Hospital de câncer faz campanha para voo em Barretos
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Para chegar à cidade, pegaram um voo da capital de Roraima até Manaus e, de lá, até o Rio. Dormiram no Rio e, no dia seguinte, voaram até São José do Rio Preto. De lá, gastaram R$ 350 de táxi até Barretos. “Quem pagou a passagem aérea foi o TFD (Tratamento Fora de Domicílio, um benefício do SUS). Se tivesse aeroporto em Barretos, não precisaria gastar no táxi”, diz Geania. O valor do táxi é metade do aluguel da quitinete que estão hospedadas em Barretos.
O município de Barretos anseia há anos por voos regulares. A principal demanda vem do Hospital de Câncer, que recebe mais de 4 mil pacientes por dia – a maioria deles de outras cidades. Sem voos regulares, eles enfrentam uma odisseia para ir e vir. Os médicos sofrem do mesmo inconveniente. Muitos moram em outras cidades e há até cirurgiões estrangeiros que vêm fazer treinamentos em Barretos. Inconformado com a situação, o próprio hospital fez uma campanha publicitária para atrair voos para a cidade em 2013. Não deu resultado.
INFRAESTRUTURA
Embora Barretos não tenha voos, como comprovou Geania, a cidade tem, sim, aeroporto. Mas ele é usado apenas por um ou outro jatinho de empresário. A porta do terminal de embarque está encostada. Dentro, há cadeiras antigas vazias. Da esteira de bagagem, só sobrou a carcaça. A torre de controle está desativada. E a pista precisa de recapeamento. Antes de Geania ou qualquer pessoa desembarcar, o aeroporto precisa de reformas.
Administrado pelo governo de São Paulo no passado, o aeroporto de Barretos passou para a gestão municipal no fim de 2012. A prefeitura buscou investimento privado e tinha planos para uma revitalização, lembra o secretário de Desenvolvimento Econômica de Barretos, Domingos Baston. “Soubemos do plano da União e apostamos nisso”, diz. Barretos entrou na lista dos aeroportos que seriam reformados e técnicos contratados pela União foram ao local fazer estudos. “O projeto não saiu e abortou qualquer plano de investimento alternativo que existia.”
Infecção por zika é confundida com dengue, diz estudo
13/08/2016 - Folha de S.Paulo
Casos de infecção por zika estão sendo confundidos com a dengue e, com isso, a epidemia do vírus que causa a microcefalia pode estar sendo subestimada no país.
É o que sugere um estudo da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Parte dos dados foi publicada neste mês no "Journal of Clinical Virology".
Foram analisadas amostras de sangue de 800 pacientes que tiveram diagnóstico inicial de dengue (com base em sintomas clínicos e/ou em testes sorológicos) neste ano.
As amostras passaram por exames moleculares —mais precisos. A dengue foi confirmada em apenas metade dos casos (400). Em outros cem, o diagnóstico real era de zika. Em um, era da febre chikungunya e o restante, outras viroses não transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Segundo o virologista Maurício Lacerda Nogueira, coordenador do estudo e que integra a Rede Zika, essa confusão deve estar acontecendo em todo o país, já que a grande maioria dos diagnósticos é feita da mesma forma.
O infectologista Marcos Boulos, coordenador de controle de doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tem a mesma opinião. "Foi por isso que houve uma demora enorme em identificar o zika no Nordeste, no ano passado. Ele foi confundido com a dengue", lembra.
Até 9 de julho, o país tinha registrado 1,4 milhão de casos de dengue contra 174 mil casos prováveis de zika, segundo o Ministério da Saúde.
ERRO DE DIAGNÓSTICO
Os erros de diagnóstico ocorrem por duas razões: os sintomas clínicos (que norteiam os diagnósticos) são muito parecidos, e os atuais testes sorológicos resultam em muitos falsos-positivos.
"Todo mundo busca um teste mais específico, mas ainda não chegamos lá", diz Boulos. A única forma de ter certeza, explica Nogueira, é por meio de testes moleculares, como o PCR em tempo real.
Ocorre que eles são mais caros que os sorológicos e não estão disponíveis para toda a população. Os laboratórios públicos, como o Adolfo Lutz, priorizam mulheres grávidas e pessoas com suspeita de Guillain-Barré (uma das complicações neurológicas da infecção pelo zika).
Para ele, é fundamental buscar um diagnóstico correto, por meio de testes rápidos mais efetivos, que realmente discriminem as doenças. "Em termos individuais, é um direito do paciente saber o que ele tem", diz Nogueira.
No âmbito da saúde coletiva, toda a análise de custo e efetividade para incorporação de uma nova terapia –a vacina da dengue, por exemplo– depende de informações epidemiológicas corretas. Ou seja, se a estimativa do número de casos está errada, a avaliação de custo-efetividade será equivocada.
"Até um ano e meio atrás, os dados de dengue eram relativamente confiáveis. Agora a questão é: quantos desses casos tidos como dengue não são, na verdade, zika?"
Na sua opinião, não é possível mais se guiar pelas diferenças clássicas apontadas nos livros médicos. "Isso só serve para dar aula. Tem casos que só de olhar você já sabe se é dengue, zika ou chikungunya. Mas a grande maioria não é assim."
Segundo Nogueira, há o risco também que os casos de dengue comecem a ser subestimados e confundidos com zika. "Como todo mundo só fala em zika, podemos ter um fenômeno invertido."
Essa situação pode ser ainda mais perigosa, segundo ele, porque a dengue tem risco de morte se não tratada corretamente. "A zika, tirando a questão da gestante [risco de o bebê ter microcefalia], é uma doença benigna."
Segundo Boulos, a orientação é tratar todos como se fosse dengue
"É melhor pecar pelo exagero." Ele diz que os médicos do SUS passam por capacitação para saber diferenciar as viroses.
Um remédio realmente novo
13/08/2016 - O Estado de S.Paulo
A doença de Chagas, a leishmaniose e a doença do sono atacam 20 milhões de pessoas, matando 50 mil ao ano. Agora, de uma tacada, os cientistas descobriram uma nova droga que promete curar as três doenças. Vale a pena entender como isso foi possível.
Quando uma bactéria começa a se dividir dentro do seu corpo você toma um antibiótico. As bactérias morrem, e as células do seu corpo não são afetadas. Mas, quando uma célula do seu corpo começa a se dividir de maneira descontrolada (um câncer), o tratamento é difícil e penoso.
A maioria das drogas que matam as células cancerosas também mata as células do seu corpo. O resultado são tratamentos pouco eficazes e vários efeitos colaterais.
