Zika chegou ao país em 2013, e pode ter sido na Copa das Confederações
25/03/2016 - Folha de S.Paulo
O primeiro paciente infectado pelo vírus da zika no Brasil foi oficialmente identificadoemmaiode2015, mas um estudo feito por mais de meia centena de pesquisadores — a maioria deles brasileiros — demonstrou que o primeiro caso no país surgiu bem antes, entre maio e dezembro de 2013.
O artigo com o resultado foi publicado nesta quinta (24) pela prestigiosa revista científica “Science”.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram o material genético de vírus de sete pacientes diferentes (veja infográfico).
O trabalho foi realizado por uma equipe internacional, liderada pelos pesquisadores do Instituto Evandro Chagas, de Ananindeua (PA) —Nuno Rodrigues Faria, Marcio R. T.
Nunes e Pedro Fernando da Costa Vasconcelos—e por Oliver G. Pyvus, da Universidade Oxford, Reino Unido. Também participaram cientistas de outras instituições do Brasil, dos EUA e do Canadá.
A rápida difusão do vírus no país foi uma surpresa, diz Vasconcelos. “Nós pensávamos que o vírus teria entrado no Brasil em 2014, possivelmente durante a Copa do Mundo. Mas as análises evolutivas e filogeográficas mostraram que ele foi introduzido mais de um ano antes do primeiro diagnóstico oficial”, diz o pesquisador.
“Isso aconteceu por conta das epidemias simultâneas de dengue e chikungunya no Brasil, arboviroses que têm quadro clínico muito parecido com o zika. Além disso, cerca de 80% das infecções são assintomáticas. Esses dois fatores contribuíram para a dispersão silenciosa do zika no Brasil”, afirma ele.
Os autores também afirmam que o vírus que circula no país foi importado da Polinésia Francesa, após compararem os resultados com amostras de vírus de outras regiões infectadas.
Além da semelhança dos genomas dos diferentes vírus, há um dado adicional apoiando a conexão com a Polinésia Francesa: o período teve um número significativamente maior de viajantes entre o Brasil e essas ilhas no oceano Pacífico.
A origem via Pacífico é particularmente curiosa, pois haveria uma opção Atlântica igualmente viável ou até mais provável. O vírus foi primeiro identificadoem1947nafloresta de Zika, em Uganda, África. Depois, foi introduzido na Ásia e Oceania. Faria mais sentido que chegasse ao Brasil via África, de onde chegam bem mais viajantes do que da Polinésia.
Mas eventos recentes, notadamente esportivos, aumentaram a vinda de viajantes no Brasil, incluindo bom número adicional do Pacífico, que devem ter introduzido aqui sua versão do vírus.
Um artigo científico assinado no ano passado por pesquisadores da Polinésia Francesa sugeria que o zika teria aportado no Rio de Janeiro com participantes do Va’a World Sprint, campeonato mundial de canoagem realizado em agosto de 2014.
A nova data fez os cientistas levantarem a hipótese de que o vírus tenha entrado via Copa das Confederações, que ocorreu em 2013 e incluiu uma seleção do Taiti, na Polinésia Francesa. A seleção taitiana jogou em Recife, perto do epicentro da epidemia brasileira. Mas não há como provar isso conclusivamente.
Os pesquisadores encontraram ainda algumas diferenças entre os vírus de diferentes regiões do país, como São Paulo, Pará ou Maranhão.
“As diferenças entre os vírus estão relacionadas com o fato de que o vírus da zika, tal como todos os outros vírus da mesma família, evolui rapidamente. A velocidade de mutação do zika no Brasil é portanto típica e semelhante a velocidade de mutação, por exemplo, do vírus da dengue”, diz Faria.
Por causa da urgência em lidar com a epidemia, o esforço de pesquisa envolveu mais de cinquenta cientistas de quatro países.
“Quando estamos perante uma epidemia ‘explosiva’ — nas palavras da diretora da OMS —, precisamos de um conjunto de pesquisadores que trabalhem com objetivos bem definidos para entregar resultados o mais rapidamente possível. Importante também ressaltar que o trabalho é multidisciplinar e inclui várias especialistas em áreas distintas”, acrescenta Faria.
