Rio atrasa fórmula para criança alérgica a leite
27/06/2016 - O Estado de S.Paulo
Em estado de calamidade financeira, o governo do Estado do Rio está atrasando o fornecimento de fórmula especial para bebês e crianças alérgicas ao leite de vaca. Trata-se de um alimento fundamental – muitas vezes, o único possível – para quem não pode consumir leite comum. Famílias ouvidas na semana passada pelo Estado contam que já faz um mês que não conseguem retirar o produto, cuja lata custa, em média, R$ 180, e pode durar apenas um dia – o que dá um gasto mensal de R$ 5.400.
Estão em falta o Neocate LCP e Neocate Advance, ambos à base de aminoácidos. No caso de crianças com alergias alimentares múltiplas – a frutas, legumes, glúten, grãos e carnes –, a fórmula se torna ainda mais necessária. “É uma sensação de impotência muito grande. Minha filha se alimenta exclusivamente de Neocate, tem risco de choque anafilático. Além de não receber a fórmula, também não consigo a caneta de adrenalina, que é o que salva a vida dela em caso de choque, embora exista uma decisão judicial em dezembro que obriga o Estado a fornecer”, disse a dona de casa Monique Araújo.
A filha, Maria Eduarda, de 2 anos, tem alergia múltipla e apresenta reações, como urticárias e dificuldades respiratórias, mesmo sem comer os alimentos proibidos – basta sentir o cheiro deles. Na quinta-feira, Monique passou quatro horas na Secretaria Estadual de Saúde tentando um posicionamento sobre os produtos e saiu de mãos vazias. A caneta de adrenalina é importada e chega a custar R$ 1,5 mil a dose única.
“O governo não dá previsão nem explica o motivo. O Neocate é o principal alimento do meu filho. A falta me revolta, ainda mais depois que vi a licitação do governo do Estado para compra de filé mignon e framboesa”, criticou a tatuadora Alessandra Klabin, referindo-se a uma compra que seria feita para abastecer o Palácio Guanabara, sede do governo estadual – mas foi cancelada, depois que a notícia veio à tona. Seu filho, Johann, também com alergia alimentar múltipla, tem 5 anos e síndrome de Cri du Chat, o que faz com que o Neocate seja crucial para seu desenvolvimento.
Algumas famílias relatam que no fim de 2015 já haviam tido dificuldade em receber a fórmula; na ocasião, houve uma compra emergencial. “Minha filha tem alergia a 34 alimentos, não come nenhuma proteína animal, apenas cinco legumes, orgânicos, e o Neocate. Só a família mesmo para ajudar a comprar as latas. Tive de reduzir a quantidade recentemente, pela falta do repasse, e ela ficou doentinha”, lamentou a funcionária pública Tatiane Póvoas, mãe de Manuela, de 3 anos, que consome 19 latas por mês.
A Secretaria de Estado de Saúde informou, por meio de nota, que “vem realizando esforços para regularizar o fornecimento de Neocate”, sem dar mais explicações sobre o motivo do desabastecimento.
CAPITAL
O município do Rio, que afirma estar em “situação fiscal absolutamente confortável”, segundo palavras do prefeito Eduardo Paes, também está com o fornecimento falho. A administradora Luiza Saraiva, mãe de um bebê de 1 ano com alergia a 11 alimentos, liga todos os dias para saber sobre a chegada da fórmula (usa duas latas por semana). E não recebe previsão. “Uma funcionária chegou a me dizer: ‘É sempre assim em ano eleitoral’. É esse leite que mantém meu filho com o peso adequado e crescendo”, lamentou.
A Secretaria Municipal de Saúde explicou que “por mudanças na distribuição do fabricante do Neocate houve atraso no repasse do produto” e garantiu, na sexta-feira, que “a entrega do produto aos pacientes já está restabelecida”. Beneficiários contaram que as latas estão sendo racionadas e ouviram a promessa de que somente nesta semana a distribuição estaria regularizada.
