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Medicamentos
O BIG BROTHER DOS MEDICAMENTOS! 12/01/2015 - IstoÉ Dinheiro A partir do ano que vem, cada medicamento, seja em caixa, seja em ampola ou carteia, deverá sair de fábrica com um código para rastreamento. A determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada no fim de 2013, exige que mais de 400 laboratórios em operação no Brasil iniciem, já neste ano, os testes para monitoramento de seus produtos. Na prática, o fabricante deverá ter o controle total de cada unidade, desde a linha de produção até a casa do consumidor. De olho nessa gigantesca oportunidade de negócio, em um mercado que movimentou R$ 60 bilhões no ano passado, o banco de investimento BTG Pactuai desembolsou R$ 17 milhões, nos últimos dois anos, na estruturação da empresa Rastreabilidade Brasil (R&B), idealizada pelo empresário Amilcar Lopes, ex-presidente da Águas Petrópolis Paulista. "Foi uma aposta feita antes mesmo de a norma sair", afirma Lopes, fundador e CEO da empresa. "E algo que está acontecendo em todo o mundo e não seria diferente no Brasil." O primeiro contrato da R&B foi fechado, no ano passado, com a paulista Libbs, onde o sistema de rastreamento já está em implantação. "Temos vários testes ainda este outras companhias", afirma Lopes. Entre os laboratórios que negociam a contratação da tecnologia da R&B estão Hypermarcas, Eurofarma, EMS e Aché. A empresa oferecerá um sistema completo, que vai desde a impressão do código bidimensional - Identificador Único de Medicamento (IUM) - até o software de monitoramento usado pelas indústrias e pela Anvisa. No varejo, por meio de aplicativo de smartphone, o consumidor poderá se certificar de que o medicamento está apropriado para consumo, seja pela data de validade, seja por sua origem. Para a indústria, o rastreamento vai permitir acompanhar o medicamento desde a sua elaboração, passando pelos distribuidores, farmácias, hospitais ou, no caso de compras públicas, nos postos de saúde. "Funciona como um sistema de check-in e check-out, no qual um leitor vai transmitir direto para o sistema a chegada e a saída do produto", diz Lopes. Com isso, espera-se conseguir o máximo de informação do caminho percorrido pelo medicamento e em qual elo da cadeia pode ter havido algum problema, como perda, desvio ou até roubo. "Para a indústria, essa informação ajudará até na gestão dos prazos de validade dos produtos que estão nas farmácias e nos distribuidores", afirma o CEO. Para a consultora de área de saúde da Frost & Sullivan, Rita Ragazzi, o maior beneficiado será o consumidor. "Ele poderá consultar na hora da compra se aquele remédio é adequado para o consumo e denunciar em caso de problemas", afirma. Ações na Justiça de SP por tratamentos e medicamentos sobem 32% em 3 anos 12/01/2015 - O Estado de S.Paulo O número de pacientes que entraram na Justiça contra o Sistema Único de Saúde (SUS) na capital paulista na busca por tratamentos ou medicamentos não oferecidos na rede pública cresceu 32% em três anos,segundo dados obtidos pelo Estado com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2010, foram ajuizadas 1.514 ações nas varas da cidade de São Paulo responsáveis por receber pedidos de procedimentos médico-hospitalares ou remédios.Em 2013, o número de processos do tipo passou para 2.011, uma média de uma nova ação a cada quatro horas. Estão incluídos nesses números pedidos de remédios ou terapias ainda não disponíveis no Brasil ou na rede pública ou mesmo procedimentos que são cobertos pelo SUS mas que, por indisponibilidade momentânea ou longas filas de espera, demoram a ser oferecidos. Os órgãos acionados no âmbito estadual são as secretarias da saúde do Município ou do Estado. Só no ano passado,a Secretaria Municipal da Saúde gastou R$ 3,2 milhões com demandas judiciais,20%amais do que em 2010, quando o custo com ações foi de R$ 2,6 milhões. A pasta estadual não informou os valores gastos. Para o advogado Julius Conforti, especializado em direito à saúde, o aumento é resultado de falhas do governo na oferta da assistência médica adequada.