EUA pedem que casais com zika adiem gravidez
26/03/2016 - Folha de S.Paulo
Governos têm optado pela precaução ao recomendar que casais adiem planos de engravidar. O CdC (Centro de Controle e Prevenção de doenças) dos EUA publicou nesta sexta(25) diretrizes com recomendações sobre quanto tempo homens e mulheres diagnosticados com o vírus da zika devem esperar para ter filhos.
De acordo com o texto, mulheres com zika devem aguardar pelo menos oito semanas após o aparecimento dos sintomas antes de tentar engravidar. Já os homens devem esperar ao menos seis meses.
Pessoas de ambos os sexos que podem ter sido expostas ao vírus devem esperar ao menos oito semanas para conceber, mesmo sem um diagnóstico confirmado da doença.
As recomendações são baseadas em informações ainda bastante limitadas sobre a duração do vírus no sangue e no sêmen.
A ligação entre o vírus da zika e a microcefalia ainda não foi provada, mas há cada vez mais evidências sugerindo uma relação entre os dois.
Segundo o CdC, profissionais de saúde devem encorajar casais que moram ou estiveram em áreas de transmissão ativa do vírus a adiar a gravidez por motivo de precaução.
No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça-feira (22) uma resolução que determina a realização de testes de zika em clínicas de reprodução assistida no país.
Pela norma, doadores de sêmen ou óvulos e casais que buscam a fertilização in vitro devem passar pelo teste.
Segundo estudo publicado na revista médica inglesa“ Lancet” em março, a microcefalia atingiria cerca de 1% das grávidas infectadas pelo vírus da zika.
O estudo usou como base o surto de zika que acometeu a Polinésia Francesa entre outubro de 2013 e abril de 2014.
Médico reprovado em 'provão' terá cursinho de graça
26/03/2016 - Folha de S.Paulo
Quase 80% não sabem interpretar um exame laboratorial de insuficiência renal. Dois terços erram nos tratamentos de asma em crianças e do tipo mais frequente de infarto em adultos. Mais da metade não sabe reconhecer um caso de hipertireoidismo.
Quase metade dos recém-formados em escolas médicas paulistas reprovados no exame do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP), por errarem questões básicas como os exemplos acima, terão uma "segunda chance" de melhorar o seu desempenho profissional.
A partir da próxima semana, o Cremesp, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, oferecerá cursos on-line gratuitos aos formandos de medicina que não foram aprovados no "provão" do conselho.
Segundo Braulio Luna Filho, presidente do Cremesp, o conteúdo dos cursos levou em conta temas e áreas em que os egressos apresentaram mais dificuldade, como clínica médica (51% de acertos), saúde pública (53%), pediatria (62%) e ginecologia e obstetrícia (68%).
"É o que podemos fazer para aqueles que foram muito mal, que acertaram 20%, 30% das provas", diz Luna Filho. Por força de lei, o Cremesp não pode impedir que esses médicos ingressem no mercado de trabalho.
Para ele, a oferta do curso é uma tentativa de proteger a população de "um indivíduo que não tem condições de exercer a profissão". "As escolas médicas formam mal e lavam as mãos", afirma.
De 2.726 formandos que participaram do exame do ano passado, 48% não alcançaram a nota mínima. Ou seja, acertaram menos de 60% das 120 questões da prova, índice que o Cremesp considera mínimo para a aprovação.
Entre os formados em faculdades públicas paulistas, a reprovação foi de 26%. Já entre os cursos de medicina privados, esse índice sobe para 59%.
Para terem acesso ao reforço de graça, os egressos reprovados receberão cupons individuais (e intransferíveis) que dão direito aos cursos do Portal Educação do Cremesp, e serão acompanhados para avaliar se superaram dificuldades em temas específicos.
CRITÉRIO EM USO
Todo conteúdo foi elaborado pelo hospital Albert Einstein, que já adota a prova do Cremesp como condição para a contratação de novos médicos.
