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Medicamentos
Maioria no país é contra maconha medicinal 29/11/2014 - Folha de S.Paulo A maior parte da população brasileira (56%) é contra a venda de maconha para uso medicinal, mas 50% aprovam a liberação de remédios derivados da droga. É o que mostra pesquisa Datafolha, encomendada pelo ICTQ (Instituto de Ciências Tecnológicas e Qualidade Industrial). Foram feitas 2.162 entrevistas em todo o país. O assunto ganhou destaque desde o início do ano, quando famílias conseguiram na Justiça autorização para importação do canabidiol (CBD), substância derivada da maconha. O remédio tem sido usado contra casos graves de epilepsia. Desde abril, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já liberou 184 pedidos de importação. A pesquisa mostra que o apoio à liberação da substância é maior conforme a escolaridade (69% entre os que têm nível superior contra 38% dos com nível fundamental) e nível socioeconômico (60% entre as classes A e B contra 33% das C e D). A aprovação da maconha para uso medicinal segue a mesma tendência. "Os que têm mais acesso à informação estão mais cientes do debate nacional e internacional e tendem a ser mais liberais", diz Marcus Vinicius Andrade, diretor-executivo do ICTQ. Segundo a pesquisa, a discordância é maior em municípios do interior, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste e entre os mais velhos. Para o psiquiatra José Alexandre Crippa, da USP de Ribeirão Preto e que pesquisa o uso do CBD, a população ainda tem pouca informação sobre o assunto. Ele diz que é preciso cuidado porque há grupos tentando colocar no mesmo rol de discussões a liberação da maconha para uso medicinal e os remédios com derivados da maconha."São duas agendas distintas." Em outubro, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) publicou norma autorizando os médicos a prescrever o canabidiol para casos graves de epilepsia, deixando claro que não incentiva o uso da maconha fumada, seja recreativo, seja medicinal. "Estamos falando de um componente [CBD] que pode ser isolado ou sintetizado por métodos confiáveis e que não causa efeitos alucinógenos", disse Mauro Aranha, coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria da Cremesp. O CFM (Conselho Federal de Medicina) estuda publicar norma semelhante, com abrangência nacional. "Não está se pensando nesse momento na venda desses medicamentos em farmácia. Para isso, seriam necessários antes a realização de vários estudos [comprovando benefícios e segurança]", diz Crippa, que está ajudando o CFM na elaboração da resolução. O médico coordenou um estudo recente demonstrando que o CBD também é eficaz para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar geral de pacientes com a doença de Parkinson--ele espera que o CFM libere a substância também para esses casos. A Anvisa discute a retirada do canabidiol da lista de substâncias proibidas no país, mas informa que ainda não tem data para a decisão. A principal dúvida é em torno da dose ideal da substância para cada caso. Novartis traz novo remédio ao Brasil em 2015 01/12/2014 - DCI Após conseguir acelerar a avaliação do medicamento LCZ696 no Comitê de Medicamentos para Uso Humano (CHMP, na sigla em inglês), na Europa, a Novartis planeja submeter o medicamento à autorização da Anvisa no segundo bimestre de 2015. A companhia anunciou a aceleração do processo de avaliação de novo medicamento para insuficiência cardíaca pelo CHMP na última sexta-feira (28). No Brasil, a companhia planeja entrar com o pedido em 2015, mas esclareceu, por meio de sua assessoria de imprensa, que não pode precisar quando de fato o produto chegará às prateleiras e se o órgão regulador brasileiro vai conceder a aceleração do processo de avaliação. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que recebe das farmacêuticas pedidos para aumentar a agilidade no processamento dos pedidos, anunciou no ano passado algumas mudanças numa tentativa de agilizar os processos. A previsão é que, com a mudança, o prazo de avaliação, que era de 270 dias em média, passe para 180 dias. Mas, segundo a Novartis, o tempo para obtenção da autorização ainda depende muito do tipo de medicamento, não sendo possível estabelecer um prazo específico para obtenção da autorização da Anvisa. Agilidade Na Europa, essa aceleração na avaliação dos medicamentos é concedida com pouca frequência pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês). E, nesse caso, vai permitir que o CHMP possa conceder uma parecer sobre o medicamento em até 150 dias. Hoje, o procedimento normal de avaliação leva 210 dias na Europa. Com a aceleração, a companhia espera a decisão sobre a comercialização do LCZ696 no início de 2015. A farmacêutica solicitou a avaliação acelerada do LCZ696 baseada no regulamento da EMA, que destaca a importância da agilidade nos processos para "medicamentos de grande interesse do ponto de vista da saúde pública e, em particular, do ponto de vista da inovação terapêutica". Com o fim do processo de avaliação do LCZ696, a Novartis espera apresentar o pedido de comercialização na União Europeia junto aos resultados do estudo PARADIGM-HF, a maior pesquisa sobre insuficiência cardíaca já realizada, segundo a companhia. O estudo mostra que o LCZ696 teve desempenho superior ao medicamento utilizado para tratar a doença atualmente e aponta redução significativa do risco de morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca. Depois da aprovação dos reguladores da União Europeia, a expectativa da farmacêutica é lucrar entre US$ 2 bilhões a US$ 5 bilhões com o novo medicamento. Nos Estados Unidos, a Novartis também conseguiu autorização para acelerar a avaliação e deve submeter o pedido de autorização ao órgão regulador do país, o Food and Drug Administration (FDA), até o final deste ano. Pesquisa e desenvolvimento
Os aliados contra o câncer de mama 01/12/2014 - IstoÉ Oitoo em cada dez mulheres com câncer de mama se valem de técnicas como a acupuntura, a íoga e a meditação para aliviar os efeitos colaterais das medicações, da radioterapia e da quimioterapia. Em muitos casos, porém, a utilização desses métodos acontece de forma aleatória, sem bases mais consistentes sobre sua real eficácia. Agora, a entidade Sociedade para a Oncologia Integrativa lançou um conjunto de orientações sobre o que realmente funciona. O guia foi publicado pela revista "Journal of the National Câncer Institute Monographs". "O objetivo é proporcionar aos pacientes e seus prestadores de serviços um resumo das provas sobre essas terapias para que tomem decisões informadas", disse à ISTOÉ a epidemiologista Heather Greenlee, da Universidade de Colúmbia (EUA), responsável pelo trabalho. Para chegar às evidências, os especialistas executaram a maior revisão de estudos científicos já feita sobre o tema. Primeiramente, selecionaram 4,9 mil pesquisas que versavam sobre cerca de 80 terapias. Após uma triagem para avaliar a qualidade dos estudos, sobraram 203 pesquisas. O passo seguinte foi atribuir letras para indicar o grau de certeza oferecido pelos estudos quanto à eficácia das terapias. As que receberam classificação "A" são as que mostraram um alto nível de certeza de que o benefício à paciente é substancial (leia mais no quadro). A partir da letra D, estão excluídas do cardápio de opções. 0 gel de aloe vera, por exemplo, obteve grau D. Portanto, não é recomendado para tratar a irritação da pele causada pela radioterapia. O médico Gilberto Lopes, criador do centro de oncologia do Hospital do Coração, em São Paulo, espera que as diretrizes ajudem a disseminar o conhecimento sobre esses recursos. "Os profissionais da saúde precisam ser formados para ampliar a utilização dessas práticas de modo correto", diz. Lopes costuma indicar alguns dos métodos complementares às suas pacientes. Se nos EUA ou no Canadá essas terapias estão inseridas em hospitais como o Memorial Sloan Kettereting Center ou o MD Anderson, o mesmo não ocorre no Brasil. "De modo geral, aqui elas estão disponíveis apenas em alguns centros de excelência", diz a psicóloga Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Outro