“ A primeira razão para o aumento das ações é a morosidade com que as novas tecnologias que surgem na medicina são incorporadas pelo SUS”, diz ele. “Mas outro fator é a insatisfatória e baixa qualidade dos serviços oferecidos pelos planos de saúde.Muitos consumidores que têm recusas de atendimento dos convênios acabam buscando o SUS. Diante de nova negativa, são obrigados a ingressar em juízo”, afirma o advogado que, em seu escritório, entra com 15 a 20 novas ações de saúde por mês, somando processos contra o SUS e planos de saúde. Alto custo. Diagnosticado com câncer de próstata em 2009 e em tratamento até hoje, o aposentado José Augusto Perricelli, de 64 anos, se viu obrigado a entrar na Justiça em 2013, quando precisou de um medicamento que, embora comercializado no Brasil, não era oferecido pelo SUS. “Precisava tomar um comprimido por dia. Cada frasco com 30 comprimidos custava R$ 11 mil. Não tinha condições de pagar. Meu próprio médico me orientou a entrar na Justiça”, conta ele. Duas semanas depois de contratar um advogado para cuidar do caso, o aposentado conseguiu decisão judicial favorável e o SUS foi obrigado a fornecer o medicamento.“ Ter a possibilidade de entrar na Justiça foi fundamental. Se eu não tivesse conseguido essa vitória, talvez nem estivesse aqui dando esse depoimento”, diz ele. “O problema é que muita gente não sabe dessa opção ou não tem dinheiro para pagar um advogado.” Segundo levantamento feito a pedido do Estado nas 14 Varas da Fazenda Pública da capital, os itens mais pedidos em ações são remédios para o tratamento de câncer e insulinas, usadas no combate ao diabete. Mais informação. Juíza titular da 13.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi afirma que o grau de informação da população sobre o tema vem aumentando e é uma das razões que explicam o aumento no número de ações. “A população, incluindo os mais pobres, tem se alertado para os seus direitos. Temos muitas pessoas mais humildes que chegam aqui com pedidos de medicamentos feitos pela Defensoria Pública”, diz ela. A juíza acompanha a evolução dos processos relacionados à saúde desde a década de 1990, quando o principal objeto de ações eram os medicamentos para a aids. “Desde então, a Justiça aprendeu muito. No começo, os juízes davam ganho de causa para qualquer pedido de medicamento. Começamos a perceber que algumas pessoas passaram a se aproveitar da situação. Surgiram máfias de remédios, às vezes com a participação de laboratórios”, conta. Até hoje,de acordo com a magistrada, há casos de ações indevidas que causam gastos desnecessários ao governo. “Em 2012, a Secretaria Estadual da Saúde teve prejuízo de R$ 6 milhões com medicamentos comprados por decisão judicial e que não foram retirados pelos pacientes”, afirma. Para tentar equilibrar o quadro, o Juizado Especial da Fazenda Pública de São Paulo criou,no final de 2012,em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde,uma triagem farmacêutica no próprio prédio do Judiciário para atender pacientes e advogados interessados em ingressar com ações. No local,ficam dois funcionários da Secretaria da Saúde com acesso aos prontuários médicos dos pacientes e que podem orientar sobre a necessidade de ingresso da ação. “Com isso, às vezes conseguimos resolver o problema do paciente sem a necessidade de um advogado e de uma ação”, diz a juíza. Após adiar decisão, Anvisa define data para discutir tema 12/01/2015 - O Globo Depois de adiar seguidas vezes a decisão sobre o uso especial do canabidiol — substância presente na maconha usada no tratamento epilepsias graves —, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou a nova data para voltar ao debate: quarta-feira, às 10h, em Brasília. Tema que ganhou repercussão após pais apresentarem o drama de seus filhos em busca de tratamento, a reunião será transmitida ao vivo no site da agência. Pesquisa e desenvolvimento Uma bela sinfonia pueril Saúde