Várias instituições de ensino paulistas também passaram a considerar a participação do egresso no exame como critério de seleção em programas de residência médica.
As secretarias estadual e municipal de Saúde de São Paulo, por sua vez, começaram a exigir a inscrição no exame em concursos para seleção de médicos.
O mesmo também passou a ser utilizado no credenciamento de jovens médicos por diversas operadoras de planos de saúde atuantes no Estado de São Paulo.
O curso on-line voltado aos reprovados do "provão" integra um novo portal do Cremesp voltado à atualização e revisão continuada da medicina, com aulas e palestras e de cursos à distância desenvolvidos em parceria com outras instituições.
Mas apenas os médicos reprovados é que terão acesso gratuito aos cursos.
Governo deveria dar educação sexual na campanha de zika
26/03/2016 - Folha de S.Paulo
As campanhas de combate ao mosquito Aedes aegypti contra a propagação do vírus da zika devem incluir educação sexual e prevenção à gravidez indesejada. Essa é a avaliação da professora argentina Andrea Gamarnik, 51, chefe do laboratório de Virologia Molecular da Fundação Instituto Leloir, em Buenos Aires, e pesquisadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas, órgão ligado ao Ministério de Ciência da Argentina.
"Recomendar às mulheres que não fiquem grávidas é uma mensagem vazia", afirma Gamarnik. "Se a maioria das vítimas do vírus da zika vive em lugares onde há pobreza e poucos recursos, creio que seja importante investir esforços em educação sexual e em programas para evitar a gravidez indesejada."
A cientista dedica-se a escrutinar a dengue, concentrando-se na maneira como o vírus infecta as células e se multiplica. Graças aos resultados de sua pesquisa, empresas como a Roché e a Novartis desenvolvem vacinas e antivirais, em fase de testes.
A importância do trabalho de Gamarnik foi reconhecida pelo programa L'Oréal - Unesco Para as Mulheres na Ciência, que premia cientistas do mundo todo.
Neste ano, foram celebradas cinco responsáveis por análises no campo genético e no controle de propagação dos vírus HIV, da gripe aviária e da dengue. Como representante da América do Sul, Gamarnik lembrou que, ainda hoje, há diferença de gênero na profissão, com 80% dos postos de comando ocupados por homens.
Gamarnik falou à Folha sobre o zika, o pior surto de dengue da região e o machismo em sua área de atuação em Paris, onde ocorreu a cerimônia de premiação, na última quinta (24). Confira trechos da entrevista.
VÍRUS DA DENGUE
Há 15 anos tentamos entender como o vírus da dengue se replica. Estudamos o modo como ele infecta as células, se multiplica e a maneira pela qual ele passa do mosquito para o ser humano.
A primeira descoberta importante que fizemos foi de como o vírus passa de uma molécula de material genético para milhares de vírus. Desvendamos o mecanismo molecular pelo qual ele se multiplica. Essa estrutura se aplica a toda a família dos flavivírus, entre eles, muitos patógenos humanos, como o vírus da zika e a febre amarela.
O vírus da dengue é uma partícula muito sensível. Tem uma só molécula de RNA, protegida por uma membrana. Quando o vírus infecta uma célula, ele incorpora o material genético ali dentro, seja ela a do mosquito ou a de um humano. Depois, ele tem de multiplicar essa matéria para gerar muitos vírus. Nós descobrimos como uma proteína é capaz de reconhecer essa molécula e copiá-la.
CAUSAS DO SURTO
A dengue infecta 390 milhões de pessoas por ano no mundo todo, e hoje vivemos uma das piores epidemias de todos os tempos. Havia dois países da América Latina livres da doença, o Uruguai e o Chile, que agora também têm casos. Isso foi provocado por um somatório de fatores, como as mudanças climáticas, a adaptação do mosquito e a falta de água potável, que leva as pessoas a juntarem água.
A urbanização desorganizada está associada ao aumento da população de Aedes aegypti, bem como a pobreza.
VACINA CONTRA A DENGUE
As informações que produzimos têm sido usadas para criar antivirais e também vacinas. Temos relacionamento com laboratórios do Brasil, dos EUA, da Europa, e temos desenvolvido ferramentas com empresas de biotecnologia para a busca de antivirais.
