A volta das DSTs
22/06/2016 - Revista Saúde É Vital
Quando o poeta italiano Girolamo Fracastoro criou o personagem Syphilis, em 1530, não imaginava que ele emprestaria seu nome a uma moléstia infecciosa que, segundo relatos, fora trazida das Américas nas caravelas de Cristóvão Colombo. Nos versos de Fracastoro, Syphilis é um pastor de rebanho grego que desperta a ira divina e é castigado com pústulas pelo corpo. Quase 500 anos depois, o mal provocado por uma bactéria volta a ser motivo de preocupação, agora entre profissionais de saúde. E ele não vem sozinho. Outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e conhecidas do homem há milhares de anos — a gonorreia é mencionada no Antigo Testamento — parecem ter retornado com a força de uma praga bíblica.
Quem avisa é o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano, o CDC. Só nos Estados Unidos, os números de episódios de sífilis, gonorreia e clamídia registraram, em apenas um ano, aumento de 15,1%, 5,1% e 2,8%, respectivamente. No Brasil, o cenário estimado não é muito diferente — como apenas os casos de HIV e de sífilis em gestantes e bebês são notificados obrigatoriamente ao Ministério da Saúde, é difícil ter estatísticas gerais mais fidedignas. "DST virou tabu no país, ninguém mais toca no assunto. E o pior é que se minimiza o real risco de contágio", critica a médica Márcia Cardial, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Na falta de números do governo federal, dados da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo acusam que as ocorrências de sífilis por transmissão sexual cresceram 603% em seis anos. O salto foi de 2 694 em 2007 para 18 951 em 2013. Em outros estados, o panorama não é menos preocupante. Em 2013 e 2014, Acre, Pernambuco e Paraná registraram crescimento de 96,1%, 94,4% e 63,1%. Para especialistas, a prevenção dessa e de outras DSTs é ignorada pela população. "Diante da facilidade de se fazer o exame e do baixo custo do tratamento, a situação beira o absurdo", afirma a médica Cláudia Jacyntho, Ph.D. em toco-ginecologia pela Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp.
A julgar pelos números do ministério, a sífilis ameaça cada vez mais gestantes e bebês por aqui. De 2005 a 2013, os casos de grávidas com a infecção pularam de 1 863 para 21 382, uma elevação de mais de 1000%! O drama é que a enfermidade pode passar de mãe para filho, gerando a sífilis congênita. No mesmo período, os episódios dessa ameaça tiveram um crescimento de 135%. "A melhora na vigilância resultou em um aumento nas notificações", explica Adele Benzaken, diretora-adjunta do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. "Além disso, o número de testes realizados por gestantes mais que triplicou entre 2008 e 2013."
Ainda assim, tudo leva a crer que a população em geral baixou a guarda contra os males que se aproveitam do sexo desprotegido. Um levantamento do próprio ministério de 2009 calculou que algo em tomo de 10 milhões de brasileiros já apresentaram sintomas de uma DST, como lesões, verrugas e corrimentos nos órgãos genitais. Na mesma pesquisa, descobriu-se que só 24,3% dos homens e 22,5% das mulheres que procuraram um serviço do SUS foram orientados a fazer o exame que detecta a sífilis — os números são um pouco maiores para o teste de HIV. "Alguns profissionais da área ainda pensam que só pega esse tipo de infecção quem é promíscuo, e isso não é verdade", diz o ginecologista Mauro Romero, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis. "Qualquer pessoa sexualmente ativa, independentemente de faixa etária, classe social ou opção sexual, pode contrair uma DST. Basta praticar sexo inseguro", frisa o médico, que também é professor da Universidade Federal Fluminense.
O CDC americano alerta em particular para o boom de DSTs entre os jovens de 15 a 24 anos. De acordo com a agência, eles respondem por 53% dos casos de gonorreia e 65% dos de clamídia nos Estados Unidos. Mas por que essa turma, apesar dos materiais educativos distribuídos nas escolas, insiste em fazer sexo sem proteção? .Alegações como "reduzir o prazer", "ser difícil de colocar", "prejudicar a ereção" e "não ter sempre à mão" estariam entre as principais justificativas (ou desculpas). Quase quatro em cada dez brasileiros de 18 a 29 anos ouvidos na pesquisa "Juventude, Comportamento e DST/Aids", que entrevistou 1 208 pessoas nessa faixa etária em 2012, admitiram não usar preservativo em sua última relação. É mais uma evidência que corrobora uma triste constatação: nesse grupo, o fator de risco para doenças que mais cresceu nas últimas duas décadas foi o sexo inseguro. De 1990 a 2013, migrou da 12a para a 2a colocação na faixa dos 15 aos 19 anos e do 6° para o 2° lugar para quem tem entre 20 e 24 anos — só perde para o consumo de álcool.
Essa espécie de negligência, muitas vezes inconsciente, tem a ver também com o fato de as DSTs parecerem coisa do passado. "Os jovens de hoje não têm medo da aids porque não viram ninguém morrer do problema. Para eles, virou algo crônico. Da mesma forma, não se dá a devida importância a outras DSTs", acredita a ginecologista Márcia Cardial. Que ilusão! O preservativo (masculino ou feminino) continua mais na moda do que nunca: é o método mais eficaz para barrar vírus como o HIV e o da hepatite B e as bactérias por trás de sífilis, gonorreia e clamídia. E isso vale tanto para sexo vaginal como oral e anal.
