelo pantoprazol, segundo o farmacêutico André Baldoni, da Universidade Federal de São João del-Rei. É dele a pesquisa que mostra que 60% dos idosos consomem mais do que cinco remédios.
Mas há reações que não dependem de mistura. Estudo da UFMG revela que 44% dos idosos usam remédios inadequados para a idade. É o caso do anticonvulsivante Rivotril e do antialérgico Polaramine, que causam sonolência, aumentando o risco de quedas. Esquecimento e trocas de remédios são outros fatores de risco. A aposentada Maria Antonia Teixeira, de 77, por exemplo, teve crise de hipoglicemia, após repetir a dose do remédio para diabetes.
Médicos 'ressuscitam' antibióticos obsoletos
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
A falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento de antibióticos está levando médicos a recorrerem a drogas antigas e tóxicas para tratar infecções.
Medicamentos como a Polimixina B, da década de 1960, estão sendo combinados com substâncias recentes para burlar os mecanismos de defesa das “superbactérias”, resistentes aos remédios disponíveis no mercado. “Somos obrigados a recuperar essas drogas esquecidas por não haver remédios novos no mercado”, afirma Gabriel Cuba, infectologista do Hospital 9 de Julho. O risco é essas drogas já em desuso, sem terem sido testadas com rigor no passado, causarem complicações renais e danos ao sistema nervoso.
Uma das combinações mais comuns entre antibióticos envolve justamente a Polimixina B e o Imipeném, desenvolvido na década de 1980, época em que foram apresentadas as últimas inovações para o tratamento de infecções por bactéria.
Desde 1987, nenhuma classe nova de antibiótico foi descoberta ou patenteada.
Ao mesmo tempo, as bactérias evoluíram e os remédios existentes perderam a eficácia.
Alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que doenças como gonorreia, pneumonia e alguns tipos de tuberculose já não têm antibióticos capazes de curá-las isoladamente.
Outro fator agravou esse quadro: o consumo indiscriminado desses remédios. “Paro de tomar assim que me sinto bem, e guardo os comprimidos que sobram para a próxima vez”, afirma o publicitário Daniel Bovolento, de 24 anos, que tem de quatro a cinco amigdalites por ano. Como resultado, a amoxicilina – uma das drogas mais modernas para combater bactérias – parou de fazer efeito nele.
É o que pode acontecer quando um antibiótico é administrado de forma errada ou se o tratamento não for completo. Bovolento precisou tomar Clavulin, antibiótico que age combinado ao clavunato de potássio, para vencer as defesas da bactéria.
Mas quanto maior é a associação de drogas, maior o risco, alerta o infectologista Ralcyon Teixeira, do Hospital Emílio Ribas.
“Você aumenta ainda mais a toxicidade do remédio, mas em alguns casos é a única saída.” As perspectivas não são animadoras: nenhum antibiótico completamente novo deverá passar por testes nos próximos cinco a dez anos, alerta a pesquisadora Cristina D’Urso, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Tivemos muito pouco investimento. Então, teremos um futuro negro na próxima década”, afirma. Segundo ela, as patentes de novos antibióticos em desenvolvimento mostram um desinteresse da indústria por essas drogas. São as drogas mais caras, para doenças como câncer e aids, que concentram os esforços de laboratórios e pesquisadores.
Atualmente, apenas um em cada cinco antibióticos em fase de testes chega ao mercado.
“Temos percebido muitas ações para financiar o desenvolvimento de novas drogas, mas o funil ainda é muito estreito”, explica Manica Balasegaram, diretor do Programa de Pesquisa Global de Antibióticos da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês).
'Anvisa é uma das melhores agencias do mundo', afirma presidente
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Criticada pela área médica e pelo próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, que disse ao Estado que “a Anvisa precisa diminuir a burocracia para tudo”, o presidente da instituição, Jarbas Barbosa, garante que a agência está alinhada com o que há de mais avançado no mundo. À frente da Anvisa desde 2015, ele reconhece que a instituição precisa ser mais eficiente e teme um estrangulamento por falta de profissionais nos próximos anos.
Nesta entrevista, Barbosa fala sobre o consumo excessivo de remédios, a divisão nebulosa da fiscalização e os desafios da agência.
l A área médica reclama que a Anvisa é muito burocrática para validar remédios importantes.
Por que tanta demora? As pessoas confundem o papel da Anvisa com o do Ministério da Saúde. O que fazemos é analisar a qualidade da fabricação, verificar se os testes exigidos para comprovar segurança e eficácia foram realizados. Isso não é um procedimento burocrático, não é carimbar papel.
A Anvisa decide se um medicamento pode ser utilizado e o ministério, se vai incorporar ao SUS. A Anvisa também não escolhe o que será licenciado, é o produtor quem pede o registro.
Quando sai uma inovação radical, a maioria registra primeiro nos Estados Unidos.
l Qual sua avaliação da legislação do setor farmacêutico? O ambiente legal do Brasil hoje é alinhado com o que temos de mais avançado no mundo.