Cesáreas crescem 40% e têm domínio consolidado
25/06/2016 - Folha de S.Paulo
Ao mesmo tempo em que há uma leve queda no número de nascimentos, a quantidade de partos por cesariana no Brasil aumentou mais de 40% em uma década e meia. Nesse período, a predominância do parto normal foi desfeita: se no ano 2000 as cesáreas representavam 38% dos nascimentos, os dados recentes mais completos indicavam uma taxa de 57%.
As estatísticas, que fazem parte do Sistema Nacional de Informações sobre Nascidos Vivos, do Ministério da Saúde, mostram como esse procedimento cirúrgico, indicado para partos de alto risco, ganhou espaço mesmo em casos sem indicação médica e se consolidou como líder no país nos últimos seis anos.
O alto crescimento de cesáreas tem levado governo e entidades profissionais do setor a tomarem medidas para diminuir os riscos aos bebês.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) lançou nesta semana uma resolução que define que gestantes têm direito de optar pela cirurgia, mas veta que ela ocorra com menos de 39 semanas de gestação –antes desse período, avalia que os bebês ainda não estão totalmente maduros. As cesáreas foram responsáveis em 2014 pela chegada de 1,7 milhão de bebês –contra 1,2 milhão em 2000.
Dados preliminares do ano passado, obtidos pela Folha, já mostram ao menos 1,6 milhão de cesarianas. Apesar de mais baixo que no ano anterior, a quantidade ainda pode crescer assim que todos os dados forem contabilizados.
MÚLTIPLOS FATORES
"Há mais de 30 anos que os números [de cesáreas] vêm aumentando", diz Eduardo Cordioli, da Sogesp (associação de obstetras de SP). "É um problema crônico que está chegando a um limite insuportável para o sistema."
Ele e outros especialistas ouvidos pela Folha apontam alguns dos motivos para o crescimento: medo de sentir dor no parto normal, falta de leitos nas maternidades e de profissionais, baixa remuneração dos médicos e falta de informação às gestantes.
A lista vai além. "Os médicos passaram a organizar a agenda em função de fazer partos cesáreas, os hospitais deixaram de ter lugar para parto normal e ampliaram a UTI neonatal, e as mulheres passaram a entender o parto cirúrgico como uma tecnologia. Vários mitos foram criados", diz Martha Oliveira, diretora da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Ela lembra que a situação "é mais grave" nos planos de saúde -chega a 84,6%. Em 2015, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou a adoção de um sistema universal de classificação da taxa de cesáreas. Com base nessa classificação, o ministério estima que a taxa de referência para o Brasil seria entre 25% e 30%.
No ano passado, a ANS lançou medidas que vetavam a cesárea agendada. Após críticas, voltou a liberar a possibilidade, desde que a gestante assine um termo de consentimento. Agora, a ideia é investir em parcerias com hospitais para reorganização do modelo de atendimento.
A mudança no modelo é defendida por Ana Cristina Duarte, do Grupo Maternidade Ativa. "Se não houver medidas, a tendência sempre vai ser fazer o que dá mais dinheiro e gasta menos tempo", diz ela, que prega a maior participação de enfermeiros obstétricos em partos de baixo risco.
Apesar de também defender uma reorganização do modelo de assistência, Olímpio Moraes Filho, membro da câmara técnica de ginecologia e obstetrícia do CFM, diz que é preciso valorizar o direito da mulher de escolher. "A melhor via de parto é a vaginal. Mas não podemos obrigá-la a fazer. Se forçar um parto normal em uma mulher que não deseja, há grandes chances de ele complicar."
A influência dos micróbios
26/06/2016 - Folha de S.Paulo
E se beber água contendo uma bactéria típica da flora intestinal fosse capaz de curar os principais sintomas do autismo?
À primeira vista, soa quase como curandeirismo, um jeito estapafúrdio de tentar enfrentar um problema neurológico altamente complexo, mas deu certo –ao menos em camundongos.
Uma descrição detalhada dos experimentos, coordenados pelo pesquisador uruguaio Mauro Costa-Mattioli, do Baylor College of Medicine (EUA), acaba de sair na "Cell", uma das mais importantes revistas científicas do mundo.
"Temos de ter muito cuidado, ainda há muitos estudos pela frente. A mensagem definitivamente não é que os pais de crianças com autismo deveriam sair por aí entupindo seus filhos de probióticos na esperança de que eles se curem. Mesmo assim, estou extremamente empolgado com as perspectivas", disse Costa-Mattioli à Folha.