"Embora o jovem seja o principal grupo de risco, é preciso lembrar que ninguém está imune. Você pode ter 40, 50, 60 anos e pegar uma DST", reforça Romero. Em caso de suspeita, a recomendação é procurar um posto de saúde para fazer o diagnóstico correto — o resultado de um teste para sífilis, por exemplo, sai em 30 minutos. Essa agilidade é bem--vinda porque o tratamento deve ser iniciado quanto antes. Diante de um laudo positivo, os parceiros ou parceiras também devem ser medicados, estando com sintomas ou não. "A terapia adequada inclui a dose certa e um tempo exato. Caso contrário, não produz o efeito esperado", salienta Cláudia Jacyntho. Isso é crítico em relação aos antibióticos, receitados no contra-ataque às DSTs causadas por bactérias. Se não forem contidas, podem retaliar não apenas a região genital — até danos ao cérebro são documentados.
Hoje, felizmente, se fala mais no combate à aids e ao HPV. A alta prevalência da clamídia — que lidera o ranking das DSTs no país, com 1,9 milhão de novos casos por ano — e a ascensão da sífilis pedem que o alerta se estenda a outros males ligados ao sexo desprotegido. Se você não ouviu falar nelas ultimamente, que dirá, então, de tricomoníase, donovanose e cancro mole? Todos esses nomes cabeludos são repelidos com informação, consciência e atitude. "As pessoas só se previnem contra o que conhecem. Por isso, as campanhas educativas precisam encontrar eco na sociedade", diz a médica Tânia Vergara, da Sociedade Brasileira de Infectologia. "Quando o assunto é DST, prevenção é sinônimo de preservativo", declara. Eis um conselho sempre atual e que pode poupar muita gente de seguir o destino de Syphilis e seus companheiros reais de sofrimento.
Mal silencioso
22/06/2016 - Revista Melhor Gestão de Pessoas - Especial
Dados da Federação Internacional de Diabetes (IDF) mostram que 415 milhões de adultos têm diabetes e outros 318 milhões estão em risco de contrair a doença. A IDF estima que a maioria dos países gasta entre 5% e 20% do orçamento para a saúde com o diabetes, uma doença que pode causar a cegueira, doenças cardiovasculares, de rins e nos nervos. Com uma entre 10 pessoas contraindo diabetes até 2040, a IDF pede que os governos se concentrem nos fatores de risco do diabetes e adotem políticas fiscais voltadas para alimentos não saudáveis, usando a receita gerada para melhorar a prevenção do diabetes tipo 2 e para cuidar de todas as pessoas com diabetes e com risco de contrair a doença. O diabetes tipo 2 é responsável por cerca de 90% de todos os casos de diabetes em todo o mundo e está fortemente conectado com estilos de vida não saudáveis. De acordo com o Atlas do Diabetes da IDF em 2015, 75% das pessoas com diabetes vivem em países em desenvolvimento onde a rápida urbanização, adoção de dietas não saudáveis e estilo de vida sedentário estão acelerando o índice de casos de diabetes. A IDF ressalta que o Oriente Médio e o Norte da África são as áreas mais afetadas. Estima-se que o número de adultos com diabetes na região irá aumentar mais que o dobro até 2040, levando o total da região de 35 milhões para 72 milhões de adultos com diabetes, ou de 9.1% a 11,4% da população adulta. As Américas do Sul e Central também devem ter um grande aumento nas taxas de diabetes; o aumento previsto é de 65% até 2040, com um em cada oito adultos com diabetes em 2040. No Sudeste da Ásia, um quarto de todos os nascimentos é afetado pelo diabetes na gravidez (GDM). Quando não controlado, isso pode resultar em complicações, inclusive o trabalho de parto com obstrução e maior risco de a mãe e o bebê contraírem o diabetes tipo 2 a longo prazo.
Escolas não vão mais receber refrigerantes.
23/06/2016 - Valor Econômico
As gigantes de bebidas Ambev, Coca-Cola Brasil e Pepsico anunciaram, ontem, mudanças no portfólio de bebidas fornecidas para escolas no país. A partir de agosto, as companhias passarão a vender nas escolas apenas água mineral, suco com 100% de fruta, água de coco e bebidas lácteas. Saem da lista de distribuição refrigerantes e refrescos.
A ação será voltada a escolas para estudantes de até 12 anos de idade, ou com maioria de crianças até essa idade. As companhias informaram que a mudança leva em conta "diretrizes de associações internacionais de bebidas" e faz parte dos esforços para o combate à obesidade infantil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,3% das crianças com idades entre 5 e 9 anos no Brasil são obesas.
Claudia Lorenzo, vice-presidente de relações corporativas da Coca-Cola Brasil, disse que não houve pressão de consumidores ou órgãos públicos para deixar de vender refrigerantes nas escolas. "A obesidade infantil não tem uma causa só. As três empresas líderes de mercado entendem que devem fazer parte da solução", disse.
Na semana passada, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei do deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que proíbe a venda de refrigerantes nas escolas de educação básica, públicas e privadas. O projeto será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e depois segue para votação em plenário.
Em países como Reino Unido, França, México e Chile, a venda de refrigerantes nas escolas já é proibida. A quantidade de açúcar contida em uma lata de 355 ml de refrigerante gira em torno de 36 gramas, uma quantidade que extrapola o volume máximo diário recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 25 gramas.