Essa diferença se deve a um fato simples: as bactérias são seres vivos muito diferentes dos seres humanos. Basta descobrir uma droga que bloqueie um desses mecanismos para matar as bactérias sem afetar nossas células. É esse o princípio dos antibióticos. Já as células cancerosas são extremamente semelhantes às normais e têm poucos mecanismos de funcionamento que não existem nas células do nosso corpo.
Por esse motivo, é muito difícil desenvolver drogas que matem as células cancerosas sem matar as normais.
Quanto menor a diferença entre o ser vivo que desejamos combater e o nosso organismo, mais difícil desenvolver drogas específicas e eficazes. Assim, é mais fácil combater bactérias que fungos, fungos que parasitas, e parasitas que células cancerosas.
Os parasitas que causam a doença de Chagas, a leishmaniose e a doença do sono são protozoários, mais semelhantes aos mamíferos que os fungos e bactérias.
O desenvolvimento de drogas eficazes tem sido lento. O fato de essas doenças afetarem pessoas pobres contribui para essa lentidão.
Como esses parasitas são aparentados, os cientistas imaginaram que, se descobrissem uma droga que matasse simultaneamente os três parasitas sem afetar células de mamíferos, muito provavelmente essa droga estaria atacando um mecanismo único, ausente nas células de mamíferos.
Com base nessa ideia, foi desenvolvido um ensaio para testar 3 milhões de compostos diferentes (isso mesmo, 3 milhões) nos três parasitas e em células humanas. O objetivo era selecionar compostos com as seguintes características: deveriam atuar em pequenas doses; matar simultaneamente os três parasitas; e ter um índice de seletividade de 5x (deveriam ser 5 vezes mais tóxicos para os parasitas do que para as células de mamíferos). Após testar os 3 milhões de compostos, cientistas de universidades e de uma indústria farmacêutica identificaram um composto chamado GNF5343 que tinha essas características.
Com base na estrutura química do GNF5343 os cientistas sintetizaram uma grande família de compostos semelhantes, que foram novamente testados para verificar se eram melhores do que o original. E assim chegaram ao GNF2636, que era ainda melhor. Esse ciclo foi repetido mais duas vezes, e finalmente os cientistas criaram uma molécula chamada GNF6702, capaz de matar os parasitas com doses muito pequenas e que é praticamente inofensiva para células de mamíferos (seletividade maior que 1.000x). Quando esse composto foi usado para tratar camundongos infectados com cada um dos três parasitas os cientistas observaram que os parasitas foram eliminados rapidamente e os camundongos foram curados, quase sem efeitos colaterais.
Ao investigar o modo de ação dessa nova droga os cientistas descobriram que ela age sobre um componente de uma organela chamada proteossomo, uma das poucas organelas características desses três parasitas e muito diferente do sistema equivalente dos mamíferos.
O resultado é que a humanidade dispõe de uma droga capaz de curar essas três doenças em camundongos.
Os testes em seres humanos são o próximo passo e, se forem bem-sucedidos, teremos um novo remédio capaz de curar 20 milhões de pessoas e evitar milhares de mortes todos os anos.
Redução de falhas passa por higiene básica e formação
14/08/2016 - Folha de S.Paulo
Para minimizar os erros que deixam sequelas em pacientes, profissionais da área defendem medidas que incluem ações básicas de higiene, avaliação de estudantes de medicina e certificações e protocolos comparados aos de pilotos de avião.
Segundo Aline Yuri Chibana, presidente da Fundação para Segurança do Paciente, erros médicos costumam ser resultado de várias falhas no atendimento médico. "A acreditação das instituições e a adoção de checklists melhoram os processos nos hospitais. É preciso trabalhar mais a cultura de segurança e sair da cultura punitiva."
Como exemplo, ela cita um simples lavar de mãos, não apenas da equipe médica, mas mesmo de visitantes, ou a identificação de pacientes, para evitar, por exemplo, a troca de medicamentos.
"São medidas extremamente simples, mas de grande impacto", diz Chibana, que é diretora de qualidade do hospital A. C. Camargo.
A Fehoesp (Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo) tem trabalhado para capacitar os estabelecimentos a obter um selo de qualidade da ONA (Organização Nacional de Acreditação). Para conseguir a certificação, os estabelecimentos têm que adotar uma série de protocolos de gestão de qualidade.
Para Yussif Ali Mere Júnior, presidente da Fehoesp, trata-se de processo semelhante ao adotado por pilotos de avião. "Antes de fazer a decolagem o piloto checa e recheca tudo. Se tiver algo falhando, você sabe qual é o risco."
Em 2013, a Anvisa publicou uma resolução determinando que todos os serviços de saúde no país estabelecessem núcleos de segurança do paciente, com planos que determinassem ações de gestão de risco. Foram estipulados quatro meses para que todos os 8.500 estabelecimentos cadastrados se adequassem. Até julho, apenas 1.277 haviam criado seus núcleos.
Tanto Chibana quanto Ali Mere concordam que uma avaliação dos recém-formados em medicina ajudaria a evitar erros. "Mas deve ir muito além do que se faz na OAB. Não pode ser um exame só escrito, tem que ser prático", diz Ali Mere. Proposta do tipo chegou a ser feita pelo Ministério da Educação, mas está sendo revista na gestão Temer (PMDB).
Busca de home care faz crescer ações contra planos em SP
14/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Embora não esteja listado no rol de cobertura obrigatória dos planos de saúde, o serviço de home care tem sido cada vez mais alvo de demandas na Justiça e de reclamações na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Levantamento feito pelo escritório Vilhena Silva Advogados no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) mostra que o número de ações movidas por clientes de convênios médicos em busca de assistência médica domiciliar e julgadas em segunda instância passou de 804 no primeiro semestre de 2015 para 929 no mesmo período deste ano. Na ANS, as queixas sobre o assunto saltaram de 523 em 2014 para 623 no ano seguinte.
Segundo a advogada Renata Vilhena, sócia do escritório e especialista em direito à saúde, a demanda pelo serviço tem aumentado por causa do envelhecimento da população e do maior conhecimento dos beneficiários sobre esse tipo de assistência.
“A maioria dos pacientes que precisam desse serviço é de idosos que necessitam de atendimento especializado como o ofertado em um hospital.
Muitos planos continuam negando a assistência por não haver obrigação contratual, mas a Justiça tem entendido que, com justificativa médica, ele tem de ser fornecido”, diz.
Segundo o levantamento do escritório, 90% das demandas judiciais por esse tipo de assistência tiveram decisões favoráveis ao paciente.
A executiva Marizete Pereira, de 68 anos, decidiu entrar na Justiça após ter de pagar por dois anos o serviço de home care para a mãe, a aposentada Wilma Basile Pereira, de 85 anos.
