Prejuízos causados por benzodiazepínicos são negligenciados, especialmente entre idosos

À medida que a atenção continua voltada para o uso abusivo de opioides, outra epidemia farmacológica grassa longe dos holofotes: a prescrição inadequada de benzodiazepínicos.

Em um editorial publicado na edição de 22 de fevereiro do New England Journal of Medicine, as Dras. Anna Lembke e Jennifer Papac, e Keith Humphreys, da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, informam que de 1996 e 2013, o número de adultos que tiveram uma prescrição de benzodiazepínicos dispensada na farmácia subiu de 8,1 para 13,5 milhões, um aumento de 67%. Durante mais ou menos o mesmo período (1999 a 2015), as mortes por overdose de benzodiazepínicos aumentaram de 1.135 para 8.791.

"Apesar desta tendência, os efeitos adversos dos benzodiazepínicos, o uso excessivo e inadequado desse medicamento, e a dependência que ele promove, permanecem em grande parte despercebidos", escrevem os autores.

O uso concomitante de opioides figurou em três quartos das overdoses "o que pode explicar por que, no contexto amplamente reconhecido da problemática dos opioides, os prejuízos associados aos benzodiazepínicos tenham sido negligenciados", declaram os editorialistas. Citando dados, eles revelam que o índice de prescrição concomitante quase dobrou entre 2001 e 2013, passando de 9% para 17%.

Particularmente preocupante é o uso de benzodiazepínicos entre os idosos, que são especialmente vulneráveis aos efeitos adversos deles, como o aumento do risco de quedas, fraturas, acidentes automobilísticos, comprometimento cognitivo e demência. Sociedades profissionais em vários países, incluindo a American Geriatrics Society, publicaram diretrizes com recomendações contrárias à prescrição de benzodiazepínicos para estes pacientes, assim como a campanha Choosing Wisely Internacional, que visa reduzir o atendimento médico inadequado e de baixa qualidade.

Não obstante, "a prescrição para os adultos idosos continua, apesar de décadas de evidências documentando as questões de segurança, os tratamentos alternativos eficazes, e os métodos eficazes de redução gradual até mesmo para usuários crônicos", escreveram o Dr. Donovan T. Maust e coautores no Journal of the American Geriatric Society em 2016. Outros pesquisadores descobriram que muitas vezes os médicos não estão cientes dos perigos que estas substâncias representam para os idosos, ou acreditam que não existam outras opções terapêuticas.

Agora, um novo estudo observacional com idosos nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália confirma que, apesar de um discreto declínio das prescrições de benzodiazepínicos nesta população, "a utilização permanece inadequadamente alta – particularmente entre os pacientes com 85 anos ou mais – o que merece mais atenção por parte dos médicos e dos responsáveis pelas decisões sobre políticas médicas", escrevem os autores.

O Dr. Jonathan Brett, da Medicines Policy Research Unit na University of New South Wales, em Sydney (Austrália), e colaboradores, publicaram suas descobertas on-line em 12 de fevereiro no periódico Journal of the American Geriatric Society.

Os autores usaram dados de pedidos de reembolso de prescrição do US Department of Veterans Affairs (VA), do Ontario Drug Benefit Program (canadense) e do Australian Pharmaceutical Benefits Scheme para analisar a prevalência anual e o uso incidente de benzodiazepínicos entre as pessoas com 65 anos de idade ou mais, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2016. Toda a coorte teve 8.270.000 participantes.

Os pesquisadores observaram um declínio significativo e linear da prevalência do uso de benzodiazepínicos, definida como pessoas com pelo menos uma solicitação de reembolso de prescrição de um benzodiazepínico durante dado ano civil, nos três países, durante o período estudado. Nos Estados Unidos, a diminuição foi de 9,2% para 7,3%; em Ontário, no Canadá, diminuiu de 18,2% para 13,4%; e na Austrália, caiu de 20,2% para 16,8%.

O uso incidente, definido como uma nova prescrição em um dado ano, para alguém sem história de uso de benzodiazepínicos, também diminuiu nos Estados Unidos, passando de 2,6% para 1,7%, e em Ontário, indo de 6,0% para 4,4%. Na Austrália, o uso incidente sofreu uma alteração discreta e sem significado estatístico, passando de 7,0% para 6,7%.

Nos três países, os índices de uso incidente e prevalente foram maiores entre as mulheres, escreveram Dr. Brett e colaboradores. Na Austrália e em Ontário, uso prevalente foi maior nos pacientes com 85 anos de idade ou mais, porém "diminuiu com o avançar da idade na população dos Veterans Affairs nos EUA".

As diminuições das prescrições observadas "provavelmente ocorreram em resposta às questões de segurança e à ausência de evidências de eficácia", escrevem os autores.

Ainda assim, apesar destas "pequenas mudanças", e "apesar de mensagens sistemáticas sobre os riscos do uso de benzodiazepínicos nesta população, os índices de utilização de benzodiazepínicos para os idosos permanecem elevados", talvez relacionados com uma tendência dos médicos e dos pacientes de minimizar o risco que estes medicamentos representam.

O achado da alta utilização entre os pacientes idosos no Canadá e na Austrália foi "particularmente preocupante", acrescentam os autores, devido ao maior potencial de dano nessa faixa etária.

Os pesquisadores também expressam preocupação de que os médicos possam prescrever os "remédios Z", como a zopiclona e o zolpidem, em vez de benzodiazepínicos, com uma crença errônea de que esses produtos sejam mais seguros.

Uma maneira de começar a reduzir a prevalência dos benzodiazepínicos pode ser limitando a conversão do uso incidente a regular, "limitar explicitamente a duração das novas prescrições, e não fornecer prescrições médicas de rotina", sugerem os autores. "Para as pessoas que usam benzodiazepínicos há muito tempo, conversar sobre os riscos e benefícios de manter este tratamento, e tentar diminuir gradualmente a dose, pode ser a melhor estratégia".

Dra. Anna e colaboradores também reforçam a necessidade de conversar sobre a retirada paulatina desses medicamentos, e observar os inúmeros paralelos entre os padrões de uso de benzodiazepínicos e de opioides: "Apesar dos muitos paralelos com a epidemia de opioides, tem havido pouca discussão na mídia ou entre médicos, políticos e educadores, sobre o problema da prescrição excessiva e do uso excessivo de benzodiazepínicos e dos "remédios Z", ou sobre os danos atribuíveis a estas substâncias e a seus análogos ilícitos", escrevem os editorialistas.

Se medidas destinadas a desencorajar o uso de opioides fizerem com as pessoas os troquem pelos benzodiazepínicos, "isso seria uma tragédia", concluem Dra. Anna e colaboradores no editorial.

"Acreditamos que a infra-estrutura cada vez maior erguida enfrentar a epidemia de opioides deve ser aproveitada para responder às perigosas tendências do uso excessivo, equivocado e também da dependência de benzodiazepínicos".

Os autores declararam não possuir conflitos de interesses relevantes.

J Am Geriatr Soc. Publicado on-line em 12 de fevereiro de 2018. Resumo

N Engl J Med. 2018;378:693-695.

 

Fonte: MedScape - https://portugues.medscape.com/verartigo/6502092?faf=1&src=soc_fb_070318_mscpmrk_ptpost_idosobenzo

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