A decisão não foi comercial, afirmou Claudia. A Coca-Cola Brasil distribui refrigerantes diretamente para cerca de 4 mil escolas. "É óbvio que toda venda é importante e todo canal de distribuição importa. Mas o que não se vende também conta. As pessoas buscam cada vez mais empresas que sejam ambiental e socialmente responsáveis", disse.
A Ambev, que distribui o Guaraná Antarctica e os refrigerantes da Pepsico, afirmou que a decisão não foi baseada em números e perspectivas de vendas. "Nosso objetivo é contribuir para uma alimentação mais equilibrada no momento em que crianças com menos de 12 anos de idade não estão acompanhadas de seus responsáveis", disse a empresa.
A ação das companhias vai valer para escolas que compram diretamente das fabricantes e de seus distribuidores. Escolas que compram em outros pontos de venda serão alvo de uma ação de sensibilização, segundo as companhias. A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) trabalha em conjunto para tentar envolver outros fabricantes.
De acordo com dados do Ministério da Educação, existem no Brasil 27,8 milhões de crianças matriculadas no ensino fundamental. Desse total, 15,7 milhões têm idade inferior a 10 anos. Do total, 18% estão em escolas privadas e 82% em escolas públicas. Ao todo, existem no país em torno de 200 mil escolas de ensino fundamental.
A mudança tira das empresas um canal importante na distribuição de refrigerantes, no momento em que a categoria apresenta retração. Dados do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), da Receita Federal, indicam uma queda de 3,7% na produção de refrigerantes no país, no acumulado entre os meses de janeiro e maio, para 5,84 bilhões de litros.
O fim da venda de refrigerantes nas escolas pode ajudar a estimular as vendas de sucos, uma categoria que no ano passado registrou queda de 3,7% em vendas no país, por conta da crise econômica, de acordo com a Nielsen.
Epidemia de cesarianas
23/06/2016 - Folha de S.Paulo
Há muito o Brasil se debate com o excesso de operações cesarianas em relação ao parto normal. Dez anos atrás, neste espaço, já se registrava a iniciativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de considerar tal excedente para rebaixar a avaliação de convênios de saúde.
Desde então, a situação só fez piorar. Se naquela altura 80% dos nascimentos no sistema de saúde privado ocorriam por via cirúrgica, hoje eles beiram 85% —mais que o dobro da taxa no SUS (40%). A média nacional fica em 55,6%, ou 1,6 milhão de cesáreas em 2,9 milhões de partos anuais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma proporção de 15%. Ajustada para as condições brasileiras, que incluem elevado número de mulheres que passaram por cesáreas, a taxa desejável seria de 25% a 30%.
Estamos, portanto, diante de uma epidemia, e ela se tem provado difícil de debelar. A cesariana, apesar de constituir a melhor indicação médica em algumas ocasiões, quando desnecessária implica riscos aumentados tanto para a mãe quanto para o bebê.
Seguidas tentativas de reverter esse quadro têm esbarrado em barreiras recalcitrantes, como costumam ser as de fundo comportamental. No mundo urbano contemporâneo, tanto mães como médicos parecem enxergar vantagens na cesariana, sobretudo por sua previsibilidade e duração.
O direito da paciente de escolher a via do parto e a autonomia do obstetra podem, no entanto, conflitar com os interesses do nascituro. Cabe ao poder público e à classe médica fixar os limites éticos das cesáreas eletivas, como tenta de novo fazer a recente resolução nº 2.144 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A normativa estipula que a cesariana por escolha da gestante não poderá ocorrer antes da 39ª semana de gestação. Ela segue um novo critério de maturidade fetal adotado em 2013 pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas.
Anteriormente, bebês eram considerados maduros já a partir da 37ª semana. Estudos indicaram, contudo, que cesarianas realizadas antes da 39ª aumentavam a incidência de problemas respiratórios nas crianças.
Há dúvidas, no entanto, quanto à eficácia da restrição em diminuir o excesso de cesáreas. A mesma recomendação do CFM faculta ao obstetra referenciar a gestante a outro profissional quando houver discordância entre médico e paciente —vale para a escolha tanto pela cirurgia quanto pelo parto normal.
‘Superanticorpo’ impede infecção por HIV em humanos
23/06/2016 - Folha de S.Paulo
O “coquetel” de drogas contra o vírus HIV, causador da Aids, protege os pacientes e prolonga a vida, mas não chega a ser uma cura.
Uma série de estudos recentes, publicados nas duas mais importantes revistas multidisciplinares de ciência do planeta, a americana “Science” e a britânica “Nature”, revelou que potentes anticorpos neutralizadores podem ter um efeito importante no controle da doença.
Os artigos, culminando com um divulgado nesta quarta (22) pela “Nature”, mostraram que os tais anticorpos, retirados de pacientes que têm naturalmente uma resistência maior ao vírus e então clonados, protegeram pacientes que deixaram de tomar as drogas antirretrovirais e podem mesmo estar engajando o sistema de defesa do organismo a voltar a combater o vírus.
Esse novo estudo que sai agora revelou dados de um ensaio clínico com 13 pacientes infectados com o HIV-1.
Pacientes que receberam quatro tratamentos como anticorpo neutralizador (conhecido como 3BNC117) em intervalos de duas semanas experimentaram uma média de demora no retorno do vírus de 9,9 semanas, comparados com registros históricos que mostram uma média de 2,6 semanas.
Essa linha de pesquisa poderá reverter no futuro um tratamento e uma forma de prevenção relativamente baratos para a doença, especialmente disseminada em países pobres da África.