Com mal de Parkinson há 20 anos, a idosa precisa do auxílio de equipamentos como respirador e sugador, além da assistência de enfermeiros, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. “Pagamos mensalidade de R$ 8 mil e, mesmo assim, negaram o serviço.
Comecei a ver que eu não teria mais como pagar e entrei com o processo”, conta ela, que teve decisão favorável.
Nos dois anos em que teve de arcar com o serviço de home care, Marizete gastava cerca de R$ 20 mil por mês.
PEDIDOS INDEVIDOS
Entidades que representam as operadoras de planos de saúde afirmam que o serviço de home care pode ser fornecido, quando necessário, se previsto em contrato, mas afirmam que a maioria das ações judiciais refere-se a casos indevidos, quando não há necessidade de home care.
“Posso dizer que o que cerca de 70% das ações querem, na verdade, é um cuidador. Famílias abandonam seus idosos e querem jogar essa responsabilidade para o plano de saúde”, afirma Pedro Ramos, diretor da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
“O aumento das demandas por esse tipo de serviço, em diversos casos, reflete um problema social em que o plano de saúde passa a ser utilizado por muitas famílias como um serviço de cuidador, sem uma indicação clínica muito bem orientada. Isto acarreta acréscimos de custos imponderáveis ao sistema”, afirmou a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), em nota.
A ANS afirmou que, apesar de o serviço não ser de cobertura obrigatória, deve ser oferecido conforme a legislação dos planos de saúde, nos casos em que corresponder a uma alternativa à internação hospitalar.
Erro médico causa sequelas e disparada de processos
14/08/2016 - Folha de S.Paulo
O que a aposentada Marina Souza, 86, buscava era uma cirurgia plástica corriqueira para a retirada do excesso de pele nas pálpebras. Mas ela acabou indo para casa com sequelas irreparáveis nas mucosas do nariz e nos lábios –hoje tem que respirar apenas de boca aberta.
"Era para eu sair [do hospital] no mesmo dia e tive que ficar mais de uma semana [internada]", conta Marina, que teve seu rosto queimado por um aparelho na operação.
A aposentada foi vítima de um problema que desperta cada vez mais queixas na Justiça e no setor de saúde.
Nos últimos anos, houve crescimento de processos e reclamações por erros médicos identificado pela Folha em pelo menos três esferas diferentes –no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e no Conselho Regional de Medicina.
Os casos que vão ao STJ após recurso em instância inferior subiram 82% de 2010 a 2015, ano com 474 ações. Em 2016, já são 351 até julho.
No TJ paulista, os processos por erros médicos subiram 19% no ano passado em relação a 2014 –e já beiram quatro por dia. No Cremesp, que analisa eventuais sanções aos médicos, a alta foi de 22%.
No caso da aposentada Marina, a Justiça determinou uma indenização de R$ 20 mil.
Os erros médicos são atribuídos por especialistas a uma série de fatores –que vão da formação deficiente em faculdades à falta de fiscalização em procedimentos feitos por clínicas e hospitais.
Especialistas atribuem esse aumento de reclamações e processos à maior exposição do assunto, que incentiva vítimas a buscarem reparações.
GRAVIDEZ E MORTE
Uma ação que chegou ao STJ, em Brasília, foi resultado da morte de Aparecida Kuriyama, em 1998, aos 34 anos, após hemorragia interna.
Ela teve gravidez ectópica –quando um óvulo fecundado se implanta fora do útero, sem chances de sobrevivência. Correndo risco de vida, teve que fazer tratamento com medicamento usado para quimioterapia. A dose aplicada, no entanto, foi excessiva. Aparecida deixou seu marido e um filho, Diogo Kuriyama, com 6 anos na época.
Depois do reconhecimento do erro médico, houve acordo inicial com a maternidade para que fosse paga uma indenização de R$ 20 mil ao pai e igual valor ao garoto, que só receberia a quantia ao completar 18 anos.
O processo foi reaberto após a Promotoria considerar o valor insuficiente. Em fase final no STJ, Diogo reivindica agora mais de 50 vezes a indenização original.
"Amor de mãe dinheiro nenhum paga", afirma ele, que completa 24 anos neste domingo (14) e trabalha como cabeleireiro em São Paulo.
"Se ela estivesse viva, eu estaria me formando na faculdade. Queria estudar medicina. Não tive minha mãe para me criar", diz.
Neste Dia dos Pais, a filha dele, Isabella, também faz aniversário, de dois anos. "É uma data bem gostosa para mim. Mas seria mais gostosa se a avó estivesse aqui para comemorar com a neta."
NEGLIGÊNCIA
"Antigamente tinha-se a ideia de que qualquer coisa que ocorresse seria uma fatalidade. Em muitos casos, houve imperícia ou negligência", afirma Alexandre Jubran, advogado de um escritório especializado em saúde.
Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de SP, diz haver "maior procura da população por seus direitos". "[O erro] não deveria ser considerado culposo [sem intenção], mas como dolo eventual [quando se assume um risco], por causa da imprudência."
Com poucas informações sobre meningite, pais têm dificuldade para encontrar vacina de quase R$ 600
12/08/2016 - Folha de S.Paulo / Site
Em meio ao desconhecimento sobre a meningite, os pais ainda encontram dificuldade para encontrar doses da vacina meningocócica B nas clínicas particulares. Como a vacina não faz parte do calendário nacional de vacinação, ela não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde).
A meningo B passou a ser prescrita pelos pediatras em 2015, quando foi aprovada pela Anvisa. Cada dose custa cerca de R$ 580 e são necessárias, no mínimo, duas doses da vacina. Para crianças menores de 1 ano, são recomendadas de três doses.
Apesar do alto custo, pais que desejam imunizar seus filhos contra a meningite B não encontram a vacina nas clínicas particulares. Ela está em falta desde o início do ano.
Questionada sobre o problema de desabastecimento, a GSK, fabricante da meningo B, informa que a “produção de vacinas implica em um complexo processo”. “Em média, leva-se de seis a 29 meses para produzir uma vacina, e cada lote passa por mais de 100 testes”.
Segundo o laboratório, o fornecimento de vacina foi impactado pelo “aumento da demanda global em razão do crescimento populacional, expansão dos calendários de vacinação e até mesmo surtos e epidemias de doenças imunopreveníveis”. “Nem sempre é possível atender rapidamente à demanda.”
Pesquisa global conduzida pela GSK revela que 70% dos pais dizem não conhecer o suficiente sobre os diferentes sorogrupos da meningite e as sequelas que a doença pode causar.
Quase um em cada cinco (18%) pais brasileiros disseram não saber ou não ter certeza sobre os sintomas da meningite. Os sintomas mais comuns da meningite são febre alta repentina, forte dor de cabeça, pescoço rígido, vômitos, convulsões, falta de apetite e presença de manchas vermelhas na pele.