Isso propiciou um desenvolvimento importante da própria Anvisa, que é considerada pelos seus pares uma das grandes agências do mundo, com padrão de qualidade semelhante ao das demais.
l Como ficou a situação financeira da Anvisa com a crise? Temos um orçamento enxuto de R$ 800 milhões, mas não tivemos restrição orçamentária.
A Anvisa é praticamente autossuficiente.
Nossa maior necessidade é continuar o processo de recomposição da força de trabalho. É uma instituição nova, de 17 anos, e uma parcela do nosso quadro foi herdada do Ministério da Saúde. Grande parte dessas pessoas – 450 servidores de um total de 2.800 – pode se aposentar nos próximos dois anos. Chega um determinado ponto em que esbarramos na nossa capacidade física. Podemos ter problemas de um certo estrangulamento e aumento de tempo em filas pela insuficiência de recursos humanos.
l O que falta para avançar? Para começar, a busca de maior eficiência, que tem de ser um mantra permanente. A constante revisão dos processos, no sentido de ter mais agilidade, sem perder a garantia de qualidade e segurança. Outra questão importante é definir melhor os papéis dentro do sistema nacional de vigilância sanitária, estabelecendo o que o município, o Estado e a Anvisa fazem. Em alguns setores, essas responsabilidades estão em uma área cinzenta que pode não nos colocar em uma situação melhor em relação ao cenário internacional.
l Cada brasileiro toma, em média, duas doses de remédio por dia. Estamos consumindo muito? Isso acontece no mundo todo.
Temos o fenômeno da transição demográfica. Anualmente, 1 milhão de pessoas ultrapassa a barreira dos 60 anos, aumentando a ocorrência de doenças crônicas e o uso de remédios.
Por outro lado, há uma oferta muito maior, não só de medicamentos, mas de vitaminas e suplementos.
Deve ter pessoas consumindo acima disso e outras com muita dificuldade de obter os remédios. Dados mostram que no Brasil e na América Latina os medicamentos que mitigam a dor severa têm consumo per capita muito menor que o padrão mundial. E há remédios importantes para controle de diabetes, hipertensão e algumas infecções em que há dificuldade de acesso, em especial para a população mais pobre.
O tarja preta que você usa pode não curar a depressão
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Dado inédito de uma pesquisa sobre o uso de psicotrópicos na Região Metropolitana de São Paulo revelou que médicos estão receitando remédios como o Rivotril como único medicamento para pacientes com depressão. O problema é que o sedativo é apenas auxiliar no tratamento da doença e deve ser usado em poucos casos.
Segundo o levantamento, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as drogas da classe dos hipnóticos e sedativos são consumidas como se fossem antidepressivos por 4% dos entrevistados com transtorno de humor. O resultado é reforçado por um estudo inédito do Ministério da Saúde, que aponta o princípio ativo do Rivotril como o segundo mais usado por pessoas com depressão no Brasil.
“De repente, virou uma moda receitar Rivotril, mas ele não trata.
É o antidepressivo que trata”, diz Laura Helena Andrade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que coletou dados para a pesquisa, chamada São Paulo Megacity.
Realizado com 5.037 pessoas, o levantamento é parte da iniciativa internacional World Mental Health Survey, feita em 28 centros de pesquisa no mundo para mapear os transtornos psiquiátricos e seus tratamentos.
O clonazepam, princípio ativo do Rivotril, é um anticonvulsivante que deve ser usado principalmente para tratar epilepsia, ressalta a pesquisadora. No entanto, essa substância é consumida por 18,2% dos diagnosticados com depressão no País, segundo pesquisa do Ministério da Saúde. Só perde para o antidepressivo fluoxetina (19,2%). As vendas deram um salto de 11% nos últimos cinco anos. O Rivotril é, hoje, o tarja preta mais vendido no Brasil.
Com a receita de um clínico geral, Luiza F., de 23 anos, começou a tomar apenas o Rivotril para tratar depressão e insônia.
Só passou a usar antidepressivo dois anos depois, quando o quadro se agravou e o tratamento para a doença começou a ser feito com um psiquiatra. “Demorou até minha família perceber a gravidade da coisa”, diz ela, que prefere não se identificar por medo de sofrer preconceito por usar o medicamento. Hoje, ela toma dois antidepressivos e conta que a combinação funcionou.
“Eu acho que minha depressão melhorou 90%. Às vezes, ainda tenho recaídas, mas nada muito grave”, afirma.
REAÇÕES
A bula do remédio informa que a associação com antidepressivos é indicada apenas em casos de ansiedade e no início do tratamento. Entre as possíveis reações ao uso do Rivotril, aponta sonolência, cansaço, vertigem, coordenação anormal, irritabilidade, perda de equilíbrio e concentração prejudicada.
A Roche, fabricante do remédio, diz que somente o médico pode prescrevê-lo, seguindo as necessidades do paciente e por meio de receita controlada pela Anvisa. O laboratório afirma que segue a legislação e regulamenta a promoção e a venda da droga.