“Os testes em modelos animais foram muito encorajadores, mostrando que os anticorpos podiam proteger contra a infecção”, disse à Folha o pesquisador brasileiro Michel Nussenzweig, imunologista na Universidade Rockefeller, em Nova York.
Nussenzweig é o líder do estudo publicado agora na “Nature”.Ele é filho da dupla de parasitologistas Victor e Ruth Nussenzweig, dois renomados médicos e especialistas em malária, que se mudaram para os Estados Unidos por conta de perseguições políticas durante o regime ditatorial de 1964.
E por que Michel não seguiu nas pegadas dos pais, pesquisando malária”? “É algo mais limitado. O que eu faço é um problema muito grande e interessante”, diz o filho de Victor e Ruth.
“Anticorpos têm propriedades adicionais, eles podem engajar o sistema imune em uma forma de imunoterapia —embora não seja uma vacina, é uma proteção semelhante a uma vacina”, diz o pesquisador, que preferiu conceder esta entrevista por telefone em inglês do que em português, da da sua maior familiaridade com a língua adotada para termos científicos.
Em um estudo anterior, também de autoria do brasileiro, macacos receberam uma injeção de anticorpos que garantiu 23 semanas de proteção.
É esse efeito a longo prazo que Michel Nussenzweige colegas procuram: obter terapias baratas e que possam ser aplicadas em locais com infraestruturas de saúde pública precárias, nota da mente na África. “Esse é o objetivo da Fundação Bill e Melinda Gates, que patrocina esses ensaios”, diz o brasileiro, eleito em 2011 para a Academia de Ciências dos EUA.
CLONANDO ANTICORPOS
O vírus HIV é notoriamente letal porque ataca justamente as células de defesa do organismo humano que deveriam impedir a infecção. É um tipo de “retrovírus”, muito simples geneticamente, mas perigoso especialmente por isso. Ele é capaz de múltiplas mutações e pode ficar dormente dentro de células humanas.
“As drogas antirretrovirais são ótimas e baratas, mas têm efeitos colaterais e não curam a doença”, diz o pesquisador brasileiro radicado nos EUA.
Mas uma parte dos pacientes tem atividade ampla de anti corpos contra o vírus HIV; algo já conhecido fazia vários anos. Faltava tentar usar essa descoberta em termos práticos, algo que Nussenzweig e colegas têm aperfeiçoado.
Os super anticorpos são conhecidos pela sigla em inglês bNAbs, de “broadlyneutralizing antibodies”(“anticorpos amplamente neutralizadores”).
Eles atacam diferentes alvos em uma proteína na superfície do vírus, agp 160,que lembra uma série de pregos ou “espigões” grudados na esfera que constitui o vírus.
O pesquisador brasileiro então desenvolveu um método particularmente eficaz para clonar esses super anticorpos dos pacientes especiais.
O novo estudo é delicado em termos éticos, pois inclui substituir uma terapia que funciona —o coquetel antiviral— por outra ainda em pesquisa. Os participantes foram informados dos riscos, pois pararam com a medicação dois dias depois da primeira injeção de anticorpos.
Um grupo recebeu uma dose inicial do anticorpo 3BNC117 e outra 21 dias depois; outro grupo, além da dose inicial, recebeu doses semelhantes 14, 28 e 42 dias depois, desde que não houvesse o retorno do vírus. Se houvesse retorno do vírus acima de um limite especificado, a nova terapia seria descontinuada e a antiga restabelecida.
Os resultados mostraram que 30% dos participantes continuaram sem a volta do vírus mesmo quando as concentrações de anticorpos tinham caído muito, e em apenas um caso o vírus emergente parecia ter alguma forma de resistência ao 3BNC117. Como escreveram os autores do estudo na “Nature”, isso demonstrou uma “forte pressão seletiva” sobre os vírus emergindo de seus reservatórios.
Zika faz encomendas de pílula abortiva dobrarem
23/06/2016 - Folha de S.Paulo
O medo do vírus da zika fez com que encomendas de pílulas abortivas disparassem em sete países da América Latina, segundo um estudo publicado no “New England Journal of Medicine”.
Uma organização que envia pílulas abortivas para mulheres que moram em regiões onde a prática é proibida ou restringida afirma que os pedidos vindos do Brasil, Equador e Venezuela teriam praticamente dobrado de volume.
O aumento, no entanto, não é suficiente para dizer que o número de abortos na região tenha aumentado por causa da zika, já que abortos feitos com pílulas enviadas dessa forma representam uma minoria do total de abortos.
Mesmo com o aumento da demanda, o número de pedidos vindos da América Latina e do Caribe no período estudado foi pequeno: pouco mais de 2.300 em toda a região, 1.600 deles vindos de países onde há risco de zika.
Por ano são feitos cerca de 6,5 milhões de abortos na América Latina e no Caribe, a maioria deles ilegais, e estima-seque 750 mil mulheres tenham complicações após esses procedimentos.
O estudo analisou pedidos de comprimidos feitos entre 17 de novembro de 2015 e e 2 de março de 2016.
Casos confirmados de bebês com microcefalia chegam a 1.616 no país
22/06/2016 - Folha de S.Paulo / Site
O Brasil já registra 1.616 casos confirmados de bebês com microcefalia, quadro geralmente associado à ocorrência de uma má-formação no cérebro durante a gestação.
O número representa um crescimento de 2% em relação aos dados divulgados na última semana, quando havia 1.581 confirmações.