O começo e o fim da picada 11/01/2015 - Folha de S.Paulo Eles não são vampiros, mas vêm de noite em busca de sangue. Conhecidos como pernilongos, mosquitos do gênero Culex --que atacam principalmente no verão-- escolhem suas vítimas pelo cheiro. Só as fêmeas picam. Quem tem um metabolismo mais acelerado está mais sujeito às picadas. Isso porque as pernilongas rastreiam no ar o CO2 e o ácido lático --substâncias geralmente produzidas em maior quantidade por essas pessoas ou após grande esforço físico. Os mosquitos têm proteínas em suas antenas que funcionam como receptores de "cheiro", explica Paulo Ribolla, biólogo e professor do Instituto de Biociências de Botucatu, da Unesp. Além disso, a atração que os pernilongos têm por alguma pessoa em especial pode estar relacionada à flora de bactérias e fungos presentes na pele. Pior do que a picada do pernilongo é o ardor e a coceira no local. Essas sensações decorrem da reação alérgica que o organismo produz às substâncias presentes na saliva do bicho. Como em todos os casos de resposta alérgica, algumas pessoas são mais sensíveis do que as outras. Ou seja, além de existirem pessoas que atraem menos os pernilongos, há gente que é mordida, mas nem nota. Não há muito como mudar, via alimentação, a atratividade que se exerce aos pernilongos. Um mito popular aponta que comer alho poderia ajudar, pelo cheiro exalado, a espantar os mosquitos (e talvez também outras pessoas). Segundo a pesquisadora Maria Anice Sallum, bióloga e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, a quantidade de alho ingerida para que criar esse efeito teria de ser gigantesca. Segundo Sallum, o mesmo vale para frutas e doces --que poderiam atrair os bichos. A ingestão não altera o comportamento deles. PRAGA DE VERÃO A espécie mais comum de pernilongos, Culex quinqueasciatus está presente em todo o mundo, especialmente na região tropical. Em uma cidade como São Paulo, consegue viver e se reproduzir o ano todo, mas, com o calor e a umidade mais alta no verão, a população aumenta muito. As fêmeas, para gerar ovos saudáveis, precisam de sangue. Elas não são muito exigentes --pode ser sangue de aves ou de vacas. Mas, na cidade, o que mais tem é gente. Para reduzir a quantidade de pernilongos em São Paulo, um caminho seria a despoluição do rio Pinheiros e a eliminação de outros focos de água parada com material orgânico. Sem isso, restam as telas, mosquiteiros, inseticidas e repelentes --os modelos que são ligados na tomada são eficientes. Uma alternativa "mais natural" para lidar com os mosquitos é o uso da citronela --uma planta aromática-- e dos incensos e óleos feitos à base de extratos vegetais. Leandra Metsavaht, diretora da Sociedade Brasileira de Dermatologia, porém, alerta que o contato direto desses compostos com a pele pode provocar alergias ainda mais graves que aquela da picada. A dermatologista diz que o ideal é usar os repelentes comerciais, que já tiveram a segurança atestada. Artigo: Reflexões sobre a saúde 10/01/2015 - Folha de S.Paulo Colunista: Drauzio Varela Que 2015 lhe traga felicidades, realizações e muita saúde, leitor que me acompanha há 15 anos nesta coluna. Digo muita saúde, porque se trata de bem supremo; dá para viver infeliz sem fazer nada. Saúde não é apenas a vida sem doença. O conceito de doença não é simples como parece, porque faz parte de um contexto social em que os médicos criam teorias, descrevem sinais, sintomas e métodos de tratamento; os pacientes procuram explicações e soluções para os males dos quais padecem; e as autoridades estudam políticas para reduzir o impacto na economia e na saúde pública. A história da medicina mostra que a intersecção desses interesses tem se alterado no decorrer dos séculos. Numa análise das publicações dos primeiros números da revista "The New England Journal of Medicine", um grupo de Harvard reuniu artigos publicados há 200 anos sobre entidades estranhas como: apoplexia, neurastenia, cegueira e fraturas ósseas em pessoas que receberam o impacto do vento de balas de canhão que explodiram longe delas. Há descrições de morte por combustão espontânea em bebedores de conhaque, por ingestão de água gelada ou por febres de vários tipos em pessoas que nunca tiveram febre. Em 1912, um editorial da revista defende a eugenia: "Talvez em 1993, quando todas as doenças passíveis de prevenção tiverem sido erradicadas, quando a natureza e a cura do câncer tiverem sido descobertas, e quando medidas eugênicas tiverem colaborado com a evolução para eliminar os incapazes, nossos sucessores olharão para estas páginas com ar de superioridade." Ainda em 1912, a revista publicou as primeiras preocupações com o surgimento de "pessoas com hábitos de