Quase um quarto (23%) disse não saber ou não ter certeza sobre as formas de contágio. Talvez isso explique porque 64% deles considere a meningite como a doença de maior risco à saúde dos filhos entre uma lista de 14 doenças.
Mais da metade dos responsáveis não sabe ou não tem certeza de que existem diferentes tipos de bactérias que causam a meningite _como a A, B, C, W ou Y.
No primeiro semestre, segundo a GSK, São Paulo registrou 20 casos da doença em crianças menores de 2 anos, com duas mortes. A maior parte dos casos da doença no Estado é de meningite C.
CAMPANHA
Os dados da pesquisa marcaram o lançamento da campanha de conscientização “Vença a Meningite”, que visa ajudar pais e mães a conhecer mais sobre todos os tipos da doença meningocócica e as medidas que podem ser tomadas para proteger os filhos.
Atletas paraolímpicos de cinco países participam da campanha. Eles foram fotografados pela australiana Anne Guedes, embaixadora mundial da luta contra a meningite.
Representando o Brasil estava a para-atleta Suelen Marcheski de Oliveira. Nascida em Ijuí (RS), Suelen teve meningite com poucos dias de vida. Aos 13 anos, ela conheceu o atletismo.
Além dela foram fotografados: Lenine Cunha, de Portugal, Jamie Schanbaum, dos Estados Unidos, Beatrice Vio, da Itália, e Madison Wilson-Walker, do Canadá.
A pesquisa foi realizada entre fevereiro e março com 5.000 pais no Brasil, Canadá, Alemanha, Itália e Portugal.
ABASTECIMENTO
O Maternar ligou para duas clínicas de vacinação de São Paulo. As duas informaram que a meningo B estava em falta e não havia prazo para normalização do fornecimento.
A GSK informa que “já iniciou o processo de regularização no Brasil, com volumes que procuram atender à demanda, e está trabalhando na distribuição do produto que requer condições especiais de temperatura no transporte, visando minimizar o risco de novas faltas”.
Gene de superbactéria é achado no Brasil
13/08/2016 - O Globo
Cientistas identificaram, pela primeira vez no Brasil, a presença do gene mcr-1 em cepas da bactéria Escherichia coli isoladas de animais de produção. Este gene deixa as bactérias resistentes à classe de antibióticos mais poderosa do mundo, usada contra infecções por bactérias multirresistentes. Os pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), responsáveis pela identificação, também reportaram o primeiro caso de infecção humana no país, ocorrido em um hospital de alta complexidade em Natal (RN).
— A aparição desse gene no Brasil pode contribuir para o surgimento de bactérias totalmente resistentes aos antibióticos, com risco de enfrentarmos uma situação similar ao que foi a era pré-antibiótica, quando doenças comuns, como uma infecção urinária ou um ferimento profundo na pele, levavam facilmente a óbito — alertou Nilton Lincopan, coautor dos estudos publicados nos periódicos “Eurosurveillance” e “Antimicrobial Agents and Chemotherapy”.
A cepa da bactéria é resistente à colistina, ou polimixina E, considerado o último recurso no tratamento de infecções produzidas por bactérias multirresistentes. A droga foi descoberta em 1949, mas foi descontinuada entre 1970 e 2000 por causa da alta toxicidade, ficando restrita ao uso veterinário.
No início do século, por causa do surgimento de bactérias resistentes a praticamente todos os antibióticos betalactâmicos, como as penicilinas, a colistina voltou a ser utilizada como última alternativa terapêutica no tratamento de infecções produzidas por microorganismos multirresistentes, principalmente associadas a surtos de infecção hospitalar. A comunidade médica acreditava que a resistência contra essa droga seria um processo difícil, o que não aconteceu.
— No fim do ano passado, um artigo alarmante foi publicado na revista “Lancet Infectious Diseases”, em que pesquisadores chineses descreveram a identificação de um novo gene (o mcr-1) que confere resistência contra polimixina E e polimixina B — disse Lincopan.
TRANSFERÊNCIA ENTRE ESPÉCIES
Em maio, o gene foi identificado em cepas de E. coli nos EUA. Países da Europa, da Ásia e da África também já tiveram casos registrados. Uma das maiores preocupações das agências de saúde é que o gene é facilmente transferível entre espécies bacterianas. Estudos já identificaram o mcr-1 em cepas de bactérias clinicamente importantes, como E. coli, Salmonella spp. e Klebsiella pneumoniae.
— Algumas bactérias hospitalares têm alinhado este gene junto a outros de resistência a antibióticos. Assim, se um paciente estiver gravemente infectado, por exemplo, por uma E. coli, não haverá nada que se possa fazer — explicou Lincopan.
Bactérias carregando o mcr-1 foram encontradas tanto em humanos como em animais de produção, levantando suspeitas sobre a existência de uma cadeia de disseminação da resistência à colistina, que começaria no uso do antibiótico no tratamento de animais, atingindo animais abatidos, alimentos derivados e o meio ambiente como um todo.
— No Brasil, no início deste ano, nosso grupo de pesquisa identificou pela primeira vez a presença do gene mcr-1 em animais de produção das regiões Sudeste (São Paulo e Minas Gerais) e Sul (Paraná e Santa Catarina), o que deve ser considerado um alerta, visto que o país é um grande produtor e exportador de produtos de origem animal — alertou o pesquisador.
'O ataque a antidepressivos inibe o doente de pedir ajuda'
15/08/2016 - Época
Quando o psiquiatra americano Peter Kramer lançou o livro Ouvindo o Prozac (Editora Record), em 1993, a obra se tornou famosa por discutir como uma nova classe de antidepressivos, com menos efeitos colaterais, poderia agir sobre a personalidade e mudar a maneira como as pessoas se relacionam. Kramer acertou sobre a popularidade que os antidepressivos ganhariam: eles se tornaram alguns dos medicamentos mais vendidos. A preocupação quanto a tratar com drogas emoções decorrentes de dificuldades naturais da vida - não patológicas - ganhou destaque. Nos últimos anos, Kramer notou em seu consultório uma tendência diferente. Pacientes depressivos se negavam a usar essa classe de medicamentos porque haviam ouvido falar que eles não funcionavam melhor que placebos - substâncias sem ação farmacológica, que produzem melhoras só por sugestão psicológica. Kramer, hoje aos 67 anos e professor da Brown Medicai School, em Rhode Island, reavaliou os levantamentos que deram origem a tal crença. Em seu novo livro, Ordinarily well: lhe case for antidepressants (algo como Na média: a defesa dos antidepressivos, sem edição brasileira), recém-lançado nos Estados Unidos, Kramer afirma que falhas metodológicas e de interpretação dos resultados superestimam o efeito placebo e subestimam a ação das drogas.