Desde outubro, quando o aumento de casos de microcefalia começou a ser investigado no país, até 18 de junho, data dos dados mais recentes disponíveis, já foram notificados 8.049 casos de bebês com suspeita da má-formação. O alerta ocorre quando o perímetro da cabeça do bebê é menor do que o esperado.
Destes, 62,5% já passaram por exames para confirmar ou descartar o quadro.
Após a avaliação, 1.616 foram confirmados e outros 3.416 foram descartados –situação que ocorre quando os exames não apresentam alterações no cérebro do bebê ou apontam para um quadro de microcefalia não relacionado a infecções. Os demais casos ainda estão em investigação.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que está investigando "todos os casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central informados pelos estados, além da possível relação com o vírus zika e outras infecções congênitas".
Identificado no Brasil no início de 2015, o vírus da zika já foi confirmado em exames realizados em 233 bebês confirmados para o quadro de microcefalia, o que sugere uma infecção congênita -de mãe para filho.
A pasta, no entanto, diz considerar que houve infecção pelo zika "na maior parte das mães que tiveram bebês com diagnóstico final de microcefalia".
Gripe H1N1 já causou 1.003 mortes no Brasil
22/06/2016 - Folha de S.Paulo / Site
O Brasil já registra 1.003 mortes por complicações da gripe H1N1, um aumento de 13% em relação à última semana, quando havia 886 casos contabilizados.
É o maior número de mortes pelo vírus da gripe H1N1 já registrado depois da pandemia ocorrida em 2009, quando houve 2.069 mortes no país. Naquele mesmo ano, também foram contabilizados 50.482 casos graves relacionados ao vírus.
Antes, o recorde anterior pós-pandemia havia ocorrido em 2013, quando houve 768 mortes pelo vírus H1N1. Os dados são de novo boletim do Ministério da Saúde, divulgado nesta quarta-feira (22). O balanço traz informações registradas entre 1º de janeiro até 11 de junho.
Para especialistas, a epidemia antecipada e as mudanças climáticas são alguns dos fatores que ajudam a explicar o aumento de casos. Neste ano, a epidemia de gripe começou ainda no primeiro trimestre –ou seja, mais cedo do que o esperado para o aumento de casos, situação que ocorre geralmente com o início do inverno.
O vírus H1N1 também tem sido predominante entre os registros de casos graves de gripe neste ano. Ao todo, ele responde por 85,5% dos atendimentos contabilizados por meio das internações na rede de saúde.
Desde janeiro até 11 de junho, já são 6.096 casos de síndrome aguda respiratória grave por casos de gripe, situação que ocorre quando há sinais de agravamento dos sintomas, como falta de ar. Destes, 5.213 foram pelo vírus H1N1. São Paulo responde por cerca de metade dos casos, seguido do Rio Grande do Sul e Paraná.
VACINAÇÃO
O aumento de casos graves e mortes por H1N1 neste ano já faz com que o Ministério da Saúde estude antecipar a campanha nacional de vacinação contra a gripe em 2017. Geralmente, ela ocorre entre abril e maio.
A ideia é que, com a vacinação antecipada, a população já esteja protegida também mais cedo contra alguns tipos de vírus da gripe. Além do H1N1, a vacina protege contra o vírus H3N2 e influenza B.
O governo também estuda ampliar a faixa etária para a qual a vacina é indicada. Hoje, a imunização anual está disponível na rede pública apenas para grupos considerados de maior risco de complicações da doença.
São eles: idosos, crianças de seis meses a cinco anos, gestantes e mulheres que deram à luz há até 45 dias, trabalhadores de saúde, povos indígenas, presos, funcionários do sistema prisional e pessoas com doenças crônicas.
Anvisa vai regular alimentos integrais
23/06/2016 - O Estado de S.Paulo
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai passar a regular um mercado considerado promissor pela indústria alimentícia: o de produtos integrais. Embora recomendados por médicos e nutricionistas, alimentos vendidos no Brasil com essa classificação muitas vezes apresentam em sua composição predominantemente ingredientes processados. São integrais apenas no nome.
A decisão de regular o tema foi aprovada na última reunião da diretoria da agência. “O consumidor tem de ter o máximo de informação para poder diferenciar alimentos e não ser enganado”, afirmou o presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa. A proposta, explicou, é trazer critérios mínimos para que produtos possam se declarar como integrais.
A expectativa é de que o texto proposto traga também regras específicas para acertar as embalagens.
A partir de agora, técnicos vão preparar um texto de resolução, que em uma outra etapa deverá ser colocado em consulta pública. “Produtos integrais geralmente são mais caros. Não podemos permitir que o consumidor seja induzido ao erro, gaste mais para comprar um alimento com qualidade nutricional diferente do que ele imaginava”, avaliou Barbosa.
A movimentação da Anvisa não é sem motivo. Uma pesquisa feita neste ano pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) com 14 biscoitos vendidos no Brasil como integrais demonstrou que apenas três continham de fato farinha de trigo ou cereal integral como principal ingrediente.
O levantamento, feito com base na análise das tabelas nutricionais estampadas nas embalagens dos alimentos, mostrou que outros seis produtos apresentavam farinha integral, mas em uma quantidade menor do que outros ingredientes. A análise mostrou ainda que cinco das marcas de biscoitos não apresentavam nenhum cereal integral na formulação, embora fossem vendidas como tal. Em vez disso, traziam farelo ou fibra de cereal – uma tática que não garante as mesmas qualidades que as proporções originais.
