Intoxicações e Envenenamentos

*Marcio Antonio da Fonseca e Silva

Breve Histórico. Desde as mais antigas civilizações, os anais da história revelam que o homem, a fim de garantir o poder, ou movido por vingança, fazia uso criminoso de substâncias tóxicas para destruir inimigos ou rivais. Este hábito tomou tal vulto, que cientistas começaram a pesquisar métodos analíticos de identificação de “venenos”. Em 1829, Cristison publicou o primeiro tratado sobre a matéria. Em 1836, James Marsh elaborou um método de identificação do arsênico. Seguiram-se trabalhos de Orfila, Fresenius e Babo Tardieu, Rossin e outros. Em 1836, Bertelot estabeleceu análise dos gases venenosos. Dessa forma, a Toxicologia nasceu em função da Medicina Legal, onde prestou e continua prestando inestimáveis serviços, pois nem sempre o quadro clínico observado e as circunstâncias expostas em um processo levam à convicção da existência de um crime. Com o passar dos anos, cada nova etapa de avanço na pesquisa de identificação dos agentes tóxicos, representava um maior retraimento dos criminosos no uso de tais substâncias como arma de crime, por receio de serem descobertos e punidos na forma da lei.

A noção de agentes tóxicos pertence à classe das substâncias que podemos compreender facilmente e só definir com dificuldade. Evidentemente, nada mais simples do que distinguirmos, na prática, a diferença entre um agente tóxico, um medicamento e um alimento. Mas quando se trata de definir um agente tóxico, a questão complica-se e as definições ora pecam por deficiência — não abrangendo a totalidade dos “tóxicos”—, ora excedem os limites do que entendemos por “tóxicos”, permitindo englobar substâncias que não devem ser incluídas nessa categoria. Contudo, a jurisprudência dos tribunais têm situado melhor os limites legais do envenenamento.

Classificação

Com o progresso da Ciência Médica, a intoxicação assumiu grande importância no conjunto dos processos patológicos, uma vez que pode resultar não apenas de substâncias estranhas ao organismo, como da ação de produtos de segregação do próprio organismo, ou ainda de toxinas microbianas. De modo geral, e quanto à origem, podemos classificar as intoxicações:

  • Endógenas: venenos que se formam no próprio organismo e de origem celular, microbiana ou parasitária;
  • Exógenas: por substâncias introduzidas de fora do organismo. Sob o aspecto social, as intoxicações exógenas têm maior importância, pois podem ser: a} Intencionais: criminosas e suicidas; b} Acidentais: por imprudência, medicamentosa, ocupacionais, alimentares e microbianas.

Aspecto Social

A Revolução Industrial trouxe grandes benefícios à humanidade. Por seu impacto, modificou os conceitos, as formas de conduta e criou uma nova filosofia para todo e qualquer tipo de atividade humana. Os progressos tecnológicos obrigaram a medicina a criar novos campos de atividades, levando seus profissionais à especialização. O fato ocorreu igualmente no campo da farmácia e a industrialização do medicamento obrigou o farmacêutico, que antes só preparava medicamentos individualizados, a fazê-lo em escala industrial, passando cada lote produzido a abranger milhões de pessoas. Acrescente-se também o desenvolvimento das indústrias de produtos de limpeza, higiene, cosméticos, inseticidas, solventes e produtos químicos em geral, que diariamente aumentam sua produção em volume, potência e toxicidade. Aqueles que militam no campo da saúde, em especial os profissionais da área hospitalar, assistem diariamente ao aumento dos casos de intoxicações, sejam intencionais ou acidentais. Perplexos, constamos um paradoxo no campo da saúde. O homem que descobriu e experimentou as possibilidades medicinais das drogas, colocando-as a serviço da humanidade, tem um difícil caminho a percorrer.

Lamentavelmente assistimos nos hospitais e serviços de pronto socorro pacientes que, quando encaminhados ao atendimento de emergência, já se encontram em adiantado estado de intoxicação e frequentemente sem condições de fornecer esclarecimentos sobre o caso, menos ainda sobre o possível ou exato agente tóxico. Por sua vez, os familiares ou acompanhantes, quer por ignorância ou fatores emotivos, também se mostram incapazes de prestar as informações solicitadas. Os produtos comerciais, como desinfetantes, antissépticos, inseticidas, formicidas e outros são apresentados por seus fabricantes em embalagens originais sugestivas e de cores vivas, que despertam a curiosidade quando colocados ao alcance das crianças. Além desses aspectos, deve-se chamar a atenção para certos nomes que, por semelhança de pronúncia, podem levar a equívocos, pois, às vezes, são produtos para a mesma finalidade, mas de princípios ativos diferentes. Esta diferenciação é de grande importância para chegar a um correto diagnóstico. Dessa forma, cria-se rotineiramente um quadro de angustiantes problemas para o médico e para os acompanhantes, de cuja solução imediata pode depender uma vida. Até o presente não contamos com nenhum antídoto universal, sendo a terapêutica de desintoxicação específica a cada agente tóxico e ajustada a cada paciente.

Com relação aos medicamentos, além de serem apresentados em embalagens atraentes, são manipulados com artifícios farmacotécnicos que lhes imprimem cor, aroma e sabor quase sempre agradáveis e que. com a curiosidade, despertam a gulodice das crianças.

Em face da gravidade da matéria, sugerimos as seguintes medidas profiláticas:

  • Assim que surgir o primeiro sinal de doença, procurar um médico;
  • Evitar a ingestão de “remédios” indicados por pessoas inabilitadas, que talvez tenham boa vontade em ajudar, mas não capacidade técnica profissional para fornecer um atendimento adequado e seguro;
  • Não deixar substâncias inflamáveis, inseticidas, venenos, produtos de limpeza e medicamentos ao alcance das crianças e dos animais domésticos;
  • Evitar que os alimentos fiquem em contato com inseticidas ou qualquer produto dessa natureza;
  • Não colocar venenos para ratos próximo dos alimentos, ao alcance das crianças ou dos animais domésticos;
  • Não utilizar para pulverização ou manipulação de substâncias tóxicas (inseticidas, formicidas, herbicidas etc) utensílios destinados ao preparo de alimentos;
  • Sempre que usar substâncias tóxicas, evitar contato demorado, usar máscara, óculos protetores e luvas, tomar banho frio e trocar toda a roupa sempre que for notado sinal de contaminação. Lavar bem as mãos com água corrente;
  • Quando alguém ingerir ou inalar substâncias inflamáveis, inseticidas, venenos, produtos de limpeza ou medicamentos em dose superior à prescrita, ou ainda, ao primeiro sinal de intoxicação (cefaleia, náuseas, vômitos, diarreia etc), procurar imediatamente o pronto socorro mais próximo e sempre que possível levar o vasilhame, a embalagem ou a bula do agente causador. No caso de crianças, entrar imediatamente em contato com o Centro de Assistência Toxicológica do Instituto da Criança - Ceatox (0800-0148110).

 

Nota: Meus agradecimentos aos trabalhadores da agricultura e da pecuária que diuturnamente muito fazem pelo nosso Brasil.

Finalmente: Meu objetivo é alertar e evitarmos intoxicações e envenenamentos que rotineiramente acontecem.

 

(*) O autor: farmacêutico, CRF-SP 3132, administrador hospitalar e professor livre docente de toxicologia. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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