ZIKA X DENGUE
São dois vírus com características muito parecidas no que diz respeito à biologia e à forma de transmissão.
Mas pode ser que o zika seja transmitido por outras vias que não somente o mosquito, e isso é muito diferente da dengue. Se for confirmado que o zika é transmitido sexualmente, e se for ele também a causa de malformação nos fetos, isso coloca as mulheres numa situação de alta vulnerabilidade.
TRANSMISSÃO SEXUAL DO ZIKA
Na minha opinião, iniciar uma campanha para as mulheres não engravidarem é uma mensagem vazia. Se a maioria das mulheres vítimas do vírus do zika vive em lugares onde há poucos recursos e, às vezes, ficam grávidas sem desejar, dizer que não fiquem é quase uma falta de respeito.
Acredito que os governos deveriam investir esforços em educação sexual, algo fundamental para evitar uma gravidez inesperada.
PREVENÇÃO DE EPIDEMIAS
Há muitos vírus que são selváticos, estão entre os mosquitos, nas florestas, e não entre os humanos ainda. Os cientistas deveriam se focar em como os vírus evoluem e como essas viroses funcionam na natureza para serem capazes de preveni-las.
MULHERES NA CIÊNCIA
Ainda hoje, há discriminação contra as mulheres e diferenças de gênero no desenvolvimento dentro da carreira científica. Quando fazia meu PhD, em Buenos Aires, nos anos 1980, escolhi um laboratório para estudar. Soube depois que ele não aceitava estudantes mulheres. Apenas após um ano e meio ele me aceitou.
Em diferentes situações sou a única mulher presente. Esse prêmio nos faz questionar por que há 80% de homens em altos postos na ciência.
Mosquitos transmitem 37 vírus no País; mais 3 doenças já registram surtos locais
27/03/2016 - O Estado de S.Paulo
Após o vírus zika surpreender o País e o mundo com sua rápida disseminação e possível associação com a microcefalia, especialistas brasileiros alertam para os riscos de outras doenças transmitidas por mosquitos, as chamadas arboviroses. Nas últimas três décadas, dobrou o número de arbovírus catalogados no Brasil. Segundo registros do Instituto Evandro Chagas, órgão referência em medicina tropical e vinculado ao Ministério da Saúde, já circulam no território nacional 210 arbovírus, ante 95 na década de 1980. Pelo menos 37 são capazes de provocar doenças em humanos e três deles chamam a atenção por já terem causado pequenos surtos em áreas urbanas.
Uma delas é a febre do Mayaro, doença com sintomas parecidos com os da chikungunya e transmitida por mosquitos do gênero Haemagogus, mesmo vetor da febre amarela silvestre. A arbovirose já foi registrada em vários Estados do Norte e Centro-Oeste. Os mais recentes dados epidemiológicos disponíveis no site do Ministério da Saúde mostram que, entre dezembro de 2014 e junho de 2015, foram 197 notificações distribuídas por nove Estados brasileiros. Não há registros de mortes provocadas pela doença, mas, assim como na chikungunya, os infectados podem permanecer com dores articulares por semanas ou meses.
Caracterizada por quadros febris altos e dores intensas de cabeça, a febre do Oropouche é outra arbovirose que já causa surtos localizados, sobretudo em Estados da região amazônica, até mesmo em bairros de capitais como Manaus e Belém. Transmitida por um mosquito conhecido como maruim, do gênero Culicoides, a doença já foi notificada nas últimas décadas em todas as regiões brasileiras, com exceção do Sul, e também não costuma levar à morte.
Há ainda a encefalite de Saint Louis, doença transmitida principalmente por mosquitos silvestres do gênero Culex – o mesmo do pernilongo comum –, que pode causar comprometimento neurológico e já foi responsável por um surto em São José do Rio Preto, no interior paulista, em 2006.