Para o psiquiatra Thiago Marques Fidalgo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os maiores problemas do uso desse remédio são a dependência e o risco de abuso. “O organismo precisa de doses cada vez maiores para ter o mesmo efeito”, alerta. O relações públicas Lucas El’Osta, de 25 anos, consome Rivotril há um ano e meio, associado com antidepressivos para combater a doença. Perto do fim do tratamento, é o único medicamento do qual não quer abrir mão. “Se viajo em um fim de semana e esqueço, preciso voltar em casa ou dar um jeito de comprar, senão tenho dificuldade para dormir.” El’Osta sabe que a substância causa dependência e admite os efeitos colaterais indesejados.
“No começo, foi ótimo. Era colocar o comprimido sublingual e em dez minutos sentia o corpo relaxado. Quase não lembrava dos problemas”, conta. Com o tempo, começou a identificar outras reações, como problemas de memória e nas funções cognitivas. “É como estar anestesiado.
Você acha que no começo é bom, mas depois não é bem assim”, diz.
RECEITA MÉDICA
Psiquiatras acreditam que a tendência de receitar apenas o Rivotril é reforçada por médicos de outras especialidades clínicas. “Talvez isso se deva ao treinamento do psiquiatra, ou pelas outras técnicas que usamos, como psicoterapias”, diz o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva.
Quem receitou a droga à pensionista Zulmira Fernandes Cotulio, de 70 anos, foi seu cardiologista.
Diagnosticada com depressão, ela toma Rivotril há 15 anos e já ouviu de outros médicos que deveria interromper o uso. “Nunca vou parar de tomar, sem ele eu não durmo”, diz Zulmira, que consome a droga associada a antidepressivos.
A aposentada está no grupo dos maiores consumidores de clonazepam, que são as mulheres idosas, diz a pesquisadora Angela Campanha, do Departamento de Farmácia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). “Como o remédio tira um pouco da coordenação motora, pode ser mais perigoso para os idosos, que já têm naturalmente risco de sofrer quedas”, explica a especialista, uma das autoras da pesquisa São Paulo Megacity.
Concurseiros usam Ritalina para estudar
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
O consumo de psicoestimulantes por concurseiros e universitários vem crescendo no País.
Sem diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), jovens têm recorrido a remédios como Ritalina e Venvanse para aumentar o foco e a resistência durante os períodos de estudo e provas.
Um levantamento feito pelo Estado com 12 neurologistas e psiquiatras aponta uma alta estimada entre 70% e 100% nos últimos dois anos, com base nos pedidos de receitas. Um dos médicos, inclusive, tem como prática indicar essas drogas – vendidas apenas com prescrição – para quem deseja passar no vestibular, em concursos ou finalizar trabalhos acadêmicos.
As ‘smart drugs’ vêm sendo procuradas por elevarem a sensação de concentração e reduzirem o sono, além da ideia de que podem melhorar o rendimento nas provas. Derivada de anfetaminas, a Ritalina age no sistema nervoso aumentando a concentração de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer.
O efeito é semelhante, em menor nível, ao de substâncias como a cocaína.
“Quando você usa Ritalina, o aumento de dopamina é brutal.
Assim que o nível da substância cai, o que você mais quer é outra dose”, diz a professora Maria Aparecida Moysés, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Isso faz com que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) desaconselhe o uso recreativo do medicamento.
Na busca por efeitos mais fortes, o advogado Fernando Martins, de 25 anos, migrou para o Venvanse. As reações adversas, no entanto, o fizeram voltar à Ritalina. “Não tive o diagnóstico (de TDAH). Eu só pedia para o médico, ele me passava a receita e eu comprava.” Martins começou a usar psicoestimulantes há quatro anos, esporadicamente.
Mas o consumo passou a ser diário com a proximidade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Ficava agitado com o estimulante, então tomava o ansiolítico para relaxar”, diz. Além da excitação, a Ritalina pode provocar taquicardia, insônia e aumento da pressão arterial.
Apesar dos riscos, a estudante de Medicina Marina, 22, que não quis revelar o sobrenome, começou a consumir a substância para ficar mais tempo acordada.
Foi um amigo do curso pré-vestibular que repassou pela primeira vez. “É muito comum em pessoas da minha idade e é até mais aceito, por ser uma droga usada para estudar.” A sensação de concentração, no entanto, se dá pela redução da capacidade de focar em diferentes atividades. Com a atenção direcionada para uma única tarefa, há uma chance maior de executá-la de modo contínuo.
“Mas não significa que ficará mais inteligente”, diz a professora Maria Aparecida.
O neurologista Marcello Prates acompanha 50 pessoas que usam Venvanse na preparação para o vestibular. “Nunca tive paciente com dependência química.
O que pode acontecer é dependência psicológica, quando a pessoa passa a acreditar que só consegue estudar caso tome o remédio.” A prática, entretanto, é condenada pela ABP, que considera infração ética grave a prescrição para pessoas sem diagnóstico psiquiátrico. “Isso deve ser denunciado aos conselhos Regional e Federal de Medicina”, informou a ABP, em nota.