empecilho é que os planos de saúde não pagam por esse tipo de serviço. "Mas, diante de evidências concretas de que funcionam, será necessário incluí-las nos procedimentos pagos", diz Luciana. Em São Paulo, somente hospitais de primeira linha da rede privada, como o Sírio Libanês e o Albert Einstein, criaram serviços de medicina complementar. O Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp), da rede pública, também tem uma área específica. "São terapias que não tratam o tumor, mas melhoram as condições emocionais e psicológicas da paciente", diz o oncologista Paulo Hoff, que está à frente do atendimento oncológico Í1Í8S do Sírio Libanês e do Icesp. A psico-oncologista Regina Li-berato provou a diferença que a medicina complementar pode fazer. Depois de tratar pacientes com tumor de mama, ela se descobriu portadora da doença. Incorporou no dia a dia com mais rigor a prática da ioga e da meditação. "Associar as terapias integrativas ao modelo tradicional do tratamento permite um olhar abrangente para um organismo que precisa ser atendido de muitas formas. Faz muito bem", diz. Artigo: Para acabar com a Aids no Brasil 01/12/2014 - Folha de S.Paulo Autor: MÁRIO SCHEFFER E CAIO ROSENTHAL Até o fim desta segunda-feira (1º) cem brasileiros serão infectados pelo vírus HIV e mais de 30 pessoas irão morrer de Aids. Com os recursos hoje disponíveis, não faz sentido tanto sofrimento e morte causados por uma epidemia controlável. Progressos científicos, como o uso de medicamentos na prevenção à doença, permitem romper essa trajetória, desde que estejam apoiados na liderança com capacidade de diálogo, na retaguarda do sistema de saúde e na promoção dos direitos humanos daqueles grupos mais afetados pelo HIV. O SUS (Sistema Único de Saúde) já preconiza o tratamento logo que o teste dá positivo, o que garante vida normal às pessoas com HIV e funciona como um freio da epidemia, pois quem usa corretamente os remédios não passa o vírus adiante. Mas boa parte das pessoas infectadas não sabe que tem HIV. Dos que sabem, muitos não iniciam ou não recebem tratamento adequado. A qualidade dos serviços de atendimento à Aids deteriorou-se: meses separam o resultado positivo da primeira consulta e há pacientes sem atenção médica. Tudo pode piorar com a insistência do Ministério da Saúde em deslocar o tratamento da Aids para as unidades básicas de saúde, no lugar de resgatar e ampliar os serviços de referência e especializados. Campanhas de incentivo ao teste falam à população em geral e resultam em poucos diagnósticos, pois não chegam aonde a Aids está concentrada. Em outro improviso, em vez de profissionais do SUS serem escalados para levar o teste em horários e locais alternativos, nas comunidades vulneráveis, decidiu-se terceirizar para ONGs e transformar em "bico" o diagnóstico do HIV fora dos serviços de saúde. A ampliação de uso de antirretrovirais tem custo alto. Se falta dinheiro ao SUS, o governo federal precisa dizer por que aceita pagar, tanto nos genéricos nacionais como nos importados patenteados, muito mais que outros países. O Ministério da Saúde abandonou campanhas de alcance nacional que promovam ambientes sem discriminação. No Brasil é altíssima a prevalência de HIV entre grupos cujas práticas e identidades são estigmatizadas, entre eles gays e profissionais do sexo. A cada hora no país um homossexual é atacado por intolerância. É problema de saúde pública, pois o preconceito também afasta dos serviços de saúde e da prevenção justamente aqueles mais atingidos pela Aids. Para que alguém possa se proteger do HIV, não basta assegurar seus direitos, assim como são insuficientes a determinação de praxe --"use camisinha"-- ou mesmo as palavras de ordem surgidas mais recentemente --"faça o teste", "inicie o tratamento" ou "tome comprimidos antes ou depois do sexo sem proteção". Desde que assegurados o acesso e a autonomia de escolha, é a oferta combinada de meios disponíveis --promoção de direitos, informação, preservativos, teste, tratamento, profilaxia pré e pós-exposição-- que fará