De acordo com o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas e pesquisador participante do grupo que catalogou boa parte dos arbovírus no País, embora essas três doenças sejam transmitidas principalmente por insetos silvestres de diferentes gêneros (mais informações nesta página), há experimentos científicos que já indicam que mosquitos Aedes também teriam capacidade de transmiti-las.
“No caso da febre do Oropouche, por exemplo, o Aedes nunca foi encontrado infectado na natureza, mas um estudo experimental em laboratório mostrou que ele pode ser vetor dessa doença e que seria um bom transmissor”, afirma o especialista.
RISCOS
Segundo Vasconcelos, o fato de os três vírus estarem presentes no Brasil há mais de 60 anos – eles foram isolados entre as décadas de 1950 e 1960 – sem terem causado epidemias de alcance nacional não permite dizer que nunca farão estragos. “Eu não quero ser pessimista, mas o zika passou 60 anos no mundo sem causar nenhum problema e vimos o que aconteceu (foi descoberto em 1947 na África). Não dá para dizer que esses três vírus não provocarão nenhum problema por já estarem no Brasil. Pode ser que nunca causem, mas é bom não duvidar”, diz o diretor do Instituto Evandro Chagas, que cobra mais pesquisas na área.
“Dos 210 arbovírus catalogados no Brasil, há esses 37 que já comprovamos que causam doença em humanos, mas, do restante, a maioria a gente desconhece completamente”, diz.
Para o especialista, a diversidade de vírus transmitidos por mosquitos reforça a importância de combate aos criadouros. “O desenvolvimento de vacinas deve ser feito, mas acredito que o controle vetorial é mais importante hoje”, defende.
Tipo de linfoma responde melhor a tratamento
25/03/2016 - Folha de S.Paulo
Linfomas são tumores das células de defesa, os linfócitos, que podem ser do tipo T, B ou NK. O câncer de Pezão —linfoma não-Hodgkin tipo T — é menos frequente e tende a ser mais grave que o tipo B, segundo Phillip Scheinberg, chefe de hematologia clínica do centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (Beneficência Portuguesa).
A doença geralmente começa nos gânglios, mas pode ter envolvimento ósseo e em outras partes do corpo, o que também sugere comportamento mais agressivo.
Por outro lado, o fato de ser ALK positivo(ou seja, expressar a proteína ALK) é um dado favorável, já que esse tipo de linfoma responde melhor e de forma mais duradoura ao tratamento.
“Os outros tipos de linfoma não-Hodgkin tipo T não costumam responder bem à quimioterapia e requerem transplante autólogo [com células-tronco do próprio paciente] como terapia subsequente, para que a doença não volte. O fato de ser ALK positivo muda a conduta e favorece o prognóstico”, afirma Scheinberg.
Luta constante contra o Aedes
28/03/2016 - Folha de S.Paulo
O Aedes aegypti, o vetor do vírus da zika, provavelmente chegou ao Novo Mundo nos primeiros navios negreiros. O mosquito vem se desenvolvendo bem, desde então, nas partes mais quentes do hemisfério ocidental. Essencialmente, ele cresce e aparece em comunidades humanas, mas não nos ecossistemas naturais.
Essa espécie é um vetor ideal de doenças, pois a fêmea geralmente pica cinco ou seis pessoas até completar sua refeição de sangue. Apenas os mosquitos fêmeas se alimentam de sangue, do qual obtêm a proteína para a produção de seus ovos. Os machos fracotes se alimentam apenas de sumos vegetais.
Foi apenas em 1881 que o médico cubano Carlos Finlay propôs a ligação entre o Aedes aegypti e a febre amarela. E passaram-se outros 20 anos até Walter Reed e William Gorgas provarem a ligação definitivamente e aplicarem esse conhecimento em Cuba.
Quando a Fundação Rockefeller foi criada, uma de suas finalidades era livrar o mundo de seus grandes flagelos. A febre amarela estava entre os primeiros dessa lista. Max Theiler coroou o esforço ao desenvolver a vacina, em 1937 (e foi reconhecido por isso com um Prêmio Nobel de Medicina em 1951).