OBESIDADE E DIABETES
Estudos como o do uruguaio, revelando correlações entre os micro-organismos que habitam nosso corpo e os aspectos mais insuspeitos da saúde humana, ganharam massa crítica nos últimos anos, conta a zoóloga britânica Alanna Collen em seu livro "10% Humano", que acaba de chegar ao Brasil.
Para ela, manipular a microbiota –ou seja, a coleção de milhares de espécies microbianas que fizeram do organismo humano o seu lar– poderia ter impactos positivos na epidemia global de obesidade, em doenças autoimunes tão diferentes quanto a esclerose múltipla e o diabetes e numa lista de problemas mentais que, além do autismo, inclui a depressão e o transtorno bipolar.
Aqui, é crucial frisar o verbo "poderia" porque, como enfatiza Costa-Mattioli, trata-se de uma área de pesquisa extremamente nova, com conhecimento novo sendo gerado o tempo todo num ritmo muito rápido (e, às vezes, contraditório).
O ponto de partida está resumido no título do livro de Collen: só 10% das células no corpo de uma pessoa são realmente dela. Os outros 90% pertencem a bactérias e outros microrganismos que exploram diferentes partes do corpo (como a pele gordurosa do nariz ou as regiões quentes e úmidas da virilha).
Nesse processo evolutivo de longo prazo, os micróbios não só aprenderam a se aproveitar das condições do organismo humano para se reproduzir como também aprenderam, em muitos casos, a oferecer diferentes vantagens a seus hospedeiros – é, afinal, um jogo de "ganha-ganha", no qual a saúde da pessoa permite que a comunidade microbiana fique mais próspera, e vice-versa.
É por isso que uma flora intestinal vigorosa e diversificada é uma boa, como os médicos já sabem há bastante tempo. Os micróbios do intestino ajudam os seres humanos (e muitos outros animais) a digerir alimentos difíceis, produzem nutrientes que nosso organismo não é capaz de fabricar sozinho e competem com outros seres unicelulares que, se estivessem sozinhos, causariam doenças.
Há indícios de que o tipo de microbiota pode influenciar diretamente a propensão a engordar. Alguns testes em animais de laboratório e pessoas sugerem que essa abordagem seria um caminho para enfrentar muitos casos de excesso de peso, que não teriam relação direta com o quanto a pessoa come e se exercita, mas sim com a variedade de espécies de bactéria em seu organismo.
BACTÉRIAS E AUTISMO
As possíveis conexões da flora intestinal com ao menos parte do espectro do autismo começaram a ser exploradas porque é comum que as crianças com as diferentes formas do problema também sofram de problemas digestivos, tenham usado muitos antibióticos (que costumam matar as bactérias do organismo indiscriminadamente) e sejam filhos de mães com histórico de obesidade.
Costa-Mattioli e seus colegas testaram a ideia ao comparar o comportamento de camundongos gerados por fêmeas que receberam uma dieta rica em gordura com os de filhotes que nasceram de mães com dieta normal.
Além de diferenças significativas em sua microbiota, os dois grupos tinham diferenças consideráveis de comportamento. Os camundongos do "grupo da gordura" tinham muito menos interesse em interações sociais e agiam de forma repetitiva -duas características clássicas do espectro do autismo em seres humanos.
No entanto, os cientistas dores conseguiram contornar isso simplesmente colocando filhotes dos dois grupos na mesma gaiola. Ao comer o cocô dos colegas, ingerindo assim sua microbiota intestinal, os roedores do primeiro grupo passaram a ter uma vida social normal.
O mesmo resultado foi observado quando os cientistas ofereceram a eles a água com Lactobacillus reuteri, micróbio comum no organismo dos bichos normais, mas quase ausente no dos roedores "autistas".
"Uma das possibilidades é que as mudanças na ecologia do intestino estejam levando a alterações na produção de neurotransmissores [mensageiros químicos do sistema nervoso], levando a esse efeito", explica Costa-Mattioli.