Dorflex: o analgésico mais pop do Brasil
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Ele é o melhor amigo, o companheiro nas horas difíceis e está sempre por perto. Os mais de 1,3 milhão de fãs no Facebook confirmam que ele é o remédio mais popular do Brasil. No começo dos anos 2000, já figurava no noticiário como um dos medicamentos mais vendidos no País. Com a popularidade em ascensão, deixou para trás remédios centenários, como a Aspirina, ganhou força entre os brasileiros e criou uma nova onda de consumo: a “febre” Dorflex.
Nos últimos cinco anos, ele esteve entre os dez medicamentos mais vendidos e, entre 2013 e 2016, pulou da nona para a quinta posição no ranking da QuintilesIMS. O sucesso do Dorflex está nos princípios ativos de ação rápida e, em parte, na publicidade bem direcionada.
Como todo remédio, porém, o uso abusivo é perigoso.
Quando utilizado para um problema que não é indicado, ele anula os efeitos e cria um ciclo vicioso de dor intensa e consumo excessivo. Na mesma página virtual em que muitos confessam um relacionamento fiel e duradouro com o remédio, outros alertam para o “perigo escondido em um comprimido inocente”.
A neurologista Thais Villa, chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias da Unifesp, diz que o tipo de analgésico consumido varia conforme a classe social, mas confirma: a “febre” Dorflex existe.
“Remédios combinados tendem a ser os preferidos porque são mais eficazes do que a dipirona pura”, diz. Além da dipirona, cada comprimido contém relaxante, que reduz a tensão muscular, e cafeína, que diminui a pulsação da artéria e da dor latejante.
A combinação produz um efeito rápido e alivia a dor. “Um analgésico simples faz menos mal para o organismo do que um analgésico combinado, como o Dorflex”, alerta a neurologista Carla Jevoux, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia.
ABUSO
O remédio faz parte da rotina diária da arquiteta Rosalia Alessi há 15 anos. Ela toma pelo menos um comprimido para dor de cabeça todo dia. Em março, levou um estoque suficiente para quatro meses na bagagem da mudança para o Canadá.
O plano era que a mãe enviasse mais quando terminasse, mas o país proíbe a importação de dipirona. Quando as dores voltaram com mais intensidade, outros analgésicos não tinham o mesmo efeito e as idas ao hospital se tornaram frequentes.
“Não dava para viver no hospital”, conta a arquiteta de 35 anos, que voltou ao Brasil para continuar tomando Dorflex.
Rosalia sofre de enxaqueca, quadro mais complicado do que uma cefaleia tensional, a típica dor de cabeça. Nesses casos, Carla explica que analgésico não é o tratamento correto.
“Ele melhora, mas não acaba com a dor, e seu uso contínuo é o principal motivo para a transformação da enxaqueca em dor crônica”, diz. Para a dor tensional, qualquer analgésico resolve, diz a médica, desde que seja respeitada a recomendação de não tomar mais de dois comprimidos por semana.
Como esses analgésicos são liberados pela Anvisa para venda sem prescrição médica, o risco de abuso sempre existe. Arnaldo Lichtenstein, clínico geral do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que é o uso constante que faz com que o organismo se adapte ao remédio e exija doses maiores para obter o efeito desejado.
“É uma situação que se inverte, e o remédio acaba por perpetuar a dor de cabeça.” Com o tempo, o chamado efeito rebote faz com que o comprimido perca a eficácia e provoque a dor. O médico diz que é preciso passar por um processo de desintoxicação, que deve ser acompanhado por um profissional.
A mistura de analgésicos com outros medicamentos pode anular os efeitos ou provocar reações contrárias, e até afetar outras partes do organismo, alerta Pedro Eduardo Menegasso, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP). Quem é hipertenso, por exemplo, deve evitá-lo porque a dipirona altera a pressão sanguínea, diz o farmacêutico.
Os analgésicos também desprotegem o estômago e o uso excessivo pode causar ou agravar quadros de gastrite e úlcera, alerta.
SUCESSO
Além da fórmula de ação rápida, outro ponto que fortalece a popularidade do remédio é o direcionamento comercial da marca, afirma Menegasso.
“Você tem muito mais casos de cefaleia do que de dor nas costas, então o Dorflex explode como um produto de consumo quando começa a ser indicado para dor de cabeça”, diz. A Sanofi, laboratório responsável pela marca, informa que a indicação para dor de cabeça tensional sempre esteve nas campanhas publicitárias do remédio e não divulga os valores de investimento.
Entre especialistas, o sucesso do medicamento passa pela relação custo-benefício e pela tradição de longa data. “Dorflex vende mais porque uma cartela vem com dez comprimidos e é mais barata do que outros analgésicos”, diz a neurologista Carla.
Para consumidores como Rosalia, essa relação ficou mais atrativa neste ano, quando a Sanofi aumentou de 30 para 36 a quantidade de comprimidos em uma caixa. “Fiz um tratamento por três anos, mas não pude continuar por questões financeiras.