ÉPOCA - Em português, o título de seu livro significa algo como "na média". O que o senhor quis dizer?
Peter Kramer - Que os antidepressivos funcionam tão bem quanto outras drogas que usamos rotineiramente para tratar enxaqueca ou asma, por exemplo. À pergunta mais básica nós já respondemos: não há possibilidade de que esses medicamentos sejam apenas placebos glorificados. Os antidepressivos são uma classe de drogas perfeitamente usável, assim como qualquer outro medicamento que tem efeitos colaterais e não funciona em todos os pacientes. Em algumas situações, são melhores do que tratamentos que fazem parte do repertório dos médicos em outras áreas. E preciso submeter dez pacientes a uma intervenção que desobstrui vasos sangüíneos para prevenir a morte de uma só pessoa em decorrência de um ataque cardíaco ou acidente vascular. Quando antidepressivos são usados para tratar um tipo de depressão leve e crônica, a distimia, basta tratar quatro pacientes para que um se recupere.
ÉPOCA - Então, por que a polêmica sobre a eficácia?
Kramer - Essa discussão começou com a descoberta da imipramina, um droga que pertence a uma classe mais antiga de antidepressivos, os chamados tricíclicos. Ela foi descoberta em 1957, pelo psiquiatra suíço Roland Kuhn. Em meados dos anos 1960, cerca de 1.000 pessoas já haviam sido testadas. Não é muito, mas é uma boa evidência de que o medicamento funcionava. Em 1961, saiu um artigo em uma revista científica respeitada dizendo que medicamentos como a imipramina poderiam ser placebos. Era daquele tipo de levantamento que cita os estudos segundo os quais a droga não funciona e deixa de mencionar outros que mostram a eficácia (da droga). Há claramente um desejo de que o medicamento não funcione. Vem de pessoas que querem que a psicoterapia seja o único tratamento para depressão. Medicamentos que tratam a depressão insultam a visão de que melancolia é um estado superior, que permite ao indivíduo ser mais sensível.
ÉPOCA - Mais de 50 anos após as primeiras criticas, trabalhos como o do psicólogo americano Irving Kirsch, famoso por analisar dados sigilosos da indústria farmacêutica, sugerem que os antidepressivos modernos não são melhores do que placebos. Como explicar os resultados negativos?
Kramer - A principal razão é o conjunto de voluntários que participam das pesquisas mais recentes. A escolha cria distorções que dão origem a resultados em que o efeito placebo parece mais forte do que o do medicamento. Como os antidepressivos já são amplamente prescritos, qualquer pessoa com acesso ao sistema de saúde poderá usá-los e melhorará. Quem acaba participando dos estudos são pessoas excluídas do sistema de saúde. Elas podem exagerar nos sintomas para contar com os cuidados médicos durante o estudo. Voluntários que não responderam a tratamentos anteriores - e, portanto, são os casos mais difíceis - também são incluídos. Acabamos formando um grupo com dois tipos de pacientes: aqueles em que a droga terá pouco efeito - os casos complicados - e outro em que o efeito placebo será forte porque as pessoas não estavam verdadeiramente doentes a princípio.
ÉPOCA - Um estudo indica que muitos dos levantamentos sobre os efeitos dos antidepressivos são feitos por pesquisadores com laços com a indústria. Isso não abala a credibilidade dos resultados favoráveis?
Kramer - Hoje, ficou muito difícil testar os antidepressivos. Provavelmente, é por isso que as empresas farmacêuticas estão colocando dinheiro nesse campo. Concordo que a indústria pode tentar distorcer os resultados, mas o que eles fazem é tirar o melhor de seus próprios dados. Minhas análises sugerem que, mesmo quando você olha os arquivos completos da indústria, os resultados são muito sólidos. As pessoas que tomam placebo melhoram devagar, ficando atrás dos pacientes que ingerem a droga de fato. Entre esses, 25% se sentem tão desconfortáveis em razão de efeitos colaterais do medicamento que não notam melhoras e outros 75% fazem progressos constantes. Isso não quer dizer que os antidepressivos pareçam placebos, mas, sim, medicamentos que têm efeitos colaterais e que são muito úteis para algumas pessoas.
ÉPOCA - O senhor tem ou já teve alguma ligação com a indústria farmacêutica?
Kramer - Não, nunca, nenhuma. O British Medicai Journal, uma publicação científica, tem uma lista de cerca de 100 especialistas com quem os jornalistas deveriam falar porque nunca tiveram laços com a indústria. Nessa lista, há seis psiquiatras. Sou um deles.
ÉPOCA - Diante das dificuldades de recrutar voluntários, como ter certeza de que as pesquisas que sugerem bons resultados também não estão erradas?
Kramer - Não estamos falando de pesquisas diferentes, algumas com resultados positivos e outras com negativos. São os mesmos estudos. A diferença é que algumas pessoas interpretam as conclusões como indício de que os antidepressivos não funcionam e eu entendo (essas mesmas conclusões) como demonstração da eficácia. Analisando o núcleo dos sintomas depressivos - tristeza, apatia e incapacidade de trabalhar -, as drogas sempre funcionam. Em alguns casos, os resultados são mais impressionantes, como para distimia e para pessoas que têm outra doença, além da depressão. Quando recrutamos voluntários com problemas cardíacos, que tiveram um derrame, que estão com câncer, pessoas que não estão mentindo sobre seus sintomas depressivos, os antidepressivos sempre funcionam.
ÉPOCA - A polêmica sobre a eficácia afeta os pacientes?
Kramer - Sim, claro. Em uma boa relação médico-paciente, em que há confiança, tudo se acerta. Mas nem sempre é o caso. Esse debate desencoraja as pessoas a procurar ajuda e também incentiva os pacientes a parar de tomar o medicamento prematuramente. Acho que desestimula até médicos menos sofisticados de prescrever.
ÉPOCA - Os antidepressivos estão entre as drogas mais prescritas. Não é um sinal de que há um uso excessivo, de que as pessoas querem uma droga que seja capaz de melhorar seu desempenho ou atenuar sofrimentos naturais da vida? Kramer - Não vejo pessoas entrarem no meu consultório e pedirem por antidepressivos sem motivo. Acontece o contrário: muitas pessoas nunca são tratadas. E, quando são tratadas, é no sétimo ou oitavo episódio de depressão. É muito raro que seja no primeiro. Pode até haver mais prescrição de antidepressivos, mas para pessoas que não se tratariam no passado porque pensavam que não existia uma solução ou para casos que, antigamente, seriam tratados só com psicoterapia.