com que as pessoas se tornem senhoras de sua própria saúde, assumindo atitudes protetoras para si e solidárias com os demais. Os ventos sopram contra a Aids, mas o governo federal precisa saber ouvir. Médicos, profissionais, gestores, ativistas, pessoas que vivem com HIV e pesquisadores estão a postos, unidos no corajoso compromisso coletivo de acabar com a epidemia. CAIO ROSENTHAL, 65, infectologista, é membro do Conselho Regional de Medina de São Paulo MÁRIO SCHEFFER, 48, é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP Teste para Ebola 01/12/2014 - Valor Econômico A companhia francesa bioMérieux, especializada em microbiologia e diagnóstico in vitro, planeja lançar no Brasil o primeiro teste disponível para diagnóstico do Ebola em seres humanos. O produto, chamado FilmArray, recebeu autorização de emergência do FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos). Já foi protocolado um pedido de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que o produto seja comercializado no país. A subsidiária brasileira é a primeira em faturamento do grupo na América Latina, com receita de R$ 135 milhões em 2013 e expectativa de atingir R$ 150 milhões este ano. O faturamento global da bioMérieux em 2013 foi de € 1,58 bilhão, alta de 4,6% sobre o ano anterior. No Brasil, sexto maior mercado do grupo no mundo, são produzidos reagentes para diagnósticos que atendem tanto o mercado interno quanto exportações para a América Latina. Moderação e serenidade Marco Bobbio, de 63 anos, dirige um dos centros de referência em cardiologia da Itália, o hospital Santa Croce e Carie di Cuneo, no Piemonte. Ele se notabilizou entre os colegas de todo o mundo por ter colocado na dimensão correta a atual obsessão pela preservação da juventude a qualquer custo. Do pai, o filósofo Norberto Bobbio, morto em 2004, um ícone do pensamento liberal e da defesa dos direitos individuais, Marco herdou a inteligência e a ironia cortante com que postula suas teses. "Meu pai dizia que o homem de cultura é aquele que valoriza a dúvida. É o que faço diariamente exercendo a medicina." Antes de embarcar para o Brasil, onde lançará nesta semana o livro O Doente Imaginado, Marco Bobbio falou a VEJA, por telefone, de sua casa em Turim. A medicina preventiva é um ramo com muitas histórias de sucesso para contar, mas ainda não o convenceu totalmente. Por quê? Há um exagero nas medidas que visam a evitar o aparecimento das doenças. O médico deveria intervir menos e esperar mais o curso natural das coisas. Acredito nas intervenções em situações agudas, como no caso do paciente vítima de um infarto ou um derrame. Desconfio um pouco das medidas a longo prazo. Os tratamentos da medicina moderna fazem com que as pessoas vivam mais. Vive-se mais, mas não se vive tão bem. São pouquíssimas as pessoas que chegam a uma idade avançada sem problemas. A vida se prolongou. Mas o mal-estar associado ao envelhecimento também. Não há cura para esse mal-estar. É o que chamo de "paradoxo da medicina". Vejo pessoas com 85 ou 90 anos dizendo que estão cansadas. Elas estão mesmo é idosas. Como harmonizar sua tese com a promessa da medicina de fazer pelo paciente tudo o que estiver ao alcance? Os cuidados preventivos podem levar uma pessoa até os 90 anos com o sistema cardiovascular funcionando muito bem. Mas eles não eliminam por completo todos os problemas associados à idade avançada, como a dificuldade de locomoção, a perda de memória, o cansaço. A tecnologia dos exames e o aprimoramento dos medicamentos são dois dos muitos recursos capazes de manter uma pessoa viva por muito mais tempo, mas ainda não foi possível desenvolver mecanismos que possam proporcionar qualidade de vida aos pacientes em idade avançada. Uma mulher de 50 anos descobre no check-up anual que tem um câncer de mama em fase muito inicial. Nessas circunstâncias, a probabilidade de cura ultrapassa 90%. Sem medidas preventivas ela estaria condenada, não? O rastreamento do câncer de mama é um dos poucos exames que têm provado sua eficácia preventiva. Nesse caso hipotético, é inegável