É muito mais barato comprar uma cartela de Dorflex do que pagar R$ 200 no remédio indicado pelo médico”, conta Rosalia. A neurologista Thais atribui o sucesso da droga à própria história do medicamento, que está há 45 anos no mercado. “As pessoas só conhecem analgésico para tratar a dor de cabeça e acabam aderindo pela propaganda boca a boca mesmo”, diz ela.
Foi assim que a estudante Angélica Silva, de 27 anos, começou a tomar Dorflex. A indicação veio da irmã, que usava quando tinha ressaca. Com o tempo, Angélica percebeu que o remédio a deixava mais disposta.
“Passei a tomar um por dia, mas depois um só não fazia mais efeito. Aumentei a dosagem para dois, depois três, depois quatro. Quando abri o quinto comprimido, me dei conta do que estava fazendo e decidi não tomar”, conta ela. Atualmente, Angélica evita qualquer tipo de medicamento e prefere esperar a dor passar, mesmo que persista por dias seguidos.
A neurologista Thais ressalta que a dor de cabeça é um sintoma e não a doença em si. Quando ocorre toda semana, a médica recomenda suspender os medicamentos e consultar um especialista.
O clínico geral Lichtenstein diz que o histórico de cada paciente é importante.
“São medicamentos que precisam ser individualizados, considerando os remédios de uso contínuo que a pessoa já toma”, orienta.
'Às vezes, desprescrever é a melhor alternativa'
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Um dos criadores do termo slow medicine, o cardiologista italiano Marco Bobbio questiona no livro O Doente Imaginado (Bamboo Editorial) algumas das práticas médicas atuais, como a prescrição exagerada e, por vezes, desnecessária de remédios. Para ele, o movimento que defende só retoma um atendimento mais individualizado e humano. Leia, a seguir, quatro perguntas para o secretário da Associação Italiana de Slow Medicine.
1.Quais são os princípios do slow medicine? Para mim, o movimento é basicamente fazer uma boa consulta. O slow medicine tem como base uma medicina sóbria, justa e respeitosa, que utiliza a tecnologia com cautela e prioriza a boa relação entre o médico e o paciente.
Assim, os dois têm como decidir juntos qual o melhor tratamento a seguir. Isso evita a prescrição exagerada de medicamentos e respeita os interesses e a disposição dos pacientes.
2.O senhor defende a “desprescrição” de remédios.
Por quê? Muitas vezes, quem está com um problema de saúde consulta diferentes especialistas. Cada médico receita um remédio, sem pensar no histórico do paciente e na interação que pode haver entre as drogas que ele está tomando. Há casos em que o medicamento é indispensável – e deve ser prescrito. Só não se pode receitar para tudo. O excesso de remédios provoca mais malefícios do que a doença em si.
3.A que se deve a prescrição exagerada de medicamentos? Muitos médicos são induzidos pela indústria farmacêutica, que oferece regalias em troca da prescrição. Isso provoca conflito de interesses. Existe também o medo do que pode acontecer ao paciente se ele não receber nenhuma medicação.
Isso leva os profissionais a receitarem de imediato para se isentar dessa responsabilidade.
É mais fácil adicionar um comprimido à rotina de um paciente do que retirar um.
4.Quais são as alternativas à prescrição de medicamento? Uma delas se chama watchful waiting (espera atenta), abordagem médica que aguarda para ver como o corpo reage aos sintomas em vez de prescrever remédios de imediato.
Mudanças no estilo de vida também são uma alternativa, como redução do consumo de sal e prática de exercícios.
Mas é preciso ter uma boa relação com o paciente. Caso contrário, ele pode se frustrar ao não conseguir uma receita.
'Remédios são como muletas químicas'
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Professor de história cultural e colunista do Estado, Leandro Karnal afirma que o excesso de remédios é resultado de uma sociedade que não tolera a dor e deseja estar sempre no controle do que está à sua volta.
l Por que o brasileiro está tomando tanto remédio? É uma consequência da medicalização do sentimento, uma característica nossa. Infelizes devem tomar Prozac. Desatentos devem tomar Ritalina. Há uma tentativa de traduzir o ser humano em uma felicidade constante e permanente. Quando essa felicidade não ocorre, a dimensão trágica da existência aparece e recorremos a uma muleta química, o remédio.
l Qual o comportamento médico em relação a isso? Nos Estados Unidos, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um problema grave. Os médicos receitam Ritalina em uma quantidade similar à nossa. Na França, onde os médicos e pediatras não acreditam nessa doença, não há prescrição.
l A medicina, então, depende do momento? Assim como qualquer pensamento.
Na infância, fiz tratamento para pé chato, que hoje não se trata mais. A medicina descobre novidades, traz à luz doenças novas e tira dessa categoria alguns comportamentos.
A homossexualidade foi considerada enfermidade por anos.