vida extremamente indolentes, que não andam mais do que os passos necessários para ir do escritório ao elevador, do elevador para a sala de jantar ou para o quarto e de volta para o automóvel". Durante o século 20, enfermidades cardiovasculares, câncer, diabetes e outras condições crônicas se tornaram prevalentes, embora ainda emergissem enfermidades infecciosas: encefalite equina, kuru, ebola, Aids. Em 2005, foi levantada a hipótese de que a epidemia de obesidade, prevista em 1912, reduzirá a expectativa de vida da população americana pela primeira vez nos últimos cem anos. Qualquer tentativa de definir doença precisa levar em conta a complexidade. Doenças afetam determinados grupos, estão associadas a fatores de risco e provocam sinais e sintomas característicos. Elas geram interesses que envolvem pacientes, profissionais de saúde e as instituições em que trabalham e as fontes pagadoras. Mais do que um problema pessoal, doença é um processo antes de tudo social. Enfermidades novas estão associadas a causas novas (acidentes de moto, poluição), novos comportamentos (fumo, abuso de drogas) e mesmo à alteração da história natural por meio do tratamento (diabetes, Aids, infarto). Mudanças sociais e ambientais aumentaram a prevalência de enfermidades raras no passado: infarto do miocárdio, câncer de pulmão, obesidade grave. Novos critérios e métodos de diagnóstico permitiram evidenciar outras, que não eram identificadas: depressão, síndrome metabólica. Transformações na sociedade redefinem o que é doença. Homossexualidade e masturbação deixaram de sê-lo. Fibromialgia e síndrome da fadiga crônica passaram a ser consideradas, graças à pressão das associações de pacientes. Apesar dessas modificações, uma característica se mantém desde os primórdios da humanidade: a influência nefasta das disparidades sociais no acesso aos serviços de saúde, fenômeno ubíquo em todas as sociedades. Doenças são processos dinâmicos que coevoluem com a medicina. Quando as vacinas e os antibióticos começaram a combater as infecções, aumentou a incidência de ataques cardíacos, derrames cerebrais e diabetes. Assim que tivermos sucesso no controle dessas enfermidades, haverá aumento na prevalência dos transtornos neuropsiquiátricos, desafio que a medicina está despreparada para enfrentar. Infelizmente, os sistemas de saúde estão mais preparados para as doenças do passado, não para lidar com aquelas do presente ou do futuro. Saúde em estado crítico 11/01/2015 - O Globo Com déficit de 1.226 médicos, os seis hospitais gerais da rede federal do Rio têm 15 mil aguardando por cirurgia. Pacientes são atendidos em contêineres e enfrentam a falta de exames básicos. Moradora do Méier, a dona de casa Leidimar Maria da Silva, que teve um rim transplantado no Hospital Federal de Bonsucesso há um ano e sete meses, bateu à porta da unidade no início de dezembro com uma trombose no braço esquerdo. Sem vaga no setor de transplantados, acabou na emergência que funciona em contêineres há quatro anos. Lá, ficou das 18h daquele fim de tarde até as 9h do dia seguinte, sentada numa cadeira, sem água até para tomar remédios. — Passei a noite juntando saliva para engolir os remédios — conta Leidimar, que acabou internada, recebeu alta, mas ainda tem o braço inchado. O drama de Leidimar não é um caso isolado. Pacientes têm que conviver com a precariedade dos seis hospitais gerais federais da cidade, considerados referência em diagnósticos e procedimentos de alta complexidade, apesar de terem um déficit de 1.226 médicos. Os pacientes enfrentam ainda longas filas por cirurgias. Uma ata de audiência de conciliação na 3ª Vara Federal — resultado de uma ação movida pela Defensoria Pública — revela o número de pessoas que aguardam a vez para serem operadas nessas unidades: 15.591, das quais 2.529 estão classificadas como inativas, ou seja, não foram localizadas. GASTOS DE R$ 558 MILHÕES EM 2014 Informações detalhadas de cinco dos seis hospitais repassadas à Justiça — o Ministério da Saúde ainda não esmiuçou os dados do Hospital dos Servidores —, mostram que, desde agosto de 2006, pelo menos 60 pessoas morreram em filas sem conseguir operações. A demora foi tanta que 199 doentes perderam a indicação clínica. — Causa perplexidade o