"A outra é que existe uma espécie de via expressa entre o cérebro e o sistema digestivo, que são ligados pelo nervo vago." Ele e seus colegas esperam publicar em breve um estudo elucidando esse mecanismo.
Hipóteses como essa, se estiverem corretas, provavelmente levarão especialistas e médicos a repensar quando e como receitar antibióticos ou marcar cesarianas (esse tipo de parto priva o contato do bebê com a flora microbiana da vagina da mãe).
Já há inclusive experimentos de "transplante microbiano" para bebês que nascem de cesariana –basta esfregar uma gaze na vagina materna e depois passá-la na boca e na pele da criança–, com resultados preliminares interessantes.
10% HUMANO
AUTORA Alanna Collen
EDITORA sextante
QUANTO R$ 39,90 (288 págs.)
Comida como vício
25/06/2016 - O Globo
Não basta cortar calorias, fazer exercícios, tomar remédios. Agora, além do apelo às receitas tradicionais, cresce a avaliação entre os médicos de que a obesidade deve ser tratada como dependência química — uma abordagem terapêutica já usada em outros países e que chega agora ao Brasil. O tema foi discutido esta semana em um simpósio sobre obesidade promovido pela Academia Nacional de Medicina (ANM).
Quando comemos, o cérebro libera em seu sistema de recompensa a dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer. Alimentos ricos em açúcar, gordura e sal provocam uma estimulação cerebral semelhante ao de algumas drogas. E o organismo, aos poucos, se torna insaciável: para atingir aquele nível de recompensa, precisará de cada vez mais dopamina, apelando para as comidas gordurosas e açucaradas. Este sentimento de “querer sempre mais” é semelhante ao do vício em cocaína e álcool, segundo especialistas.
— Podemos ficar até quatro dias pensando em uma comida enquanto não a tiramos da geladeira. Por isso devemos fazer exercícios mentais, como lembrar que aquele alimento só vai dar uma satisfação temporária, ou que vai nos fazer mal — explica Ana Lydia Sawaya, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP. — Este tratamento tem sido usado intensamente nos EUA e na Europa e é muito mais parecido com uma mudança de comportamento de viciados do que a imposição de uma dieta de 1.500 calorias, usada para obesos.
Membro da ANM e organizadora do simpósio, Eliete Bouskela destaca que o combate à obesidade pode ser mais difícil do que evitar o uso de drogas.
— É possível nunca mais usar álcool ou drogas, mas a comida não pode ser totalmente cortada — ressalta. — Ninguém tem tempo para cozinhar arroz e feijão. Por isso, apelamos para refeições semiprontas, ricas em sal e gordura.
MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA
Egberto Gaspar de Moura, professor de Fisiologia Endrócrina da Uerj, lembra que medicamentos que inibem o apetite e diminuem a absorção de gordura podem ser adotados como um estímulo para a dieta e, também, para ajudar que os pacientes não recuperem o peso.
— Usando remédios, o paciente pode perder logo quatro ou cinco quilos. Já é um impulso — analisa. — Mas este recurso deve ser moderado, porque há efeitos colaterais, como tontura, palpitação, diarreia e náuseas.
Gaspar, no entanto, assinala que a melhor maneira de combater a obesidade passa longe dos comprimidos. Trata-se da mudança de estilo de vida, o que significa ter um horário fixo para dormir, adequar a dieta e iniciar atividades físicas. Os resultados são graduais e devem ser acompanhados por endocrinologistas, nutricionistas e psicólogos.
O envolvimento de médicos de diversas especialidades é sublinhado por Francisco Sampaio, presidente da ANM. O motivo é a associação da doença com diversas enfermidades, como o câncer de próstata, a hipertensão e a depressão.
— É a epidemia do século e está avançando muito rapidamente. No estado do Rio, 52% da população sofre com sobrepeso ou obesidade. Alimentos pouco saudáveis dão uma sensação de felicidade, mas isso logo passa e, por isso, recorremos cada vez mais a eles — descreve.
A ANM planeja instalar, na área do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no Rio, o Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade, onde estudará diversos aspectos relacionados ao tema, da pediatria à geriatria. Avanços tecnológicos da última década abriram caminho para novas áreas de pesquisas sobre a obesidade. De acordo com Mario José Abdalla Saad, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, uma das principais conquistas foi o sequenciamento genético das bactérias no estômago e no intestino.