“Como não há uma regulação específica, o fabricante dá o nome para o produto que quiser.
Eles não cometem nenhum tipo de infração”, afirmou a pesquisadora do instituto, a nutricionista Ana Paula Bortoletto.
O Estado procurou a Associação Brasileira de Indústria Alimentícia (Abia) para comentar a iniciativa da Anvisa, mas sem sucesso. Enquanto uma regulação sobre o tema não é feita no Brasil, Ana Paula recomenda que pessoas analisem as tabelas nutricionais antes de comprar produtos. “No caso de biscoitos e pães, por exemplo, o ideal é que farinha integral seja o primeiro item da lista”, disse Ana Paula. Isso porque a tabela é feita de forma a destacar os produtos em ordem de proporção. O primeiro da lista é o que apresenta maior quantidade.
ENGANAÇÃO
Foi depois de começar uma reeducação alimentar que a fez perder 30 quilos que a assessora de marketing Ana Cláudia Gonçalves dos Santos Barbosa, de 40 anos, descobriu que nem sempre um produto vendido como integral tinha os ingredientes em proporção correta. “Cansei de comprar pão integral, pão com grãos ou produtos sem glúten para depois descobrir que eles tinham mais farinha branca ou, então, que eram cheios de gordura hidrogenada”, conta.
Quando iniciou a dieta, em dezembro do ano passado, Ana Cláudia passou a pesquisar na internet a composição adequada de cada tipo de alimento. “Se o produto se diz integral, o primeiro ingrediente tem de ser a farinha integral. Só que comecei a reparar que, na verdade, o primeiro ingrediente que aparecia era farinha de trigo comum enriquecida com algum componente, ou seja, uma enganação”, diz ela.
Com a ajuda profissional de um médico e de uma nutricionista, ela passou a buscar produtos que realmente continham em sua composição ingredientes mais saudáveis.“Vireia‘ louca do rótulo’. Eu leio todos e até diminuí o número de produtos industrializados que compro.
Aprendi a fazer meu próprio pão em casa, por exemplo”, conta a assessora de Marketing.
Para a empresária Stela Megna, de 32 anos, que começou a consumir mais alimentos integrais após problemas no sistema digestivo, há três meses, é importante que a Anvisa fiscalize o setor. “Comecei a mudar minha alimentação, mas vi que a maioria dos produtos que se dizem integrais não tem uma composição tão saudável assim”, diz. “Se a gente não prestar atenção nas letras pequenas do rótulo, acaba enganada mesmo”, completa.
Pacientes sofrem com UPAs sem médicos
23/06/2016 - O Globo
Lançadas como solução para desafogar os hospitais públicos, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do estado estão sem médicos, faxineiros e até sem medicamentos, por causa da crise financeira. Ontem, a auxiliar de serviços gerais Alessandra dos Santos Alves, de 36 anos, bateu à porta da UPA de Bangu com a filha, Nicole, de 4 anos, ardendo em febre. Nem passou pela triagem. Mal chegou, foi informada por um funcionário de que os atendimentos estavam suspensos porque nenhum médico havia comparecido ao trabalho. Também não havia auxiliares de enfermagem, remédios para serem oferecidos aos pacientes ou pessoal para fazer a limpeza de salas e ambulatórios.
Aconselhada a procurar a UPA de Realengo, Alessandra encontrou por lá um cenário parecido: havia apenas dois médicos (um pediatra e um clínico geral). Já os funcionários da limpeza, sem receber salários, não tinham comparecido. Como a filha continuava passando mal, ela decidiu juntar-se a dezenas de pacientes que aguardavam atendimento desde cedo, sentados numa sala cheirando a vômito e com lixo espalhado pelo chão.
De acordo com o Sistema Informatizado de Controle de Escalas de Serviço da Secretaria estadual de Saúde, ontem, a partir das 7h, oficialmente havia três clínicos gerais e dois pediatras de plantão até as 19h nas duas UPAs.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL CULPA DÍVIDAS
A organização social Lagos Rio, que administra as duas unidades, admitiu que ontem elas “operaram de forma restrita, atendendo apenas às demandas com classificação de risco de pacientes amarelos e vermelhos”. Ou seja: apenas quem chegava em estado grave era atendido. Segundo a OS, a culpa é dos atrasos nos pagamentos e das dívidas acumuladas pelo governo. A Lagos Rio disse que vem tendo dificuldades para depositar salários e quitar seus débitos com fornecedores.
Como ontem só havia um pediatra, Alessandra foi avisada pela equipe de triagem que não havia previsão para atendimento da menina. Chegou à UPA de Realengo pouco antes das 9h e às 13h ainda estava na recepção, esperando ser chamada. Para enganar a fome, mãe e filha comeram biscoitos.
— O serviço piorou muito. Já estive aqui umas duas vezes ano passado, e a UPA não era tão suja — lamentou.
Outras sete mulheres aguardavam atendimento desde cedo com os filhos no colo. A dona de casa Evani Nunes, de 25 anos, mãe de Lara, de 2, chegou a Realengo às 9h. Até o início da tarde, não tinha conseguido entrar na sala do pediatra com a menina.
— Minha filha está com tosse e muito catarro. Disseram que não há previsão de atendimento, porque a prioridade são as emergências. Estive aqui dois meses atrás e fui atendida logo, por isso voltei. Vou esperar porque minha filha não está bem — disse Evani.