que a prevenção foi decisiva. O problema é quando os médicos não respeitam os valores e as necessidades do paciente, acreditando que o que eles oferecem é sempre o melhor. Não se pergunta nem mesmo o que o paciente quer. Muitas vezes a questão é dar a ele o direito de não seguir um determinado tratamento, se essa for a sua vontade. Conhecer o risco de desenvolver uma doença, por menor que ele seja, não ajuda o paciente a organizar a vida? Um em cada cinco exames, em média, dá resultado falso positivo ou falso negativo. Esse número é altíssimo, não? A taxa de falsos positivos e falsos negativos depende do tipo de exame, da forma como ele é aplicado e das condições de sua realização. Uma regra para saber se vale a pena se submeter a um exame de detecção precoce é conhecer os dados globais de sua eficácia. A mamografia e a colonoscopia, que detecta o câncer colorretal, têm sua eficácia comprovada por esse critério. A expectativa dos pacientes em relação à medicina é demasiadamente alta? Sim, e essa postura é alimentada pelos próprios médicos. Não é incomum ver profissionais renomados declarar para revistas, jornais e televisão sua onipotência, divulgando feitos extraordinários. Por exemplo, o cirurgião que recuperou um paciente em condições desastrosas depois de uma operação de dez horas de duração. Claro que isso pode acontecer. Mas não é o comum. Esse médico, então, passa a ser visto como um salvador, quase um ente divino. Pode acontecer também de um paciente morrer na mesa de cirurgia ao ser operado de apendicite. Também é incomum. Excluindo-se aqui o erro médico, há o imprevisto, a fatalidade. O imponderável. Saber lidar com isso é saudável porque faz o médico não se sentir Deus — e errar menos. A medicina não é uma ciência exata. É uma ciência biológica que tem de lidar com características muito particulares e complexas. Qual o pecado mais evidente dos médicos atualmente? Os médicos estão muito arrogantes, impondo seu ponto de vista a todo custo. Parte da culpa é das subespecializações médicas, um fenômeno recente na medicina. Elas são necessárias para a compreensão mais aprofundada de uma doença, mas, quando o médico se concentra em uma pequena porção de uma determinada afecção, passa a ver o paciente de forma fragmentada. Os médicos atualmente só sabem falar de questões referentes às suas subespecialidades. Não do paciente. A postura dos especialistas é comparável à dos socialistas, para quem só há uma única solução para um problema — ela é perfeita, e não tem discussão. Hoje em dia, exames e tratamentos são determinados pelos estudos científicos, sem maiores reflexões. Se um paciente sofre um infarto em São Paulo, em Nova York ou na Índia, é tratado basicamente da mesma forma. São, evidentemente, boas abordagens, mas que funcionam bem com a média da população. Quando o paciente procura ajuda médica, ele é um indivíduo, não uma média — é único. Parece chavão, mas pensar assim faz uma diferença brutal. Cada paciente tem uma história que deve ser levada em consideração. E isso implica, muitas vezes, não seguir as diretrizes médicas. Há os que querem se submeter a tratamentos menos eficazes, mas menos invasivos. Há os que simplesmente não querem prolongar a vida com má qualidade. A decisão deve ser primordialmente do paciente. Sempre. E, quando ele não tem mais condições de decidir sobre o fim da vida, cabe aos parentes fazê-lo. No fim da vida, doente, seu pai, o filósofo Norberto Bobbio, não foi submetido a nenhum tratamento extraordinário. Foi uma decisão sua? Em outubro de 2003, meu pai completou 94 anos em condições bastante boas. Fisicamente ele estava um pouco limitado. Já não saía de casa, conseguia, no máximo, caminhar do quarto para o banheiro ou para a sala. Mas se locomovia sozinho. Festejamos o Natal daquele ano em sua casa. Foi uma alegria. Dois dias depois, porém, ele pegou uma pneumonia. Com dificuldade para respirar, teve de ir para o hospital. Lá, foi tratado com antibióticos, antitérmicos e recebeu oxigênio. Recuperou-se e retornou para casa. Em 6 de janeiro de 2004, li