Em 1928, porém, houve um surto de febre amarela no Rio de Janeiro, depois de um período de 12 meses sem um único caso da doença em todo o hemisfério ocidental.
Em 1932, já estava claro que havia dois ciclos distintos: o urbano, com o Aedes aegypti, e o silvestre, envolvendo mosquitos Haemagogus, que vivem na copa das árvores. Enquanto havia populações de Aedes, as cidades continuavam vulneráveis às epidemias desencadeadas quando um caso ocasional de febre amarela chegava da zona rural.
Fred Soper e o Serviço de Febre Amarela da Fundação Rockefeller tiveram sucesso notável na eliminação dos criadouros dos mosquitos Aedes. Mesmo em lugares onde não foram totalmente erradicados, as populações do mosquito ficaram tão pequenas que a transmissão era inexistente ou insignificante.
Quando a vacina começou a ser amplamente usada, a pressão diminuiu. As campanhas de erradicação urbana minguaram. Foi mais um exemplo de como a medicina preventiva sempre é pouco apreciada, até que surge algum tipo de crise.
Previsivelmente, a proliferação de áreas urbanas e o êxodo populacional da zona rural para as cidades criaram as condições para novas epidemias: dengue, chikungunya e agora o muito preocupante vírus da zika.
O acúmulo de lixo no mundo moderno agrava o problema, ao criar múltiplos lugares novos para o Aedes se reproduzir.
O governo brasileiro está fazendo exatamente a coisa certa ao enviar militares e outros para atacar os criadouros do Aedes aegypti, numa reprise importante do que foi feito pelo Serviço de Febre Amarela.
Faz sentido humanitário e econômico prevenir a transmissão desses vírus. Esperemos que os esforços envolvam uso muito moderado de pesticidas, para evitar os impactos humanos e a contaminação dos ecossistemas decorrentes deles.
Uma das coisas mais importantes que esta campanha poderia fazer é incentivar uma nova atitude em relação ao tratamento correto do lixo. Orgulhar-se de sua cidade deve ser visto como algo que faz bem para a saúde dela.
Brasil e Estados Unidos anunciaram um esforço conjunto para desenvolver uma vacina contra o vírus da zika. Uma vacina contra a dengue já está sendo desenvolvida. Em algum momento, deve haver uma contra a chikungunya também. Os brasileiros e o mundo poderão soltar um suspiro de alívio.
Esperemos, porém, que a lição sobre a importância da medicina preventiva não seja esquecida. O Aedes aegypti está permanentemente no hemisfério ocidental, à espera da chegada do próximo vírus.
Gripe e falta de médico levam caos a hospitais públicos e privados de SP
28/03/2016 - Folha de S.Paulo
Com ou sem plano de saúde, pais e mães de São Paulo têm sofrido para conseguir atendimento médico para seus filhos em meio a um surto fora de época da gripe H1N1.
Tanto em unidades da rede privada como na pública, não há pediatras o suficiente, e o resultado disso tem sido prontos-socorros superlotados e espera de até cinco horas para o atendimento.
O surto ocorre dois meses antes do previsto, e a vacinação contra o vírus influenza no Estado está marcada somente para o final de abril.
Neste final de semana, a reportagem da Folha percorreu hospitais privados da zona oeste e sul e públicos da zona leste da capital. Em geral, na dúvida diante de sintomas de gripe, como tosse, nariz escorrendo e febre, os pais já correm para os prontos-socorros.
Quando se deparam com fila de espera demais de duas horas, como ocorreu nos privados Sabará e Samaritano, alguns até desistem do atendimento e voltam para casa.
Na última semana, a espera no pronto-socorro virou a rotina da assistente jurídica Fernanda Braga, 31. Ela levou o filho Samuel, 2, quatro vezes ao Hospital São Camilo. O quadro gripal, com febre e vômitos, não passava.
“Fiquei preocupada porque há muito tempo não ouvia falar de H1N1. Em casa está todo mundo gripado”, disse, na noite de sábado, enquanto esperava notícias sobre o filho —os exames descartavam a gripe aguda.
No também particular Samaritano, a fila de espera, que tem ultrapassado as quatro horas nos finais de semana, às 21h deste sábado estava em “só” uma hora e meia.