— Sabemos que um organismo com grande diversidade de bactérias gastrointestinais é menos propenso à obesidade, mas alimentos industrializados acabam com esta diversidade — explica. — Novos estudos também confirmam que os bebês nascidos de parto normal e que foram amamentados nos primeiros dois meses também têm menor tendência ao sobrepeso.
PROBLEMA EXIGE MEDIDAS DRÁSTICAS
Segundo um relatório da consultoria Mc Kinsey, a obesidade já está na terceira posição entre os principais problemas que acometem a Humanidade, perdendo apenas para a violência armada — que abrange terrorismo e guerras —e o tabagismo.
Professor de Endocrinologia da PUC-Rio, Walmir Coutinho revela que diversos governos se comprometeram a inibir os índices de obesidade até 2025, levando-os de volta aos registrados em 2010. Alguns projetos conseguiram sucesso parcial: no México, por exemplo, um tributo especial sobre o refrigerante diminuiu o seu consumo em 20%, mas a verba obtida por este imposto não foi revertida em subsídios para a produção, venda e publicidade de alimentos saudáveis.
— O Brasil teve boas iniciativas ligadas à amamentação e à alimentação saudável em escolas, mas os resultados gerais estão muito aquém do necessário — observa. — A obesidade é um problema que exige medidas drásticas.
Em vez de inflar os cofres com novos tributos sobre alimentos industrializados, no Brasil a obesidade contribui com um rombo no sistema de saúde pública. Segundo uma pesquisa realizado pela Datasus, o governo gastou mais de R$ 3,65 bilhões com doenças relacionadas ao excesso de peso entre 2008 e 2010.
Professor do Departamento de Clínica Médica da Uerj, Denizar Vianna atenta que a busca por cirurgias bariátricas também foi multiplicado em menos de uma década, passando de 16 mil em 2003 para 60 mil em 2010.
— Além dos aspectos ligados à saúde, o impacto da obesidade também atinge a economia — explica. — O crescimento desta epidemia é brutal, muito maior do que foi o tabagismo décadas atrás.
A ANM realizará, no dia 14 de julho, um simpósio sobre poluição ambiental. Inscrições são gratuitas pelo e-mail secretariageral@anm.org.br. Haverá emissão de certificados aos participantes.
Hospital indiano opera olhos à la fast-food
25/06/2016 - Folha de S.Paulo
O esquema de fast-food foi a inspiração de um sistema que devolve a visão a mais pessoas que qualquer outra rede hospitalar do mundo.
Quatro décadas atrás o falecido oftalmologista indiano Govindappa Venkataswamy —ou simplesmente Dr. V, como era conhecido— perguntou: “Se o McDonald’s faz isso com hambúrgueres, por que nós não podemos fazer com o tratamento de olhos?” Ele se dispôs a implementar processos padronizados de baixo custo, para eliminar a cegueira desnecessária.
Em 1976 o Dr. V fundou o Hospital de Olhos Aravind, uma clínica de 11 leitos em Madurai. Desde então, a clínica cresceu e foi transformada em uma rede de 11 hospitais espalhados pelo Estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, onde já tratou 45 milhões de pacientes e realizou 5,6 milhões de cirurgias.
A maior parte dos pacientes do Aravind faz tratamentos para cataratas, que é responsável por 60% dos casos de cegueira no país.
Cada sala de cirurgia é equipada com pelo menos duas mesas. Imediatamente depois de concluir uma cirurgia, o médico aplica gel antisséptico às suas luvas em vez de substituí-las (o que é regra em muitos países) eleva o microscópio de ponta para a outra mesa, onde outro paciente já está instalado.
Esse modelo eficiente, que lembra uma linha de produção, permite aos cirurgiões oftalmologistas da Aravind realizar em média 1.500 cirurgias de catarata por ano, contra 400, em média, por cirurgião nos Estados Unidos.
Mas a Aravind se orgulha de realizar tudo com qualidade. Seus cirurgiões têm menos da metade do número de complicações por procedimentos que os do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.