ÉPOCA - A terapia perdeu espaço?
Kramer - Se fossem aplicados à terapia os mesmos padrões que se aplicam aos antidepressivos, a eficácia comprovada por ela como tratamento para depressão seria bem modesta. Mas não há clamor público sugerindo que seus benefícios foram exagerados. Tanto no caso dos antidepressivos quanto da terapia, os estudos formais subestimam a eficácia, enquanto os relatos anedóticos mostram que ambos podem transformar vidas. Em meu consultório, quando não há urgência, sempre começo com psicoterapia e só acrescento medicação se não vejo progresso. A terapia perdeu espaço para os antidepressivos, mas, dc certa maneira, eles funcionam como psicoanálise para as massas. Seus efeitos favoráveis permitem ao paciente experimentar perspectivas que o levam a reconsiderar comportamentos e escolhas de vida. Há uma sinergia entre a terapia e os antidepressivos.
Sem prevenção, câncer será maior causa de mortes
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Se as políticas públicas de prevenção, detecção e tratamento do câncer não forem aprimoradas, a doença se tornará, em 2029, a principal causa de mortalidade no Brasil, superando as doenças cardiovasculares, como enfarte e AVC. Essa é a conclusão de um estudo feito pelo Observatório de Oncologia, plataforma de análise de dados criada pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer, liderado pela Associação Brasileira de Leucemia e Linfoma (Abrale).
Com base nas taxas de mortalidade por câncer e problemas cardiovasculares do período entre 2000 e 2013 e nos dados de projeção da população do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), os pesquisadores fizeram uma estimativa do número de óbitos pelos dois grupos de doenças. “Observamos que a curva de crescimento das mortes por câncer estava mais inclinada do que a das doenças cardiovasculares e isso indica que, provavelmente, em algum momento, elas vão se cruzar.
Fizemos análise preditiva do período até 2040 e chegamos ao dado de que, em 2029, o câncer passará a ser a maior causa de mortalidade”, explica Hellen Matarazzo, gerente de ensino e pesquisa da Abrale.
De acordo com a estimativa, naquele ano, a taxa de mortalidade por tumores será de 115 por 100 mil habitantes, enquanto o índice de óbitos por doenças cardiovasculares será de 113 por 100 mil habitantes. Hoje, o câncer é responsável por 106,3 mortes por 100 mil brasileiros e os problemas do aparelho circulatório, por 168,9 óbitos por 100 mil. Juntas, as duas doenças matam por ano cerca de 542 mil pessoas no País, segundo dados mais recentes do Datasus.
DIFERENÇAS
Embora o câncer possa se tornar a maior causa de óbitos num futuro próximo, a incidência e mortalidade pela doença será extremamente diversa de acordo com o tipo de tumor, o sexo e a região do País.
Alguns cânceres provocarão menos mortes, enquanto outros farão muito mais vítimas.
Segundo o estudo, entre as mulheres, a mortalidade por câncer de mama deverá se manter estável no Sul e Sudeste, onde os serviços de detecção e tratamento estão mais bem estruturados, e aumentará nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Pela mesma razão, os óbitos por câncer de colo de útero deverão cair nas duas regiões mais ricas do País e continuar crescendo ou ficar estável nas demais.
“Todo esse cenário pode mudar se as políticas públicas forem eficientes. Desde 2014, por exemplo, temos a vacinação de meninas contra o HPV, o que previne o câncer de colo de útero.
Se isso for implementado com sucesso, as mortes por esse tipo de tumor vão cair em todo o País. E é isso que a gente quer, que nossos dados se mostrem errados porque a política interveio antes”, diz Hellen.
Outra má notícia para as mulheres é que as mortes por câncer de pulmão aumentarão em todas as regiões. “As mulheres adotaram o hábito de fumar muitos anos depois dos homens e isso terá reflexo na incidência de câncer daqui a algum tempo. Como eles fumam mais e há mais tempo, acabaram sendo mais impactados pelas propagandas antifumo”, diz o oncologista Fernando Cotait Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer e chefe da oncologia clínica do centro oncológico Antonio Ermírio de Moraes.
Entre os homens, as mortes por câncer de próstata cairão no Sul e Sudeste e aumentarão nas outras regiões. O mesmo ocorrerá com o câncer de pulmão.
Os tumores de intestino deverão crescer em ambos os sexos e em todo o País. “Abandonar o cigarro, evitar o álcool de maneira excessiva, combater a obesidade desde a infância, tudo isso ajudaria a reduzir o número de casos de câncer em 30% a 40%”, diz Maluf.
Este ano, mais de 10 mil brasileiros terão linfoma
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Outro tipo de câncer que deverá crescer com o envelhecimento da população é o linfoma, tumor que atinge o sistema linfático, estrutura do corpo que tem como uma de suas principais funções a produção de células de defesa.
A doença se divide em dois grupos: Hodgkin e nãoHodgkin. O primeiro é menos comum, atinge jovens entre 15 e 30 anos, e tem maior chance de cura. O segundo é mais prevalente, correspondendo a cerca de 80% de todos os casos da doença, e está mais relacionado ao avanço da idade.
A doença ganhou os holofotes no mês de junho, quando o ator Edson Celulari revelou estar lutando contra um linfoma não-Hodgkin. Outras personalidades já receberam o mesmo diagnóstico, como a presidente afastada Dilma Rousseff, o também ator Reynaldo Gianecchini e Luiz Fernando Pezão, governador do Rio. A estimativa é de que 10.240 brasileiros tenham a doença em 2016.
“São mais de 40 tipos de linfoma.
Sabemos que alguns casos podem estar relacionados com determinados tipos de vírus ou bactérias, mas, na maioria das vezes, não se sabe exatamente o gatilho. O que sabemos é que o envelhecimento é um dos principais fatores de risco”, explica Nelson Hamerschlak, coordenador médico do setor de hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê médico da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale).
Como não há forma de prevenção para a maior parte dos linfomas, o médico alerta para a importância da detecção precoce.
“Os principais sintomas são aumento de ínguas, febre, emagrecimento e sudorese noturna.
Alguns pacientes também apresentam tosse. O quanto antes o tratamento for iniciado, menos intenso ele será e melhores resultados serão alcançados”, diz o especialista.
Câncer: o desafio do SUS no século 21
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Uma das grandes missões da sociedade brasileira no século 21 será a de como garantir um tratamento de saúde realmente digno e eficiente a todos. Quando o assunto é câncer, esse desafio tem uma relevância ainda maior. No mundo, quase 15 milhões de pessoas serão diagnosticadas este ano e mais de 8 milhões morrerão em decorrência da doença. Considerando apenas o Brasil, ao redor de 600 mil casos serão identificados no próximo ano, e a tendência é de aumento nesses dados.