Nathali Muzzi, 22, era uma das que esperava, diante da febre e tosse persistentes de Helena, de um ano e dois meses.
“Faz quatro dias que ela não está bem e decidimos trazer.
A gente fica preocupado com esse surto de gripe.” Na porta do hospital, banners informam sobre a realização do exame de detecção da gripe e indicam maneiras de evitar o contágio.
Já no Santa Catarina, na avenida Paulista, faixas também informavam sobre a “etiqueta da tosse ou espirro” para evitar a disseminação.
Lá, na triagem, os médicos têm distribuído máscaras para quem não se sente bem.
A advogada Mara de Souza, 42, correu para o pronto socorro quando a febre de Thiago, 7, bateu nos 40°C.
“Ainda bem que era só uma virose”, disse a mãe, aliviada.
No sábado, a reportagem encontrou gente que, para fugir da fila, correu do Sabará para o Samaritano e do Samaritano para o Sabará. No Sabará, a fila de espera na ala infantil era de três horas e meia.
“Tem mais de 100 números na minha frente”, gritava uma mãe ao celular. Ali, nem a mesa de desenhos ou o painel com bichinhos eram suficientes para passar o tempo.
Já na rede pública, pais têm feito peregrinação em busca de pediatras. Quando não se deparam com a falta desses profissionais, enfrentam filas de até duas horas só para preencher uma ficha.
Já para ficar frente a frente com um médico, são até cinco horas de espra.
Em Itaquera, não havia pediatras no Hospital Municipal Waldomiro de Paula, conhecido como Planalto, e na AMA de mesmo nome durante a tarde, pelo menos até as 19h.
“Não tem pediatra desde cedo. Minha filha está aqui vomitando e com febre”, disse o auxiliar de limpeza Acácio do Nascimento, 28, que levou a filha Nataly, 8, ao Planalto. A previsão era para que às 19h haveria um pediatra.
Porém, até as 20h,não havia.
Em Cidade Tiradentes, também na zona leste, não havia especialistas no pronto-atendimento Glória e na AMA Castro Alves. Os dois pediatras disponíveis no bairro atendiam no hospital municipal.
Muitas recorreram ao bairro vizinho, Guaianases, cujo hospital geral, do Estado, estava super lotado. Só havia dois pediatras ali. Mais horas na fila.
Prefeitura nega falta de médicos emunidades
28/03/2016 - Folha de S.Paulo
A gestão Fernando Haddad (PT) nega falta de médicos e diz que, nesta época do ano, a demanda cresce por causa de doenças respiratórias e que prioriza os casos de suspeitas da gripe H1N1.
A prefeitura informou que os hospitais Waldomiro de Paula, Tide Setúbal e Cidade Tiradentes tinham, respectivamente, um, três e quatro pediatras no sábado(26), sendo que neste último 534 crianças foram atendidas.
A prefeitura diz que já realizou concurso público para contratação de pediatras e que há um novo concurso em andamento para chamar mais profissionais.
Já a administração Geraldo Alckmin (PSDB) diz que o quadro do Hospital Geral de Guaianases estava completo, inclusive com dois pediatras, neste sábado.
Segundo o governo estadual, a falta de pediatras na rede municipal culminou numa crescente demanda pela especialidade no pronto-socorro da unidade.
O hospital Samaritano informou que há aumento na demanda em seu pronto-socorro infantil devido à dengue e à antecipação de H1N1 e que está com uma equipe de profissionais 20% maior para atender o público.
Segundo a instituição, casos graves são atendidos com prioridade, e a espera por atendimento pode ser checada pelo usuário, em tempo real, por meio de seu site.
Já o hospital Santa Catarina informou que tem registrado crescimento nos atendimentos de casos suspeitos de gripe H1N1 e que, neste domingo (27), quatro pediatras estavam disponíveis para o público.
O hospital São Camilo declarou que não conseguiria dar uma resposta à reportagem durante o final de semana.
Procurado, o Sabará não respondeu ao pedido de informação do jornal.
|