O ambiente sujo piorava o sofrimento. Segundo pacientes, mais cedo, uma mulher se sentira mal e vomitara no chão da sala de espera. Sem funcionários para fazer a limpeza, alguém jogara um pouco d’água no local para tentar reduzir o mau cheiro.
— Está uma bagunça. E olha a sujeira. Tem de tudo no chão, até algodão com sangue — mostrou o feirante Paulo Roberto Dias Pacheco, de 57 anos, morador de Realengo, apontando para uma poça em que havia restos de material usado em curativo, incluindo uma seringa e luvas descartáveis.
Do lado de fora da unidade, o cenário de sujeira e abandono se repetia. No gramado, havia latas de refrigerante, pacotes de biscoito, copos plásticos e até uma fralda usada. O aposentado Joaquim Julio da Silva, de 63 anos, ficou horrorizado com a imundície no banheiro masculino.
— Tudo sujo, papel higiênico no chão, um cheiro horrível. Tive que prender a respiração para conseguir entrar — disse Joaquim.
Em nota, a OS disse reconhecer “o empenho da Secretaria de Estado de Saúde em buscar a regularização do repasse mensal, em meio à grave crise financeira (...), e que prioriza o pagamento de salário dos funcionários”. Afirmou ainda que mantém diálogo com o órgão e que ambos estão “empenhados para, até o fim da semana, quitar parte da dívida com fornecedores e retomar a normalidade no atendimento”. A OS não quis informar qual o valor da dívida do governo estadual.
Já a Secretaria estadual de Saúde afirmou que “todas as organizações sociais estão recebendo repasses mensais”. E acrescentou: “A secretaria reconhece a existência de débitos anteriores e vem solicitando às OSs que priorizem o pagamento de seus funcionários e a manutenção dos serviços. Vale lembrar que a secretaria vem trabalhando com 30% dos recursos previstos, tendo em vista a grave crise financeira do estado. É importante reforçar que todos os recursos disponíveis para a pasta estão sendo destinados, como prioridade, para a manutenção do funcionamento das unidades de saúde”.
UPAS TIVERAM QUE REDUZIR CUSTOS
Segundo o órgão, este ano, a OS Lagos Rio recebeu R$ 5,8 milhões referentes à UPA de Realengo, sendo que o último pagamento, no valor de R$ 600 mil, foi realizado em junho. Ainda de acordo com a secretaria, em 2016 já foram pagos outros R$ 6,7 milhões referentes ao contrato da UPA de Bangu, com o último pagamento, no valor de R$ 500 mil, tendo sido feito em junho. O órgão reconhece “que há problemas” e diz estar trabalhando “no sentido de regularizar os repasses para a OS até esta sexta-feira (amanhã)”. Destaca ainda “que todas as unidades da rede estadual seguem em funcionamento”.
Em janeiro, por causa da crise financeira, a Secretaria estadual de Saúde estabeleceu que as OSs, que administram 29 UPAs, só podem gastar até R$ 1 milhão por mês com custeio, pagamento de funcionários, exames e medicamentos. A redução de valores faz parte de um plano de restruturação anunciado pelo secretário Luiz Antônio Teixeira Júnior. O governo decidiu, por exemplo, que nenhum doente ficará mais de 12 horas em qualquer uma das UPAs (embora elas continuem a funcionar 24 horas por dia). Segundo o secretário de Saúde, as novas medidas representarão uma economia de cerca de R$ 250 milhões do total de R$ 1,2 bilhão que o estado quer reduzir este ano nos gastos da área. A ideia é diminuir custos com o fim da internação.
A falta de receitas na saúde levou a uma situação de caos no setor em dezembro, quando ocorreu a suspensão do atendimento nos principais hospitais do Rio, como o Getulio Vargas, na Penha, o Hospital da Mulher, em São João de Meriti, e o Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. Até os transplantes chegaram a ser suspensos no Hospital São Francisco da Providência de Deus, na Tijuca.
HIV sob controle sem antirretroviral
23/06/2016 - Correio Braziliense
Controladores de elite são indivíduos infectados com HIV que respondem à infecção com uma atividade imunológica ampla, potente e exclusiva. Reação que, muitas vezes, dispensa o uso de medicamentos para conter a contaminação. Métodos de clonagem celular descobriram a origem desse superpoder: os anticorpos amplamente neutralizantes (bNAbs). Ao contrário de anticorpos normais, esses agentes especiais são peritos em atacar peculiaridades do envelope que reveste e protege o vírus causador da Aids, sobretudo as proteínas que cuidam da entrada do HIV nas células humanas.
Na edição de hoje da revista Nature, pesquisadores da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos, mostram que é possível reproduzir por até dois meses e meio a mesma resposta imune dos controladores de elite em pacientes comuns cronicamente infectados e que não ingerem antirretrovirais. O estudo, que detalha a ação do novo tratamento em um ensaio clínico de fase 2 com 13 soropositivos, contribui para iniciativas que busquem prevenir, tratar e até mesmo curar o HIV.
Os tratamentos com antirretrovirais podem diminuir e deixar indetectável a carga viral em soropositivos. No entanto, uma vez que o tratamento é interrompido, o HIV pode reemergir em grande quantidade de santuários escondidos dentro do próprio paciente, fenômeno chamado de efeito rebote. “Os remédios combatem apenas os vírus que estão na corrente sanguínea, não aqueles escondidos nos santuários. Isso significa que, se eu paro a medicação, os escondidos saem do estado de latência e dos santuários e voltam ao sangue, onde podem invadir outras células e se replicar”, explica Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília.