Podemos identificar muitas razões para isso. A população envelhece rapidamente, paramos de morrer por doenças infecto-parasitárias, e começamos a controlar mais e melhor as doenças cardiovasculares. O estilo de vida mudou com a urbanização dos últimos 50 anos, levando a alterações nem sempre saudáveis na alimentação e nos níveis de atividade física.
A obesidade também é um problema e avança como causa potencialmente evitável de câncer, sem esquecermos ainda dos tumores associados a excesso de exposição ao sol, cada vez mais comuns.
Tumores causados por vírus encontraram terreno fértil em uma sociedade mais tolerante em relação a condutas que facilitam sua disseminação, além do tabaco, que continua sendo a principal causa de mortes por câncer. Os médicos passaram a ter instrumentos muito mais sensíveis para o diagnóstico e casos previamente não diagnosticados passam a engrossar as estatísticas.
A medicina contra-ataca utilizando se da pesquisa e da proliferação de informação pelo ensino. O diagnóstico está mais acurado e incorpora tecnologias como a biópsia líquida e testes de imagem funcional. A cirurgia está cada vez melhor e menos invasiva, e conta com auxílio robótico em muitas situações.
A radioterapia torna-se mais segura e eficiente. A quimioterapia tradicional abre espaço ao tratamento molecular, dirigido contra alvos presentes apenas nas células tumorais, diminuindo efeitos colaterais e melhorando as chances de cura. Mesmo pacientes com tumores muito avançados já podem ter esperança de que os tratamentos modernos lhes trarão uma vida mais longa e com melhor qualidade.
A imprensa tem sido generosa ao noticiar esses avanços. Pessoas ilustres colaboraram expondo suas lutas contra esse mal, reduzindo o tabu em relação ao diagnóstico e mostrando que, em muitos casos, a cura é possível sim.
Cada vez mais vemos os pacientes enfrentando a doença com esperança e cabeça erguida. Mas esses avanços trouxeram novos desafios ao SUS, incluindo a necessidade de educação e capacitação de pessoal para utilização adequada dessas novas tecnologias, dependência da importação de insumos, equipamentos e medicamentos e o alto custo. Infelizmente, nem sempre esse novo e animado cenário é, de fato, uma realidade palpável a todos.
A questão da pesquisa clínica no País tem gerado uma discussão muito saudável e produtiva, com praticamente todos os interessados concordando que nosso sistema atual foi importante e inovador, mas que se tornou lento e burocratizado com o tempo e precisa de ajustes, sem, claro, sacrificar os preceitos éticos que protegem os pacientes.
O número de médicos também é um assunto polêmico. O Brasil tem a quinta maior população do mundo e quase meio milhão de médicos, mas certas áreas geográficas ainda padecem com a falta de um profissional da saúde no local. Obviamente, um aumento no número de médicos graduados seria parte da solução, associado à disponibilidade de infraestrutura adequada e bons salários. O Brasil, que possuía ao redor de 100 escolas de medicina, saltou para mais de 240 instituições em pouco mais de uma década. Apenas a China e a Índia têm mais escolas que o Brasil. E o que questionamos nesse caso é a qualidade das mesmas. Quantas escolas têm bibliotecas, laboratórios e hospitais de ensino que possam treinar o profissional do século 21? Qual a capacitação e conhecimento esperados de nossos médicos em um momento em que o custo e a complexidade dos tratamentos não param de aumentar? Segundo dados do Cremesp, apenas 45% dos jovens que realizam a prova do Conselho Regional de Medicina são aprovados. Mas todos estão legalmente autorizados a clinicar. Na Medicina um erro pode ser fatal, além de aumentar os custos do tratamento.
É evidente que o País precisa de mais médicos, mas não podemos sacrificar a qualidade pela quantidade.
Quanto melhor o médico na assistência primária, maior a chance de reconhecer os sinais do câncer e encaminhar o paciente de maneira correta para o tratamento.
Apesar dos avanços nas últimas décadas, ainda estamos longe do ideal. O financiamento é insuficiente, o acesso ao diagnóstico inicial demora muito, as estruturas de tratamento não estão disponíveis em todo o território nacional, e há falta de profissionais capacitados. O alto custo torna imprescindível que a sociedade discuta quais parâmetros serão utilizados na adoção de protocolos de tratamento. Com recursos limitados, as escolhas precisam ser feitas com bom senso. Trabalhar nos pilares de ensino, pesquisa e assistência, em todos os níveis, é fundamental para termos sucesso no combate ao câncer.
SUS é lento na detecção do câncer de mama
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
O número de diagnósticos de câncer de mama nos estágios mais iniciais é duas vezes maior na rede privada do que na pública, segundo estudos apresentados no Fórum Estadão Saúde, realizado na quarta-feira, em São Paulo. Segundo especialistas, a diferença está relacionada a dificuldades de acesso a exames de detecção e demora no início do tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi apresentou no fórum dois estudos que avaliaram os estágios da doença em pacientes do Hospital Estadual Pérola Byington, unidade pública em São Paulo, e do Hospital Moinhos de Vento, serviço particular da cidade de Porto Alegre.
No Pérola Byington, referência no atendimento à mulher que recebe doentes encaminhadas de todo o País, 25,3% das pacientes tiveram a doença classificada nos estágios 0 ou 1, os mais iniciais. No Hospital Moinhos de Vento, o mesmo índice foi de 61,5%.
Nos dois primeiros estágios, o tumor de mama mede até 2 centímetros, com nenhuma ou pouca disseminação pela região afetada. Nessas condições, a chance de cura ultrapassa os 90%. “É difícil fazer a detecção precoce da doença no SUS por causa da demora na realização de exames. Só que a doença não espera. Ela precisa ser tratada rapidamente e adequadamente”, afirmou Maira.
Os estudos apresentados pela Femama mostram diferença significativa também no índice de pacientes com doença avançada, classificadas como estágios 3 e 4. Nesses casos, o tumor já comprometeu os linfonodos das axilas ou se espalhou para outros órgãos do corpo. No Pérola Byington, 31,6% das pacientes estavam nessa situação. No Moinhos de Vento, o índice foi de 13,5%.
Segundo Marcelo Calil, diretor clínico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), também presente no evento, muitas regiões do Brasil não têm nem sequer aparelhos de detecção da doença.
“Viajamos por várias localidades e encontramos mamógrafos quebrados. A questão é que é muito mais barato para o governo e menos danoso ao paciente tratar o câncer no início do que deixá-lo evoluir para um quadro avançado”, afirmou.