Uma pessoa melancólica no século 15 hoje tem depressão.
l Há excesso de diagnósticos de depressão? Sem dúvida. A depressão é uma doença gravíssima e tem várias origens. Porém, imaginar que tristeza seja depressão é um erro de diagnóstico. Não há nada errado se você ficar triste porque perdeu alguém querido. O médico acredita nesse diagnóstico. A sociedade e a indústria, também.
l Acaba-se criando uma inércia? Sim. O conhecimento médico é fruto de uma concepção objetiva e técnica somada à cultural.
O fato de termos hoje uma grande quantidade de cesarianas não é fruto de uma questão técnica, mas de uma cultura.
l Nossa cultura não tolera dor? Não gosta da dor, não tolera o parto e teme que deixe sequelas.
A sociedade já não vê no parto natural o valor que antigamente se concebia. A preferência por cesáreas pode ser pela crença no indivíduo pleno, que não deve ter dor. Consideramos que o estado de dor e tristeza deva ser evitado. Nem sequer suportamos que ele exista, ainda que passageiro. Acreditamos que o ser humano deva ser plenamente feliz.
l E nesse processo nos automedicamos porque “encontramos” o nosso diagnóstico? Vivemos com a crença de que a vida tem de estar sempre sob controle e devemos estar o tempo todo disponíveis.
l Quais seriam os exemplos dessa crença ‘exagerada’? As pessoas ficam perdidas ao se depararem com o caráter aleatório da tragédia, como a queda do avião da Chapecoense.
Nas farmácias, venda de remédio subiu 42% em cinco anos
11/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Em um ano, o brasileiro consumiu, em média, 700 doses de remédios comprados em farmácias.
É como se cada habitante tomasse diariamente duas unidades de medicamentos. Isso coloca o Brasil entre os dez maiores mercados farmacêuticos do mundo, com um consumo de 144 bilhões de doses entre outubro de 2015 e setembro de 2016. E a tendência é que esse número continue crescendo: em três anos, o País deverá chegar à quinta posição do ranking global de mercados farmacêuticos, segundo a Interfarma, com base em dados da consultoria QuintilesIMS.
Os números traduzem uma realidade que combina automedicação, consumo excessivo, acesso facilitado, investimento pesado em publicidade, lobby setorial e regulação falha. O resultado é uma alta de 42% nas vendas de medicamentos em farmácias nos últimos cinco anos. “O brasileiro gosta de tomar remédio. Muitas pessoas vão ao médico e não podem sair de mão vazia”, resume o médico Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Hospital das Clínicas da USP.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, admite que o consumo de medicamentos no Brasil é maior do que a média de outros países. “É cultural. Todo mundo tem um armarinho cheio de medicamento que comprou, não usa, está vencido e continua lá.” O professor de história cultural Leandro Karnal diz que esse consumo está ligado à busca pela felicidade plena. A sociedade brasileira contemporânea, diz ele, não tolera a dor e acha que a tristeza deve ser evitada.
“Quando essa felicidade não ocorre, recorremos a uma muleta química, o remédio.” Para a indústria, vários fatores explicam o salto nas vendas.
O presidente do Sindicato da Indústria Farmacêutica (Sindusfarma), Nelson Mussolini, diz que a principal razão é que a população está crescendo e envelhecendo.
“Idosos tomam mais medicamentos”, justifica o representante dos laboratórios.
Além disso, ele argumenta que agora há mais pessoas preocupadas com a saúde e que o acesso aos remédios aumentou nos últimos anos, particularmente devido à entrada dos genéricos.
“Excluindo os hipocondríacos, ninguém toma medicamento sem precisar”, garante Mussolini. O Sindusfarma reúne 271 empresas nacionais e estrangeiras que detêm mais de 95% do mercado no Brasil.
EXCESSO
Um levantamento ainda inédito do Ministério da Saúde, obtido pelo Estado, revelou que metade dos entrevistados tomou ao menos um remédio nas duas semanas anteriores à pesquisa. Foram ouvidos 41 mil brasileiros, entre 2013 e 2014, e os dados ainda estão sendo analisados. “Uma prevalência de 50% de medicação em uma população que víamos que não está doente é elevada”, diz a pesquisadora Andréa Dâmaso, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que participa do estudo.
O presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, afirma que o consumo de medicamentos no Brasil tem dois extremos. “Há pessoas consumindo acima da média e outras que têm muita dificuldade de acesso.” Segundo levantamento feito em 2014 pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e Datafolha, metade dos brasileiros não consegue comprar todos os remédios de que precisa para o tratamento total.
O presidente da Interfarma, Antonio Britto, que representa 56 laboratórios de grande porte, diz que iniciativas como o programa Farmácia Popular não são suficientes. “Isso tende a piorar com o avanço do porcentual de idosos.” O ministro Barros garante que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem garantido medicação para todos que precisam. “O abastecimento está em ordem. Quem precisa está sendo atendido.” Caminhos. As propostas para enfrentar o aumento no consumo variam de um acompanhamento mais minucioso até venda fracionada. Para o ministro, a solução é informatizar o controle em um prontuário eletrônico dos pacientes e desmembrar a venda de medicamentos nas farmácias. Em 2006, a Anvisa regulamentou o fracionamento, mas, passados dez anos, a venda por unidades ainda é restrita. Mussolini, do Sindusfarma, nega oposição dos laboratórios. “O que a indústria sempre considerou absurda era a venda fracionada que foi adotada no governo passado.” Segundo ele, o farmacêutico picotava, com tesoura, a embalagem, podendo comprometer a estabilidade da droga.