fato de que, apesar de essas unidades terem orçamentos generosos, haja tantos pacientes esperando por uma cirurgia — diz o defensor federal Daniel Macedo, titular do Segundo Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, que ajuizou a ação contra União, estado e município, que têm até março para apresentar um plano para acabar com as filas em um ano. Segundo o site Transparência Brasil, em 2014 as seis unidades juntas gastaram R$ 558,99 milhões em custeio e investimentos, sem incluir despesas com servidores. Somando-se os três institutos federais no Rio — Instituto Nacional do Câncer (Inca), Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) e Instituto Nacional do Coração (INC) —, os gastos alcançaram R$ 1,15 bilhão (excluindo pessoal). Para se ter uma ideia, a Secretaria municipal de Saúde desembolsou, no ano passado, R$ 1,3 bilhão, a fim de bancar seus 26 hospitais de emergência/ urgência e especializados. Retirando os cerca de R$ 500 milhões destinados a pessoal, as despesas dessas 26 unidades somaram R$ 800 milhões. O Hospital Federal de Bonsucesso ficou com uma fatia de R$ 132 milhões. Porém, as obras da nova emergência, paralisadas em 2011 após denúncia de sobrepreço, continuam interrompidas. E as deficiências vão além de o atendimento de emergência ser feito em contêineres. — Acabaram com serviços, como o de pneumologia pediátrica, e não sabemos o que aconteceu com as duas mil crianças que se tratavam aqui. Em janeiro de 2013, suspenderam os transplantes. Depois que procuramos a Defensoria, que obteve uma liminar, retomaram os transplantes renais, mas não os hepáticos — relata Júlio Noronha, diretor do Sindicato dos Médicos, que trabalha no Bonsucesso. Presidente da Associação de Movimentos dos Renais do Estado, Roque Pereira da Silva lamenta que o Bonsucesso só esteja fazendo transplante de rins de cadáveres, e não de vivos. Outro problema, segundo ele, é que a unidade não está realizando o exame de nível sérico, que mede a função renal. — Se eu tiver uma diarreia, por exemplo, não terei como fazer o exame. Esse é um direito nosso. Recebi um rim da minha irmã há 11 anos, num ato de amor, e a gente tem de cuidar — desabafa Solange Silva dos Santos, moradora da Vila do João. Também no Hospital do Andaraí, a área destinada à emergência está cercada por tapumes, e o atendimento é feito em dois contêineres. Foi lá que Edvaldo Lourenço da Cunha, de 49 anos, morador do Morro do Cruz, esteve por duas vezes na semana passada, sem conseguir atendimento. Com um abscesso nas costas, dores e febre, ele foi orientado a retornar uma terceira vez. — É um jogo de empurra — reclama. Um médico alegou que só haveria cirurgiões no ambulatório para retirar o abscesso às segundas e sextas-feiras. O diretor do Andaraí, Gabriel Pimenta, no cargo há um mês, reconhece que houve falhas no atendimento a Edvaldo: — Melhorar o acolhimento é fundamental. Ele poderia ter sido encaminhado a uma unidade básica da prefeitura. Em Jacarepaguá, a nova emergência do Cardoso Fontes está pronta. Só que os pacientes ainda vêm sendo atendidos num espaço improvisado. — A nova emergência não pode funcionar por falta de equipamentos e pessoal. No hospital, não temos equipes completas, a cirurgia torácica acabou e deixamos de ter pneumologia pediátrica e neuropediatria — conta uma médica. ATRASO EM DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS Informações do Cadastro Nacional do Estabelecimentos de Saúde (Cnes), de dezembro, indicam que os seis hospitais têm 3.966 médicos (incluindo 619 residentes) e 1.968 leitos. — Há carência de recursos humanos, insumos básicos e equipamentos. Isso atrasa diagnósticos e o início dos tratamentos — lamenta Sidnei Ferreira, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj). Membro da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) ratifica: — Essa rede está gravemente comprometida, principalmente as unidades com emergência aberta (Bonsucesso, Andaraí e Cardoso Fontes). De nada adiantarão decisões pirotécnicas, dando conta de que as três esferas de poder estão unidas e vão criar uma central de regulação única de vagas, se o Ministério da Saúde não começar as obras e contratar recursos humanos através de concurso público. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, no entanto, se mostra otimista: — O Rio pode se tornar um modelo para o SUS. Com as unidades públicas funcionando plenamente, será possível distribuir melhor a oferta de serviços. Também confiante na integração está Felipe Peixoto, à frente da Secretaria estadual de Saúde: — Os hospitais federais têm uma história de expertise e excelência que só tem a somar na rede de saúde pública do estado.Em nota, o Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde diz que, nas seis unidades, entre janeiro e novembro de 2014, houve 40.326 internações, 106.636 atendimentos de emergência, 37.700 cirurgias e 768.111 consultas. Este ano, esses hospitais receberão repasses de R$ 664,4 milhões. As centenárias 11/01/2015 - O Globo O número de brasileiros com 100 anos ou mais triplicou em uma década. Mas os avanços sociais que permitem o envelhecimento saudável não ocultam a ausência de políticas públicas para eles. Suelly Kretzmann tem mãos firmes e, com elas, pintou algumas dezenas de quadros. Parte está nas paredes de seu apartamento em Copacabana; outra foi vendida. Prefere pintar pessoas, pois “a desafiam”. Algumas delas surgiram da imaginação, como três mulheres inspiradas em Lasar Segall. Outras são reais, do tempo em que se sentava na colônia de pescadores do Posto 6 e deixava o cenário se definir. Suelly tem 100 anos e só começou a pintar depois da aposentadoria. — Quando me aposentei, achei que morreria de tédio. Foi quando descobri que podia pintar — conta. Os centenários brasileiros têm pouca expressão nas estatísticas, inclusive por conta da dificuldade de registros da época. Mas o grupo triplicou em apenas uma década e mostra que é possível ultrapassar barreiras com bem-estar. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, eram 32.134 em 2013, contra 9.140 em 2002 — 7.325, em 1992; e 3.906, em 1982. PLANOS DE SAÚDE ESTÃO ATENTOS Os que chegam melhor ao centenário, segundo pesquisadores, são os de classes mais altas, com maior acesso aos serviços de educação e saúde. Em cinco anos, o número de idosos que passaram dos 100 anos e contam com planos de saúde teve pouca variação, segundo uma pesquisa da União Nacional de Autogestão em Saúde (Unidas). Em 2013, eram 926 centenários dentro de um universo de 3,6 milhões de beneficiários. Em 2008: 982, para 3,7 milhões. O Rio tem a maior concentração: 250 indivíduos. As operadoras estão atentas, já que o custo assistencial daqueles com mais de 59 anos é seis vezes maior do que os da primeira faixa etária (0 a 18 anos). — Embora os idosos sejam 11,3% da população, nas operadoras já são 22,8%, taxa prevista só para 2050. Ou seja, o futuro já chegou para os planos privados — comenta Denise Eloi, presidente da Unidas. Mesmo assim, Denise cobra uma mudança de visão sobre os cuidados assistenciais para eles, já que o modelo brasileiro recai sobre o atendimento emergencial, mesmo no setor privado. — Se o modelo não for repensado, vamos entrar em colapso — alerta. O novo modelo ao qual ela se refere já é uma discussão aprofundada em países mais desenvolvidos, como os da Europa e os Estados Unidos, onde estão mais presentes os centros de repouso com atendimento multidisciplinar, os “centros dia” (em que o idoso passa parte da jornada), unidades de cuidados paliativos etc. Aqui, por enquanto, ainda são poucos os centenários que conseguem cuidados efetivos. É o grupo menos atendido por políticas públicas, diz o professor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUC-RS, Ângelo Bós. Ele realizou uma pesquisa em que investigou dados de mortalidade de indivíduos com 95 anos ou mais entre 2000 e 2010, quando morreram 237 mil pessoas na faixa etária. Deles, a maior parte faleceu “sem assistência” (14,2%) e de “sintomas e sinais anormais” (11,2%), ou seja, não identificados. — São dois indicadores que mostram a dificuldade de acesso à saúde — critica. Bós coordena em Porto Alegre uma unidade apenas para aqueles acima de 90 anos, que recebem atendimento nutricional, médico, fisioterápico etc. — O que eles precisam é de acompanhamento de longo prazo, mas o sistema está voltado para o tratamento agudo — avalia Bós, que completa: — Precisamos mostrar que longevos podem ter qualidade de vida. Quem também defende esta tese é a gerontóloga Dagmara Wozniak, há três anos no Brasil, que realizou estudos com centenários na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Numa pesquisa, entrevistou 91 pessoas com 100 anos e diz que a situação não é tão simples para eles, que acumulavam, em média, 4,3 doenças. Além disso, 51% tinham demência, índice que se compara ao de pesquisas internacionais, e apenas 9% eram totalmente independente. Por outro lado, 27% não tinham perda cognitiva, e a grande maioria era feliz. — Queríamos saber quem eram esses longevos: “será que tinham mais recursos financeiros?”