Maira ressaltou que o tratamento precoce do câncer de mama também diminuiria as demandas judiciais por medicamentos inovadores, geralmente indicados para os casos mais graves. “A maioria dos casos de judicialização é de pacientes com cânceres avançados, que precisam de medicamentos mais caros e têm menos chances de cura. E aí fica impagável”, afirmou.
DESIGUALDADES
Os especialistas também reclamaram das desigualdades nos tratamentos disponíveis na rede privada em comparação com a pública.
Terapias inovadoras indicadas para pacientes com câncer de mama avançado já estão disponíveis para pacientes de planos de saúde, mas não para usuários do SUS.
“A estimativa é que 768 pacientes tenham morrido no Brasil por falta de acesso a essas terapias, que inclusive estão na lista de medicamentos básicos da Organização Mundial da Saúde, mas que não foram incorporados pelo SUS”, declarou.
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Gustavo Fernandes defendeu que é preciso que o governo faça o acompanhamento dos pacientes com acesso a diferentes tratamentos oncológicos para definir o que vale a pena custear.
“Temos de ter métrica financeira, mas também de qualidade.
Saber quanto um tratamento ajudou, se determinado investimento aumentou a sobrevida.
É muito importante colocar qualificação nesses números.
Somente com esses dados de eficiência a gente vai saber qual é a melhor forma de usar o dinheiro. A verba em saúde pode se transformar em um saco sem fundo se for usada de forma desmedida”, afirmou.
Na esclerose múltipla, rede pública é mais efetiva do que particular
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Se o tratamento contra o câncer costuma ser mais moderno e completo para os clientes de planos de saúde, no caso da esclerose múltipla é o Sistema Único de Saúde (SUS) o responsável por oferecer assistência a todos os pacientes com a doença, sejam eles usuários da rede pública ou privada.
Isso porque os tratamentos para esclerose não estão no rol de cobertura mínima da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que define o que deve ser custeado pelos convênios médicos.
“A grande vantagem do SUS no caso da esclerose múltipla é que ele é, hoje, o grande pagador do tratamento, já que a gente não consegue absolutamente nada pela ANS. Se o paciente tivesse de comprar os medicamentos, ele gastaria de R$ 5 mil a R$ 10 mil todo mês, ou seja, seria inviável. Nesse aspecto, o SUS é excelente porque ele fornece o tratamento e a gente não tem uma dificuldade muito grande de conseguir”, disse Jefferson Becker, presidente do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla, também presente no Fórum Estadão Saúde.
Apesar de o tratamento ser acessível a todos, o especialista explica que os protocolos do SUS dão pouca autonomia ao médico para tratar de forma individualizada pacientes com diferentes quadros da doença.
“A parte ruim é que o tratamento no SUS é engessado. O protocolo define que o paciente tem de começar obrigatoriamente com determinadas classes de medicamento e só pode migrar para outro se o primeiro não estiver funcionando. Mas, às vezes, o paciente é grave e dar aquele tratamento inicial é condená lo a ter sequelas grandes num futuro próximo”, afirma.
A estimativa do médico é que cerca de 30 mil pessoas tenham esclerose múltipla no País.
Lei dos 60 dias: direito do paciente que nem sempre é cumprido
15/08/2016 - O Estado de S.Paulo
Em vigor há mais de três anos, a Lei dos 60 dias, que determina um prazo de até 60 dias a partir do diagnóstico para que pacientes com câncer iniciem o tratamento, ainda não está plenamente implementada no País.
Atualmente, 57% dos pacientes tiveram acesso a esse direito.
Segundo o Ministério da Saúde, dos 27.248 casos registrados no Sistema de Informação do Câncer (Siscan) até abril deste ano, pouco mais da metade recebeu atendimento dentro do prazo previsto por lei. Outros 17% esperaram até 90 dias e 25% tiveram mais de três meses de espera.
No Brasil, estima-se que 596 mil novos casos serão contabilizados neste ano, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
A microempreendedora Sherlei Esmeraldino Braz, de 45 anos, conta que o tempo de espera do diagnóstico até o início do tratamento foi de quatro meses no Hospital Federal Cardoso Fontes, no Rio de Janeiro.
Ela recebeu o diagnóstico em fevereiro, teve consulta em abril e a cirurgia só foi realizada em junho.
“Só fiquei sabendo da lei em junho. Liguei para a ouvidoria e minha cirurgia foi marcada em sete dias. Tirei o quadrante da mama esquerda, esvaziei a axila e fiz a reconstrução mamária.” Sherlei conta que a luta para combater o câncer começou antes mesmo de receber o diagnóstico.
Ao perceber o nódulo, começou a marcar consultas e até fez a mamografia na rede privada para ter o diagnóstico precoce.
A biópsia, cujo resultado recebeu em fevereiro, foi realizada no penúltimo dia de dezembro do ano passado. Ela acredita que a lei foi fundamental para agilizar a cirurgia e sempre que conversa com outras pessoas com câncer faz questão de passar adiante informações sobre a determinação.
“Essa lei me ajudou, porque solucionou meu problema.
Tem gente que está na fila há um ano e eu sabia que minha vida estava em jogo. Por isso, sempre falo da lei, falo para ligar na ouvidoria e citar a lei, porque é um direito nosso.” Em nota, a diretoria do hospital informou que a paciente “recebeu o devido atendimento, no prazo estabelecido em lei” ao iniciar o tratamento na unidade.
“Foram feitos os exames necessários e a revisão do diagnóstico histopatológico da doença, sendo prestados, assim, todos os cuidados assistenciais da equipe do hospital.” O Ministério da Saúde informou que tem como meta aprimorar o Siscan e fazer a ampliação dos serviços oncológicos junto a gestores estaduais e municipais.
PRAZO
Presidente da Oncoguia, ONG que oferece apoio e orientação para pacientes com câncer, Luciana Holtz diz que o fato de o prazo não ser cumprido pode afetar o paciente não só no que diz respeito ao avanço da doença, mas também na parte emocional.
“É um mix de sentimentos: frustração, medo, impotência.
Por mais que se eduque, o paciente tem receio de reclamar e alguns precisam do apoio da família para batalhar por esse direito.
Se o paciente está fragilizado, o parente pode ajudar, porque o câncer não espera.” Ela diz que já é possível afirmar que houve um avanço na aplicação da lei, tendo em vista que hospitais tentam cumprir o prazo, mas ainda há muito a ser feito para melhorar essa situação.
“Na prática, continuamos a ver esse prazo estourado. Talvez, a lei precisasse vir com um acréscimo para os hospitais, que precisam de mais centros cirúrgicos, oncologistas e infraestrutura para tratar a doença”, afirma.
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