Os reservatórios, diz o médico, não são estanques. “Funcionam como uma espécie de depósito que mantém constante troca com a corrente sanguínea, liberando vírus de tempos em tempos. No entanto, quando o paciente é medicado, esse vírus não consegue invadir a célula e acaba morrendo. Mas, sem a medicação, essa infecção volta e se alastra”, completa Chebabo, que também é chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
BEM TOLERADA
Testando novas formas de conter o efeito rebote, o pesquisador Michel Nussenzweig investigou a ação e a segurança do bNAb 3BNC117, que foi isolado e clonado a partir de anticorpos doados por um controlador de elite. Da amostra, cientistas criaram uma espécie de medicamento, ou vacina, aplicado em dois grupos de voluntários durante períodos diferentes. Os seis pacientes do grupo A ingeriram duas doses de 30mg/kg de 3BNC117 no início e no fim de três semanas. No grupo B, sete participantes receberam quatro doses de 30mg/kg do anticorpo a cada duas semanas, durante um mês e meio.
Os resultados foram, de forma geral, animadores. Todos os participantes do grupo A conseguiram manter, no primeiro mês, cargas virais abaixo de 200 cópias/ml de plasma, um valor saudável; e alguns apresentaram rebote entre cinco e nove semanas após a interrupção do medicamento. No grupo B, o rebote ocorreu de três a 19 semanas após a suspensão dos antirretrovirais, e em 57% dos participantes houve supressão viral de pelo menos 10 semanas.
O tempo médio de rebote foi de 6,7 semanas no grupo A; de 9,9 semanas no grupo B; e de 8,4 semanas nos dois grupos. Em média, o efeito demora apenas 2,6 semanas para se manifestar em pacientes que não fazem uso de medicamentos nem da nova terapia com anticorpos. “Mesmo durante o rebote, nenhum dos participantes apresentou infecção aguda e a viremia foi suprimida para abaixo de 20 cópias/ml (indetectável) em todos eles, de duas a sete semanas após a reintrodução dos medicamentos”, conta Nussenzweig. “Nós concluímos, com isso, que infusões de 30mg/kg de 3BNC117 durante a suspensão dos medicamentos é segura e bem tolerada.”
AÇÕES COMBINADAS
Segundo o pesquisador, a nova terapia bloqueia a emergência de vírus dos reservatórios, mas outras pesquisas são necessárias para determinar se o anticorpo 3BNC117 também pode influenciar o tamanho e a composição dos vírus dormentes nos reservatórios durante a terapia. Nussenzweig acrescenta que, em relação a outros bNAbs, o 3BNC117 parece ser mais eficaz, talvez pela potência ampliada ou pela meia-vida maior.
“Apenas um genótipo viral mostrou uma resistência ao nosso anticorpo e, por causa dele, o rebote ocorreu mais cedo em muitos dos casos. Esses vírus representam variantes preexistentes dormentes que emergem dos reservatórios latentes”, conta. Para Nussenzweig, combinações de bNAbs serão indispensáveis para aumentar a frequência de indivíduos com cargas indetectáveis após a suspensão de medicamentos. Atualmente, combinações de antirretrovirais são necessárias para manter a supressão viral nos tratamentos tradicionais, e estudos anteriores mostraram que dosagens conjuntas de anticorpos foram importantes para suprimir a viremia em ratos.
Apesar de não serem definitivos, o infectologista Alberto Chebabo considera os resultados promissores. “Os pesquisadores precisam, agora, resolver esses casos de reinfecção que ocorrem após períodos curtos, mas, mesmo assim, já sinalizam que teremos uma estratégia para utilizar em pacientes que, por algum motivo, precisam suspender a medicação”, analisa. Essas razões podem ser intolerância à droga, alergia, cirurgias, traumas e quadros de doenças graves não associadas ao HIV, por exemplo o acidente vascular cerebral (AVC). “Esses casos exigem que a gente suspenda a medicação por algum tempo, e esse anticorpo seria uma alternativa que não aumentaria o risco de resistência à reintrodução dos remédios, beneficiando muito os pacientes”, completa o especialista.
Teremos uma estratégia para utilizar em pacientes que, por algum motivo, precisam suspender a medicação (...) Esse anticorpo seria uma alternativa que não aumentaria o risco de resistência à reintrodução dos remédios, beneficiando muito os pacientes”
Alberto Chebabo, Palavra do especialista
FOCO NOS SANTUÁRIOS
“A tendência de tratamento é tentar desalojar o vírus latente nos santuários. O que muitos pesquisadores buscam é remover os vírus de lá com medicamentos ou estímulos para o sistema imunológico. Uma forma de fazer isso é dando uma ‘chacoalhada’ na célula que serve como reservatório e que sequer sabe que está infectada. Isso forçaria o vírus a se multiplicar e sair dela. Dessa forma, poderíamos capturá-lo com medicamentos ou anticorpos especiais como esses estudados agora. Já existem medicamentos que estimulam as células santuário e obrigam os vírus a se expor na corrente sanguínea. Antes que eles possam invadir outras, são neutralizados pelo próprio sistema de defesa por vacinas ou anticorpos. É o caminho que todos perseguem e acredito que esse estudo da Nature pode contribuir nesse sentido.”
Antônio Luiz Chaves Gonçalves, professor de infectologia da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ)infectologista.
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