os jornais para ele, que compreendeu tudo. No dia seguinte, piorou drasticamente. A febre voltou, seu estado geral se agravou. Dessa vez teríamos de tomar a decisão se seria ou não entubado e submetê-lo a alimentação artificial. Eu disse não. Pensei comigo: até pouco tempo atrás ele teve uma vida maravilhosa. Mas, viúvo há três anos, se sentia só e estava deprimido. Nos últimos meses, repetia com frequência a expressão latina taedium vitae para dizer que estava cansado da vida. A partir daquele momento, foi indo embora devagarinho, apenas com o suporte médico para controlar o mal-estar causado pela doença. Mesmo assim, quando o coração dele começou a bater mais fraco, as enfermeiras me olharam aflitas e perguntaram o que deveriam fazer. Nada, respondi. No dia 9 de janeiro ele se foi. Como o médico pode saber com segurança a hora de interromper o tratamento? É muito difícil, independentemente da situação do paciente. Trata-se sempre, repito, de uma decisão que deve ser tomada com o paciente ou com seus parentes. Mas sempre tento seguir a lógica de um movimento médico nascido na última década chamado Slow Medicine, do qual faço parte. O lema é praticar uma medicina o menos invasiva possível, que respeite a vontade do paciente. Como o senhor cuida da própria saúde? Tomo um copo de vinho por refeição, como muita verdura e consumo pouca carne, pouco sal e pouco açúcar. Sei que o vinho faz bem ao coração, o excesso de carne aumenta o risco de câncer de intestino, o sal está associado à pressão alta e o açúcar ao diabetes. Mas não me escravizo por isso. Se vou à casa de amigos e lá há um doce gostoso, como com muito prazer. Se o vinho é bom, bebo mais de duas taças, claro. Faço caminhadas apenas quando posso. E sempre de forma prazerosa — em meio às montanhas do Piemonte. Dou risada quando vejo as pessoas correndo em esteira. O senhor faz check-ups? O único exame que já fiz na vida foi o do sangue oculto nas fezes, para investigar possíveis lesões intestinais. Esse é um dos poucos exames que de fato conseguem predizer a existência de uma doença. Nem o PSA, o marcador para o câncer de próstata, eu fiz. Não é uma forma tão eficaz de detecção quanto se pensava. Alguns institutos canadenses excluíram recentemente a indicação desse exame, e espero que outros lugares façam o mesmo. Não tomo remédios. Nunca fiz um exame de coração. 0 senhor não tem medo de ter um infarto, para o qual pode estar caminhando sem sinais aparentes? Claro que sim. Mas não vejo vantagem em fazer um exame se me sinto muito bem. Tenho 63 anos e, certamente, minhas artérias não são as de um garoto de 20. Sei que posso ter uma lesão. Sei também que, seguramente, os exames e os procedimentos médicos não vão me garantir uma sobrevivência serena. Prefiro viver sem saber. Em minha opinião, não faz sentido eu me sentir bem e ir ao médico para tentar saber quando vou estar mal. 0 que seus pacientes acham de suas opiniões? Os que discordam não voltam mais. Posso lhe garantir que a maioria volta. O que o senhor aconselha a quem está bem de saúde e quer se conservar assim? Tente levar uma vida serena. Não tenha como objetivo chegar aos 70 anos com o mesmo vigor que tinha aos 50. Desfrute a vida e não se prive de prazeres. Hoje, quando as pessoas se reúnem à mesa com os amigos ou com a família, não dizem mais se gostam ou não de determinado prato, mas se podem ou não comê-lo. Isso significa invariavelmente comer mal. Deve-se comer um pouco de tudo. Inclusive quando se está doente. Aqui os médicos pecam novamente. O paciente que sofreu um infarto vai ouvir da maioria dos especialistas a recomendação de eliminar a gordura do prato. Eu não concordo. Recomendo a meus pacientes que comam queijo, mas não um queijo qualquer. Escolham um produto de excelente qualidade, mesmo que ele custe mais. Toda noite se deliciem com um pedacinho dessa maravilha, deixando que ele derreta na boca bem devagar. O mesmo vale para todo tipo de alimento, seja salame, vinho, sal ou açúcar. Comam com moderação e vivam com serenidade. Não existe receita melhor de saúde. |