O modelo econômico singular da Aravind inclui hospitais “pagos” com instalações de padrão hoteleiro e hospitais “gratuitos” onde a qualidade das cirurgias é a mesma, mas a recuperação se dá em grandes enfermarias, deitados sobre esteiras no chão.
O sistema Aravind foi até tema de um estudo de caso em Harvard, e foram feitas tentativas de reproduzi-lo em outros países. No México, o empreendimento social Salauno adaptou as práticas da Aravinde oferece cirurgias de catarata de alta qualidade a pessoas de baixa renda.
Plantão Médico: A dolorosa orquite
25/06/2016 - Folha de S.Paulo
O número de casos de caxumba vem aumentando em São Paulo, como a Folha informou ontem, e em outros Estados também.
A imunização contra a doença é feita nos primeiros anos de vida através da vacina tríplice (caxumba, rubéola e sarampo). Ela é gratuita nos centros de saúde do Estado ou da prefeitura.
Após 1968, quando foi introduzida na rotina médica, observou-se diminuição na incidência da virose, alcançando cerca de 99% nos EUA, há dez anos.
A ressurgência da caxumba com seus eventuais surtos pode afetar aqueles que não foram imunizados e que consequentemente se tornam vulneráveis. Essa omissão tem o seu preço.
Nos adolescentes e adultos jovens do sexo masculino não vacinados, o vírus da caxumba pode atingir os testículos, provocando doloroso inchaço. É a chamada orquite.
Atrofia testicular unilateral é citada em 60% dos casos e também eventuais problemas de fertilidade.
No sexo feminino, a consequência da caxumba pode resultar em uma inflamação dos ovários.
Especialistas estimam em 40% o percentual de homens que após a puberdade podem sofrer de orquite. Também assinalam outras eventuais complicações, como surdez, meningite e pancreatite.
Se o paciente escapar ileso da caxumba, vai ter também a sorte de dificilmente sofrer de uma recaída, já que a doença gera imunidade permanente.
Aumentam mortes por linfoma no País
26/06/2016 - O Estado de S.Paulo
Doença que ganhou atenção na última semana pelo diagnóstico do ator Edson Celulari, o linfoma não-Hodgkin tem se tornado mais incidente e matado mais brasileiros do que há uma década. A boa notícia é que, com a chegada de novos tratamentos, a chance de cura desse tipo de câncer aumentou e, mesmo nos casos em que o tumor é incurável, o paciente pode viver mais de dez anos com a doença sob controle.
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), a taxa de mortalidade por linfoma não-Hodgkin cresceu 17% entre 2004 e 2013 (último dado disponível). Entre os homens, o índice passou de 2,06 mortes por 100 mil habitantes do sexo masculino para 2,42 no período. Já entre as mulheres, a mesma taxa cresceu de 1,59 para 1,87. Em dados absolutos, o número de óbitos pela doença cresceu de 3.255 para 4.154 nos dez anos analisados.
Especialistas explicam que o aumento do índice não está associado a uma maior agressividade da doença, mas, provavelmente, ao envelhecimento da população. “A incidência do linfoma está aumentando em todo o mundo. Embora a doença possa atingir todas as idades, ela é mais comum entre pessoas com mais de 60 anos e a idade média dos brasileiros vem aumentando”, explica o médico Carlos Chiattone, diretor da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e coordenador do Centro de Linfomas do Hospital Samaritano. Segundo o Inca, 62% dos mortos pela doença em 2013 eram idosos.
Oncologista clínico do A. C. Camargo Câncer Center, Vladmir Cordeiro de Lima diz que os dados devem ser analisados com cuidado. “Globalmente tem havido uma melhora no desfecho dos tratamentos de linfoma não-Hodgkin, mas no Brasil temos de considerar que o sistema de notificação não é bom e nem todos os pacientes têm acesso ao melhor tratamento. Se tivessem, a mortalidade seria menor”, diz. Segundo os especialistas, surgiram na última década novas opções de tratamentos quimioterápicos e imunoterápicos que melhoraram o prognóstico do paciente com linfoma.