O excesso de medicamentos aumenta os riscos de interações negativas entre as substâncias, efeitos colaterais, intoxicações e internações. Apesar de o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS registrar uma queda de 14,5% nos últimos cinco anos, a realidade parece ser outra. O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz, contabilizou 12 mil casos de intoxicação em 2013, sem incluir a Região Sul. Só no Hospital das Clínicas da USP, surgem pelo menos 7 mil casos por ano.
Wong, diretor do Ceatox do hospital, estima uma média de 2 milhões de intoxicações causadas por remédios a cada ano. “Não posso avaliar se há falha nas notificações, mas a questão da intoxicação por excesso de medicamentos, de fato, é um problema”, afirma o ministro.
Segundo a coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner, a pressão vem da indústria. “Há uma pressão externa muito grande de fabricantes de medicamentos que não querem que esses dados apareçam.” De acordo com ela, os laboratórios contratam firmas especializadas para atender casos de intoxicação e, assim, as ocorrências não constarem no sistema público.
Com os dados oficiais subnotificados, não é possível calcular o alcance dos problemas causados à saúde pela automedicação e pelo consumo excessivo.
Segundo a pesquisa do ministério, mais da metade da população se automedicou para febre com base apenas em sugestão de conhecidos. Para a dor, 52% tomaram remédios indicados por familiares ou amigos. Outros ainda recorrem ao “Dr.
Google”: a plataforma se torna um estímulo para internautas encontrarem diagnósticos e escolherem seus tratamentos.
Especialistas ressaltam que as drogas representam um avanço importante, principalmente para doenças graves ou crônicas, como problemas cardiovasculares, hepatite, diabetes, hipertensão e câncer. Autor do livro Farmacologia Clínica – Fundamentos da Terapêutica Racional, o pesquisador e cardiologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Flávio Fuchs defende que é preciso saber consumi-los e prescrevê-los na quantidade correta. “O uso racional evita a exposição desnecessária.”
Farmacêuticas lideram gastos em publicidade
10/12/2016 - O Estado de S.Paulo
Juntas, as marcas de remédios gastam mais em anúncios do que montadoras de carros ou operadoras de telefonia no Brasil.
Em 2015, início da crise econômica, o setor farmacêutico subiu quatro posições e chegou ao sexto lugar no ranking de maiores investidores em propaganda.
Foram R$ 8,1 bilhões aplicados pelos laboratórios, segundo a Kantar Ibope Media. Responsável por quase metade desse valor, a mexicana Genomma Lab se tornou a maior anunciante do País.
O carro-chefe são os anúncios de medicamentos vendidos sem receita, os únicos liberados pela Anvisa para divulgação.
A principal regra é incluir advertências como “Procure o médico” e “Leia a bula”. As frases, porém, estimulam ainda mais a compra, acredita o médico sanitarista José Ruben Bonfim, que coordena a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime). “A pior consequência da publicidade é incentivar a automedicação.” A regulamentação, atualizada em 2008, também determina que o protagonista do anúncio fale sobre riscos do remédio, embora isso raramente aconteça. A norma ainda é contraditória sobre a participação de celebridades. Um artista pode falar sobre o produto, mas não recomendar explicitamente o uso. “As empresas muitas vezes aparentam cumprir a legislação, mas, quando você observa com olhar crítico, percebe que estão burlando”, aponta a psicóloga Mariana Carminati, pesquisadora da área de Políticas Públicas.
A diretora de Inovação e Responsabilidade Social da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Maria José Delgado Fagundes, nega o excesso de irregularidades.
Para ela, o setor produz cada vez menos peças publicitárias problemáticas. “É um processo de amadurecimento dos empresários e da sociedade, que passou a exigir mais informações.” Infrações. No Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), porém, a categoria de medicamentos e serviços para saúde foi a segunda com mais reclamações em 2015. A Anvisa emitiu 97 autos de infração só para esse setor.
Até 2012, a agência tinha uma Gerência Geral de Propaganda, mas ela foi extinta e suas atribuições foram englobadas pela área de Inspeção e Fiscalização – a instituição garante que o monitoramento é mantido. O sanitarista Bonfim contesta. “Não existe regulação no Brasil. As multas são irrisórias e correspondem a uma fração mínima dos lucros da indústria farmacêutica.” Para ele, a publicidade de remédios deveria ser vetada.
A representante da Interfarma discorda que a proibição possa solucionar a má utilização de medicamentos. Maria José entende que o caminho seria aliar políticas de educação e saúde, apostando em medicina preventiva.