. Vimos que não. “Será que tiveram uma história tranquila?”. Também não, era a geração que viveu a Segunda Guerra. O que encontramos na maioria foi de ordem psicológica: otimismo, felicidade, sentido de viver — explica Dagmara. Pesquisas do demógrafo James Vaupel indicam que metade das mulheres nascidas em 1970 na Alemanha chegará aos 100 anos; e metade dos homens, aos 95. Aliás, no estudo de Dagmara, 85% das centenárias eram mulheres. Quanto mais idoso, mais se alarga a diferença de expectativa de vida por gênero. E sobre os recursos financeiros, Dagmara pondera: — Na Alemanha, o governo garante um nível de bem-estar aos habitantes. Se fosse num país mais pobre, poderia ter um resultado diferente. Mas a condição financeira é importante até certo ponto, depois não tem peso sobre a longevidade. Economista do Ministério da Fazenda, Suelly Kretzmann hoje tem uma aposentadoria tranquila. A única reclamação é com um problema cardíaco, que ela compensa com caminhadas na praia, na companhia da cuidadora. — Vivo sem pensar no dia de amanhã, tenho um pouco de pena de partir, porque a vida é boa demais — resume Suelly, lembrando-se com saudade do glamour da Confeitaria Colombo e rindo da época em que se compravam casacos de pele no Rio. Aos 100 anos, Sarita Brant tem um porte elegante: arruma-se e perfuma-se para as refeições, quando às vezes toma espumante. Também vive em Copacabana com uma boa aposentadoria e sem muitos contratempos de saúde, embora há quase um ano tenha sofrido uma trombose, que lhe dificulta a locomoção. Do passado, lembra-se de viagens. Numa das últimas, foi, em companhia da cuidadora Yvonette Baptista — com ela há 15 anos e hoje já completando 80 —, de barco à Argentina. Com delicadeza, Sarita puxa o crachá da repórter, lê sem óculos e pergunta a origem do sobrenome. Pergunta ainda sua idade, mas não gosta de comentar a própria. — Cem anos é um desaforo! — brinca. — Meu único plano a esta altura é ter tranquilidade na família, tê-la unida. Já na casa de Aurora Gonçalves — 100 anos, com plano de saúde e também de Copacabana, o bairro “mais longevo” do Brasil —, a rotina é permeada pelo samba. Carnavalesca, ela frequentou blocos há até poucos anos. Hoje, confunde-se nos fatos do passado e do presente, mas, quando o genro José Carlos de Medeiros, aposentado e músico, puxa canções de Dalva de Oliveira, Herivelto Martins ou Noel Rosa, as letras surgem na memória. Quando ele saca o violão, a feição desconfiada com as visitas se desfaz, Aurora se levanta e dança. O genro conta que foi uma guerreira e que teve uma infância difícil, mas ela garante: — Não me preocupo com o que não vale a pena, deixo para lá. FÓRMULAS DA LONGEVIDADE NO MUNDO O que mais importa para a longevidade? A genética contribui 25%. O resto provavelmente fica por conta do estilo de vida e do ambiente. Um dos principais estudos é da Sardenha, onde há 24 centenários por 100 mil habitantes (a média dos países desenvolvidos é de 19 a 20 por 100 mil), e a conclusão recai sobre a cozinha mediterrânea. Mas o Japão é o mais longevo (42,6 por cada 100 mil), onde as conclusões apontam para alimentação saudável, educação e políticas públicas. Há muito ainda a desvendar sobre os centenários, e especialistas são unânimes: pesquisas brasileiras têm várias dificuldades, como a falta de dados e de financiamento. Professor da UFMG, Cássio Turra, em 2011, descobriu a mulher mais velha do mundo, com 114 anos. Por sorte, ela tinha documentos. — Temos um problema sério de ausência e erros de declaração de idade para os mais velhos — afirma. — Sem dados, é muito difícil pesquisar e entender suas características. |