No caso dos tumores não-Hodgkin, Chiattone explica que eles são divididos em dois grandes grupos – os agressivos e os indolentes. Os primeiros podem ser curados em 60% dos casos. Já os outros são considerados incuráveis, mas, como crescem muito lentamente, o paciente pode viver anos ou décadas com a doença sob controle. “É como se fosse uma doença crônica. Faz-se o tratamento, o linfoma é controlado, mas pode voltar após alguns anos. E outro tratamento é feito”, diz.
O administrador de empresas Jaime Waiswol, de 51 anos, recebeu o diagnóstico de um linfoma não-Hodgkin em 1997, e, após tentar, sem sucesso, três diferentes tratamentos quimioterápicos, ouviu da equipe médica que a chance de estar vivo em três anos era menor que 10%. “Mesmo assim eu sempre acreditei muito, sentia que daquela doença não ia morrer”, conta. No início de 1998, foi lançado um novo medicamento para linfoma, que acabou curando Waiswol. Em 2012, 15 anos após o tratamento, ele percorreu 94 quilômetros até o Monte Roraima para estimular outros pacientes que estão enfrentando a mesma batalha. “Ainda temos muita coisa para viver.”
DIFICULDADES
Para Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), entidade que dá apoio a pacientes, um dos maiores entraves à redução da mortalidade pela doença é a demora no diagnóstico e no início do tratamento. “Pelo SUS, às vezes a pessoa tem uma suspeita e só para agendar uma biópsia demora seis meses”, diz ela.
Erros de diagnóstico e dificuldade de agendamento da quimioterapia atrasaram o início do tratamento da auxiliar administrativa Roseane Oliveira Gomes, de 29 anos. “Comecei a ter sintomas em setembro de 2014 e passei em dois médicos. Uma disse que era virose e o outro falou que era tendinite, porque eu tinha dores no ombro”, diz ela, que só iniciou o tratamento em março de 2015. “O linfoma cresceu tanto que eu fiquei deformada de inchaço, não conseguia abrir o olho. Estava sentindo a morte chegar”, conta ela, que conseguiu finalizar o tratamento em setembro de 2015 e, embora ainda precise fazer acompanhamento, teve o tumor eliminado.
Como a obesidade leva ao diabetes
25/06/2016 - Correio Braziliense
A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, em 2025, aproximadamente 700 milhões de adultos e 75 milhões de crianças estarão obesos. No Brasil, os números reforçam o alerta feito pela agência das Nações Unidas para um futuro próximo: em levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano passado, 85 milhões de pessoas consultadas apresentavam sobrepeso e obesidade. Entre os riscos a que essas pessoas estão expostas, está o de diabetes, que, sem controle, pode levar a derrame, cegueira e infarto. Cientistas do Instituto Alemão de Nutrição Humana apostam na interação entre genes e o ambiente, área chamada de epigenética, para evitar a combinação das duas doenças e as consequentes complicações.
Algumas mudanças epigenéticas aumentam as chances de que pessoas desenvolvam doenças. No caso da obesidade, o gene em questão é o Igfbp2. Desde 2013, cientistas liderados por Annette Schürmann estudam esse pedacinho de molécula de DNA. Em sua mais recente descoberta, publicada na revista Human Molecular Genetics, o time demonstrou que alterações epigenéticas provocam distúrbios no metabolismo da glicose e na síntese de proteína ligada à produção de insulina — dois fatores associados ao diabetes tipo 2.
A equipe demonstrou, em experimento com ratos, como se dá esse processo. Primeiro, foram selecionadas cobaias que eram geneticamente idênticas, como se fossem gêmeas. Elas foram divididas em dois grupos, sendo que um recebeu uma dieta altamente gordurosa e o outro não, formando o grupo de controle. O que teve a alimentação alterada desenvolveu, em pouco tempo, a doença do fígado gorduroso. Em aproximadamente seis semanas, o Igfbp2 dessas cobaias apresentou alto nível de metilação, as marcas de alteração epigenética, e, ao mesmo tempo, reduziu-se a síntese da proteína ligada à produção de insulina.