Outra proposta, defendida pela psicóloga Mariana, seria exigir uma sanção prévia do material publicitário. “Hoje, ele é colocado em rede televisiva sem passar pelo crivo da Anvisa.
Quando a agência percebe que há alguma irregularidade, o mal já está feito.”
Crescimento do setor de logística de medicamentos esbarra em regulação.
12/12/2016 - DCI
Em meio à retração econômica, regulamentação desconexa e concorrência desleal ganham força e derrubam desempenho do setor de transporte de medicamentos. Sem mudanças, as margens tendem a continuar em queda junto com o número de empresas especializadas na área.
Com dificuldade de repassar custos aos clientes, operadores logísticos especializados apresentam perda de margem desde 2009. Segundo a pesquisa "Transporte de Medicamentos no Brasil", da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC&Logística), a margem das empresas entrevistadas caiu 43,8% em 2015, ante 2009. "E a tendência é que continue", afirma o vice-presidente Comercial da RV Ímola, Thiago Amaral. Na companhia, a perspectiva é de queda de quase 18% em 2016, ante 2015.
Assim como a RV Ímola, outras estão na mesma situação. "Somos cerca de 20 no transporte de medicamentos e 40% do mercado está entre 12 empresas. Se a gente observar os players de 10 anos atrás, poucos continuaram e se não houver uma mudança isso pode diminuir ainda mais", explica Amaral.
De acordo com ele, os custos relacionados ao transporte (combustível, dissídio e linhas de financiamento para compra de veículos) estão cada vez mais altos e, em contrapartida, o repasse está difícil. "Como tem muita gente ociosa, os clientes estão renegociação do contrato", conta. Além dos custos, a mão de obra para operar os caminhões refrigerados também é cara.
"O problema é que nem todos têm o mesmo patamar de custos", complementa. Segundo ele, o volume de transportadoras que não são da área e não cumprem todos os requisitos está crescendo. Essas empresas encontraram uma brecha para entrar no mercado por conta da crise econômica. "Alguns laboratórios têm feito vista grossa", reclama.
"Com a crise, o controle de qualidade dos laboratórios se perdeu um pouco", ressalta o vice-presidente extraordinário coordenador da câmara técnica de transporte de produtos farmacêuticos (TFARMA) da NTC&Logística, Clovis Gil.
Um caso muito comum, de acordo com Gil, é a licença necessária para atuar no ramo que exige que as transportadoras tenham permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de cada região em que irá atuar. "Mas tem sido comum algumas realizarem o transporte com apenas uma licença", conta.
De acordo com Gil, antes o controle de qualidade determinava quem está apto a realizar o transporte e, agora, com a crise alguns laboratórios estão analisando em primeiro lugar o preço. "A maioria ainda preservam o cuidado, mas tem outros que não", sinaliza.
O problema não é apenas a falta de licença em uma região, mas a falta de padronização de cada Anvisa local. "Cada uma tem uma interpretação diferente", explica Thiago Amaral da RV Ímola.
Desta forma, quem está irregular acaba tirando em apenas um lugar (menos criterioso) e quem vai fazer quer tirar em todas as regiões tem dificuldade de unificar as operações. "Muitas vezes o entendimento técnico da regional é diferente da estadual que por sua vez é diferente da federal", discorre.
FISCALIZAÇÃO
Este não é o único desafio na regulamentação. Ainda na opinião de Clovis Gil da NTC&Logística, a falta de clareza e especificidade das regras é o principal desafio do setor. "Algumas resoluções (RDC) de armazenamento foram adaptações de exigências feitas a laboratórios que muitas vezes não fazem sentido", diz.
Outra questão é a falta de padronização no carregamento. "Alguns laboratórios colocam 200 unidades em uma caixa e outros colocam 25. O ideal seria padronizar o recebimento e o transporte. Além disso, o padrão de embalagem que cada uma tem é diferente."
Na contrapartida, ele argumenta que tem regras que podem ser exigidas: como a obrigatoriedade de caminhão refrigerado. "O Brasil tem dimensão continental e os medicamentos devem ficar em temperaturas específicas para não perder suas propriedades."
Para que as medidas sejam revistas, a entidade junto com uma consultoria está trabalhando em regras de padronização que está em fase final. "Ainda devemos apresentar a cartilha às associadas, mas posteriormente levaremos à Anvisa em Brasília", conta.
ALTERNATIVAS
Para conseguir crescer, a RV Ímola realizou uma remodelagem da malha logística que exigiu o fechamento de 100 armazéns. "Agora as cidades que eram atendidas por eles fazemos através de outras unidades", explica Thiago Amaral da RV Ímola. Segundo o executivo, com a diminuição de custos fixos foi possível reduzir em 30% os gastos. "Mesmo que eu tenha agora custos variáveis, que são mais altos, para atender essas cidades, só preciso pagar quando tiver carga. Com isso, acabei ganhando margem", diz.
A expectativa para 2017 é que a nova reestruturação ajude no crescimento da receita, que neste ano deve ser de R$ 120 milhões.
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