Em seguida, os roedores apresentaram problemas no metabolismo da glicose. O que mais surpreendeu os cientistas veio em seguida. Ao analisar amostras de células do sangue de pessoas com obesidade mórbida e cujo metabolismo da glicose é alterado, eles detectaram a mesma modificação epigenética encontrada nos roedores. “Desde que a metilação do gene ocorra cedo, bem antes de se desenvolver o fígado gorduroso, seria concebível utilizar esse conhecimento para avaliar melhor o risco de doenças em jovens e adolescentes. Com soluções apropriadas, o problema pode ser prevenido a tempo”, declarou Annette Schürman, em comunicado sobre o estudo.
MARCAS REVERSÍVEIS
Diversas pesquisas têm apontado que a predisposição para a obesidade e a síndrome metabólica envolve fatores hereditários e, de certa forma, definitivos. Com outra perspectiva, as pesquisas em epigenética sugerem que as marcas deixadas nos genes durante a metilação são reversíveis. Além disso, existe a probabilidade de a doença nunca se manifestar em filhos de pais obesos, ou mesmo não ser transmitida às próximas gerações, caso o estilo de vida seja diferente daquele levado pelos pais, com alimentação saudável, redução do estresse e prática de atividades físicas, por exemplo.
Annette Schürmann também chama a atenção para o fato de que a descoberta das marcas epigenéticas, como as deixadas no gene Igfbp2, ajuda a identificar se pessoas com sobrepeso estão saudáveis. “É importante distinguir entre os obesos saudáveis e os obesos que desenvolvem resistência insulínica, diabetes tipo 2 e outras doenças secundárias. Para os últimos, precisamos de biomarcadores apropriados que predigam o risco de sofrimento de doenças a longo prazo. Isso nos dá a chance de interferir ainda na juventude e impedir a doença”, explicou a pesquisadora em entrevista ao Correio.
Complementando essa perspectiva, o endocrinologista membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) João Lindolfo Borges nota que o meio ambiente pode ser decisivo no despertar de doenças predispostas pela epigenética. “Existem mais de 200 genes ligados à obesidade, mas nenhum deles determina que uma pessoa vai desenvolver obesidade mórbida e outras doenças. Há fatores ambientais, genéticos e emocionais que facilitam a ocorrência dos distúrbios alimentares. Então, é importante avaliar as interações com o meio ambiente”, ressalta.
Segundo o médico, quando uma pessoa vive em uma família que tem predileção por comida gordurosa e marcas epigenéticas para a obesidade, o risco da doença aumenta, mas não se trata de uma sentença definitiva. “Se o indivíduo, por outro lado, tem ânimo para praticar exercícios físicos, as chances de adquirir a doença diminuem. O gene não muda da noite para o dia. Com o tempo e o estilo de vida, vêm benefícios ou prejuízos”, conclui.
Se o indivíduo, por outro lado, tem ânimo para praticar exercícios físicos, as chances de adquirir a doença diminuem. O gene não muda da noite para o dia. Com o tempo e o estilo de vida, vêm benefícios ou prejuízos”
João Lindolfo Borges, endocrinologista
PALAVRA DO ESPECIALISTA
Impacto nas gerações
“Doenças surgem devido a múltiplos fatores. Os genéticos são relativamente bem conhecidos, mas não explicam a geração de muitas enfermidades. Também sempre soubemos que o ambiente desempenha grande influência na geração de doenças, e a epigenética veio elucidar os mecanismos moleculares pelos quais o ambiente modifica a expressão gênica. A descoberta de mecanismos epigenéticos que interferem na expressão de nossos genes poderá ser extremamente útil no diagnóstico precoce e na prevenção de doenças — como, por exemplo, a modulação do gene Igfbp2 poderá indicar na infância a predisposição à obesidade e à esteatose hepática. Demonstrou-se experimentalmente no estudo que o estilo de vida (dieta e atividade física) interfere na fisiologia e na predisposição a doenças metabólicas. Além disso, é importante ressaltar que modificações epigenéticas podem ocorrer em células germinativas, podendo afetar gerações futuras. Assim, o alerta serve para todos: um estilo de vida saudável favorece uma vida mais saudável, condição essencial para aqueles que desejam ter filhos. ”
Fabiola Zucchi, neurocientista e pesquisadora em epigenética da Universidade de Brasília (UnB)
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